O choro do eterno menino mimado da Vila
Neymar é mais um ator formado na escola bolsonarista de teatro, define Ricardo Nêggo Tom
Ao ver a cena na qual Neymar se senta no gramado e começa a chorar culposamente após o Santos levar de 6x0 do Vasco em pleno Morumbis, logo me lembrei dos versos iniciais da música O teatro dos vampiros – sucesso da banda Legião Urbana em 1991 – que dizem: “Sempre precisei de um pouco de atenção. Acho que não sei quem sou, só sei do que não gosto”. E, nesses dias de futebol tão estranho, em que o melhor e mais caro jogador do elenco se debulha em um vale de lágrimas depois de uma goleada, ao invés de exercer o seu papel de capitão do time e passar força para os companheiros diante de um revés histórico, vimos “a poeira se escondendo pelos cantos” diante das câmeras de televisão.
Para Neymar, “o que é demais nunca é o bastante”, e ele não se cansa de se colocar como o personagem principal da história, mesmo quando a história não foi escrita para ele. Longe de mim querer me colocar como fiscal do choro alheio, mas é inegável que o menino Ney é mais um ator da escola bolsonarista de teatro. Simplesmente vaidoso, “experientemente” mimado e humildemente prepotente, o camisa 10 do Santos resumiu o motivo do seu choro numa frase: “É a maior derrota da minha carreira. Nunca tinha passado por isso na minha vida”. Uma frase que expressa todo o seu ego em detrimento dos seus demais companheiros de equipe, que talvez também nunca tivessem passado por tal vexame.
O último craque que o país produziu nos últimos 15 anos – e não há nenhuma ironia nesta afirmação – cada vez mais vai se perdendo no personagem convenientemente frágil que ele e seu pai criaram para sua carreira. Sabendo que todas as câmeras se voltariam para ele ao apito final do árbitro, o menino da Vila sentou-se no gramado, pôs as mãos no rosto, chamou o contato – o contato veio através de dois companheiros de equipe que lhe estenderam as mãos, e ele recusou – e ficou esperando que o juiz anulasse os seis gols do Vasco para o menino parar de fazer birra. Como o juiz da partida não era o seu pai, restou-lhe se conformar com o abraço de Fernando Diniz, técnico do time adversário, que fez o papel daquele que é o principal responsável por Neymar ser como é.
O choro de Neymar lembra as lágrimas furtivas e fascistas de Bolsonaro que, por coincidência, conta com o apoio do nosso eterno menino. Lágrimas de quem sabe que fez caquinha na roupa e tenta tirar o corpo fora, como se fosse possível se livrar do cheiro de bobagem que está impregnado nele. Neymar já agrediu torcedor que o criticou quando jogava na França, por não admitir que não esteja sempre sendo endeusado. Mesmo quando não joga nada. É uma exigência de protagonismo que chega a ser patética. Quem não se lembra da comemoração do primeiro gol da seleção na Copa de 2022 – feito por Richarlison – quando Neymar se manteve frio e com os braços arriados, enquanto o camisa 9 o abraçou efusivamente? Por não ter sido ele o autor do gol, Neymar buscou protagonismo por ter dado o passe. Evocou o “faz e me abraça” como recurso futebolístico para justificar o seu ego.
Na goleada do último domingo, o protagonismo foi do Vasco de Diniz e do meia Coutinho, que fez uma partida espetacular e chamou a responsabilidade para si como o principal jogador do time cruz-maltino. A vaidade de Neymar não poderia permitir, mesmo diante da humilhação imposta, que outro personagem lhe roubasse os holofotes. Bolsonaro já fez isso em diversos cultos evangélicos, em que Jesus Cristo deveria ser o protagonista dentro da igreja, mas ele faz de tudo para se colocar acima de tudo e de todos. Até acima de Deus. O pranto de Neymar deve comover tanto quanto o pedido de anistia por parte dos golpistas que tentaram dar um golpe no país, por não aceitarem a vitória de Lula nas eleições. Um teatro de vampiros sugadores do protagonismo alheio, que choram quando veem frustrados seus planos e pretensões.
Neymar também pode ter chorado tentando comover o técnico da seleção brasileira, Carlo Ancelotti, e fazer com que o italiano o perceba como um jogador que está dando tudo de si – mesmo jogando com atletas que não estão à sua altura no Santos –, o que justificaria a sua convocação para os próximos jogos das eliminatórias. Não sei se Ancelotti cairá nessa, mas o lobby não será pequeno pelo retorno do jogador à seleção. Até porque, cada vez mais, fica comprovado que o comprometimento de Neymar é consigo mesmo. No jogo contra o Vasco ele forçou o terceiro cartão amarelo e não viajará para Salvador para enfrentar o Bahia. Por coincidência, o aniversário do seu filho mais velho é justamente no dia do jogo contra o time baiano. Como diz outro verso da canção interpretada por Renato Russo: “Vamos lá, tudo bem! Eu só quero me divertir. Esquecer, dessa noite ter um lugar legal pra ir.” E os vampiros seguem com seu teatro.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.