O que a extrema-direita quer de Derrite?
Extrema-direita tenta distorcer a lei para transformar crime comum em terrorismo e abrir brecha para perseguição política e submissão do Brasil aos EUA
No início de 2025, representantes do governo Trump estiveram em Brasília para propor a possibilidade de mudar a classificação de grupos como o PCC e o CV. No entanto, autoridades brasileiras não veem espaço para enquadrá-los na Lei Antiterrorismo, pelas razões que, resumidamente, anoto abaixo.
Peço licença aos grandes criminalistas da minha geração, Haroldo Cardella e Ralf Tórtima, pelo meu atrevimento. Quando li no Brasil 247 que “o deputado federal e secretário de Segurança de São Paulo licenciado, Guilherme Derrite (PL-SP), alterou projeto de lei (PL) antifacção de forma a sabotá-lo, para equiparar, no texto enviado na última semana pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Congresso, as organizações criminosas brasileiras a ‘terroristas’. As informações são da agência O Estado de S. Paulo/Conteúdo”, não me contive e me arrisco a comentar o tema.
A extrema-direita brasileira, especialmente a ala bolsonarista, quer que as facções criminosas sejam qualificadas como “organizações terroristas”.
Mas qual é o real objetivo disso?
Antes de responder a essa questão, creio que devemos compartilhar com o leitor as diferenças entre “facções criminosas” e “terrorismo”. A compreensão dessas diferenças há de revelar as intenções do bolsonarismo.
A principal diferença entre facções criminosas e terrorismo reside na motivação e nos objetivos dos grupos. Enquanto as facções têm o lucro econômico como meta central, o terrorismo é impulsionado por objetivos políticos, ideológicos ou religiosos.
As facções criminosas têm, portanto, motivação econômica: buscam principalmente o lucro e o controle de atividades ilícitas, como tráfico de drogas e extorsão. Já os terroristas têm motivação política, ideológica ou religiosa. O objetivo do terrorismo é gerar pânico social para alcançar mudanças políticas ou sociais; o das facções criminosas é o lucro.
As facções criminosas usam a violência como ferramenta para proteger seus negócios ilícitos, enquanto os terroristas atacam alvos simbólicos ou civis de forma indiscriminada para disseminar medo e intimidar a população e o governo. No caso das facções, o uso da violência visa garantir o lucro, eliminar a concorrência e manter o controle territorial. Já o terrorismo usa a violência como meio para atingir um fim político: para o terrorismo, a violência é uma forma de comunicação, destinada a provocar a opinião pública em favor de sua causa.
O Brasil tem legislação aplicável tanto às facções quanto ao terrorismo. A Lei de Organização Criminosa (Lei 12.850/13) define e pune as facções no país, e a Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/16) define os crimes de terrorismo motivados por extremismo político ou preconceito, com a finalidade de causar terror generalizado.
Ou seja, são crimes distintos, e o Brasil possui leis específicas para cada um. A equiparação entre facções e organizações terroristas é um equívoco conceitual e uma distorção do sistema jurídico brasileiro. Essa é a opinião do jurista Antônio Pedro Melchior, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, citado em artigo de Sérgio Rodas no ConJur.
Caros leitores, são crimes distintos, e o alargamento do conceito de terrorismo visa legitimar ações de exceção, a exemplo do extermínio de pessoas ou grupos, colocando o Brasil no centro das “guerras eternas”, sobre as quais já escrevi. Mas essa é a visão da extrema-direita: quando criminosos são rotulados de terroristas, o Estado cria um espaço jurídico de exceção em que a supressão de garantias se justificaria — bem ao gosto do bolsonarismo, do fascismo e da extrema-direita.
A Lei Antiterrorismo tem uma ressalva para evitar o uso político do tipo penal contra movimentos sociais e grupos de contestação. No entanto, parece que a extrema-direita quer expandir o conceito de “terrorismo” para criminalizar os movimentos sociais, especialmente o MST. Tal expansão interpretativa colocaria o Brasil em rota de colisão com princípios como tipicidade estrita, proporcionalidade e reserva legal — pilares do Estado de Direito. Rotular facções como organizações terroristas significaria substituir o controle jurídico-penal pela lógica da exceção.
Além da criminalização dos movimentos sociais, o bolsonarismo — com esse debate e com esse movimento que pode tornar-se lei — busca oferecer aos EUA, “xerife do mundo”, a possibilidade de realizar operações em território nacional sob o pretexto de combate ao terrorismo ou ao narcotráfico.
Não há nada pior para o Brasil do que o bolsonarismo, que precisa ser combatido por meio de uma militância séria, esclarecedora e transformadora.
O enquadramento do crime organizado como terrorismo pode gerar riscos ao Estado de Direito. Um grupo de crime organizado tem finalidade econômica, não político-ideológica. O que a extrema-direita deseja é submeter a soberania nacional ao império. Por isso, repito: temos que resistir.
Talvez seja isso o que o bolsonarismo quer de Derrite — o trabalho sujo, o mesmo que ele fez no Guarujá.
Essas são as reflexões.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
