O fardo é Tarcísio
Governador de SP está disposto a integrar uma frente internacional da extrema direita
Ao publicar uma fotografia ao lado do presidente eleito do Chile, José Antonio Kast, e celebrar sua vitória como sinal de que a América Latina estaria “avançando rumo ao conservadorismo”, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, não apenas expressou uma opinião política. Ele assumiu publicamente um campo. E esse campo é o da extrema direita latino-americana, com suas raízes autoritárias, sua nostalgia das ditaduras e sua linguagem perigosamente excludente.
Na mesma postagem em que exalta Kast, Tarcísio chamou a esquerda brasileira de “fardo” e afirmou esperar que o Brasil “se livre” dela em 2026. As palavras importam. Não se trata de metáfora inocente. Ao longo da história, regimes autoritários sempre recorreram à ideia de “fardos” a serem eliminados — sejam eles grupos políticos, sociais ou culturais — para justificar perseguições, silenciamentos e rupturas institucionais. Quando um governador eleito, à frente do estado mais rico do país, adota esse vocabulário, o sinal de alerta não pode ser ignorado.
A imagem que revela o projeto - A fotografia ao lado de José Antonio Kast não é protocolar nem casual. Kast é um político que construiu sua trajetória exaltando o legado de Augusto Pinochet, relativizando crimes da ditadura chilena, atacando direitos humanos, feminismo, imprensa e movimentos sociais. É também herdeiro de uma história familiar marcada por vínculos comprovados com o nazismo — um dado histórico que não pode ser tratado como detalhe irrelevante quando se analisa o simbolismo de alianças políticas no século XXI.
Ao posar sorridente ao lado de Kast, Tarcísio não apenas parabeniza um chefe de Estado estrangeiro. Ele envia um recado à sua base e ao sistema político brasileiro: está disposto a integrar uma frente internacional da extrema direita, hoje articulada entre figuras como Milei, Bukele, Kast e os remanescentes do bolsonarismo. Trata-se de um campo que transforma autoritarismo em virtude, repressão em eficiência e exclusão em projeto de poder.
O discurso do “fardo” e a lógica da exclusão - Chamar a esquerda de “fardo” não é apenas atacar adversários eleitorais. É deslegitimar milhões de brasileiros que pensam diferente, que defendem políticas públicas, direitos sociais, soberania nacional e democracia substantiva. É reduzir o pluralismo político a um obstáculo a ser removido. É substituir o debate democrático pela lógica do inimigo.
Curiosamente, quem acusa a esquerda de ser um peso para o país representa exatamente o contrário do que o Brasil precisa. O verdadeiro fardo são os projetos que atacam universidades, desprezam ciência, negam a crise climática, flertam com o autoritarismo policial, relativizam a violência de Estado e sonham com uma democracia tutelada, esvaziada de conteúdo social.
O modelo que Tarcísio aplaude - Ao celebrar o avanço da direita radical na América Latina, Tarcísio alinha-se a um modelo que já mostrou seus limites e seus custos. No Chile, o discurso de “ordem” e “segurança” de Kast caminha junto com a negação das desigualdades estruturais que levaram milhões às ruas em 2019. Na Argentina, Milei governa com brutal ajuste social, desmonte do Estado e aumento da pobreza. Em El Salvador, Bukele construiu popularidade à custa de encarceramento em massa, suspensão de garantias legais e erosão do Estado de Direito.
Esse é o “avanço conservador” que Tarcísio aplaude. Não um projeto de desenvolvimento, mas uma regressão civilizatória disfarçada de eficiência. Não uma resposta às crises contemporâneas, mas a radicalização do medo como método de governo.
Democracia sob teste - A democracia não morre apenas por golpes explícitos. Ela se corrói quando líderes eleitos passam a tratar adversários como inimigos a serem eliminados, quando normalizam alianças com projetos autoritários e quando transformam a política em guerra cultural permanente. O discurso de Tarcísio se insere exatamente nessa lógica.
O Brasil conhece bem esse caminho. Sabe onde ele começa e sabe, dolorosamente, onde pode terminar. Por isso, é fundamental nomear as coisas pelo que são. Não é a esquerda que representa um fardo para o país. O verdadeiro peso é o autoritarismo travestido de pragmatismo, a intolerância vendida como virtude e a política reduzida a espetáculo de exclusão.
O fardo é ele - Ao atacar a esquerda, Tarcísio tenta deslocar o debate dos problemas reais do Brasil: desigualdade, desindustrialização, crise climática, precarização do trabalho, violência estrutural e perda de soberania. Criar inimigos é mais fácil do que apresentar soluções. Mas a história mostra que projetos baseados no ódio e na exclusão não constroem nações — apenas aprofundam fraturas.
Se há um fardo que o Brasil precisa enfrentar, ele atende pelo nome de um projeto político que flerta com o autoritarismo, celebra ditaduras alheias e trata a democracia como obstáculo. E esse fardo não é a esquerda. O fardo é Tarcísio.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




