O dogma militarista da União Europeia
A presidente da Comissão Europeia usa o discurso sobre o estado da União para reforçar militarismo, sanções e cartilha neoliberal
José Reinaldo Carvalho - No discurso sobre o Estado da União de 2025, Ursula von der Leyen transformou o plenário do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, num palanque para a escalada militar e a reafirmação da hegemonia das grandes potências do bloco. “A Europa está a travar um combate” e “este tem de ser o momento da independência europeia”, proclamou a presidente da Comissão, deixando claro que a prioridade é municiar a máquina de guerra e dobrar a aposta na pressão geopolítica, sobretudo no front contra a Rússia via Otan.
O evento foi realizado como promoção e vitrine de uma União Europeia “que assume mais responsabilidade pela defesa” e “permanece firme com a Ucrânia”, revelando as tendências militaristas e o afã hegemônico na conflituosa multipolaridade que se instala no mundo.
A essência do discurso de Von der Leyen são os planos militares, com a dedicação de somas astronômicas Mencionou o “Readiness 2030” (Prontidão 2030) — uma engenharia financeira que, segundo as diretrizes da própria Comissão, aponta a mobilização de até 800 bilhões de euros em investimentos militares e instrumentos correlatos como o SAFE (Security Action for Europe), o novo instrumento financeiro da União Europeia, adotado em 27 de maio de 2025 para compras conjuntas. “A Otan continuará a desempenhar um papel fundamental”, disse, mas a União Europeia deve ter “posicionamento forte e credível” na defesa — isto é, duplicar capacidades próprias, de preferências orçamentárias e de indústria.
A retórica da “independência” esbarra no óbvio: o militarismo serve de cimento para uma Europa em que a Alemanha e a França ditam o ritmo e onde a integração funciona como correia de transmissão de interesses estratégicos e industriais dos países mais ricos. O “combate” invocado no discurso não é pela paz, mas pela capacidade de projeção de força do bloco.
No capítulo ucraniano, o discurso da presidente da Comissão reforçou o que já vinha sendo anunciado por Bruxelas: a preparação do 19º pacote de sanções contra a Rússia e a aceleração de mecanismos para usar ativos russos imobilizados para financiar o regime de Zelensky. É o contorno “financeiro-jurídico” de uma política que mantém a guerra como horizonte, alimentando a indústria bélica europeia e financiando suas compras de armas e outros equipamentos militares. O contexto do discurso acentuou a escalada: horas antes, drones russos teriam violado o espaço aéreo da Polônia, episódio usado como pretexto para fortalecer planos intervencionistas. Em vez de abrir caminho à diplomacia, a UE propõe mais sanções e rearmamento.
Enquanto amplifica gastos militares, a Comissão promove o velho receituário neoliberal sob a capa da “competitividade”: desburocratização para empresas, “mercados pioneiros”, flexibilizações e incentivos fiscais, além de uma cruzada por “energia acessível” que, na prática, socializa riscos e privatiza lucros.
A promessa de “erradicar a pobreza até 2050” soa cínica diante da urgência social e do dreno orçamentário para a defesa. “É uma questão elementar de justiça social”, afirmou ela — mas o que chega, de fato, às famílias trabalhadoras é a fatura de anos de austeridade, agora turbinada por uma economia de guerra.
O saldo político: mais armas, mais fissuras, menos justiça social
O discurso sobre o estado da União de 2025 cristaliza a perspectiva imperial de uma UE que confunde “liderança” com capacidade de coerção — econômica, diplomática e militar. Ao mirar 800 bilhões de euros para gastos militares, promover o 19º pacote de sanções e manter a lógica do arrocho em casa, Bruxelas escolhe um caminho que aprofunda desigualdades e externaliza conflitos.
Em Estrasburgo, Von der Leyen pediu “unidade”. O que entregou foi militarização, sanções e neoliberalismo — a receita que, há anos, cobra dos trabalhadores o preço dos lucros das grandes corporações e do protagonismo das potências do bloco. Se esse é o “combate” que a Comissão oferece, é legítimo questionar sobre quem ganha e quem paga por essa guerra que não é dos povos europeus, mas dos monopólios que mandam na UE.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.