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      Francisco Calmon

      Ex-coordenador nacional da Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça; membro da Coordenação do Fórum Direito à Memória, Verdade e Justiça do Espírito Santo. Membro da Frente Brasil Popular do ES

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      Nem tudo que parece, é

      Perdão bilionário a planos de saúde é vendido como avanço, mas fragiliza o SUS e entrega pacientes a uma rede privada sem compromisso com o público

      SUS (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

      O Ministério da Saúde divulgou nesta semana que pacientes da rede pública poderão ser atendidos gratuitamente pelos planos de saúde.

      Sob o véu de uma "grande vantagem", esconde-se uma operação de troca: o perdão de dívidas bilionárias em troca de atendimentos. Desconfio que o presente pode ser de grego.

      A justificativa é a de que os planos devem ao SUS — dívida gerada quando seus beneficiários usam a rede pública e as operadoras não reembolsam, como manda a lei. Agora, em vez de pagar em dinheiro, quitariam o débito prestando serviços.

      O SUS, já precarizado em seus recursos, desiste de receber dinheiro vivo — cerca de R$ 1 bilhão, sendo R$ 750 milhões já disponíveis. Troca liquidez por promessas de atendimento.

      Enquanto isso, postos fecham por falta de verba; hospitais adiam cirurgias por cortes, falta de médicos, estrutura etc. Não seria mais proveitoso cobrar a dívida e investir no próprio SUS?

      Pior que isso: alegam que a medida aliviará as filas por especialistas. Mas os planos de saúde já não dão conta da própria demanda. Neurologistas, endocrinologistas, dermatologistas… esses profissionais são difíceis de se encontrar tanto no SUS quanto nos convênios.

      E como funcionará, na prática? O paciente do SUS seguirá o mesmo caminho: UBS, encaminhamento, regulação. Só que, em vez de ser direcionado a um hospital público, poderá ser enviado a um privado conveniado. Mas, se os planos já demoram meses para marcar exames e cirurgias para seus próprios clientes, como farão com o fluxo extra?

      Para quem, então, serve essa troca?

      Para os planos de saúde, claro. Liquida-se a dívida sem abrir o cofre, utilizam-se, se houver ociosidade, hospitais parceiros e ainda se ganha um selo de "parceria com o SUS".

      Já o sistema público perde receita e ainda entrega seus pacientes a uma rede privada que não tem capacidade, muito menos interesse, em tratá-los com eficiência.

      Quanto vale cada atendimento na barganha? Um exame de R$ 800 abaterá R$ 800 da dívida? E a fiscalização? A ANS ameaça multar planos que negligenciarem pacientes do SUS, mas sabemos que a regulação geralmente é frouxa.

      No fim, temo que se trate de um engodo. Vestem um alívio contábil para os planos de saúde com a roupagem de "revolução na saúde pública".

      O SUS, patrimônio da nação, merece mais do que maquiagem financeira: merece investimento direto, gestão competente e respeito ao cidadão que sofre nas filas.

      Assim como no caso suspeito da troca entre planos de saúde e SUS, acalento uma reflexão paralela sobre o consumismo desenfreado.

      Ambos os fenômenos compartilham uma lógica perversa: vendem-se benefícios imediatos enquanto se plantam, nas entrelinhas, as sementes de uma crise futura.

      Sabemos que o consumo amplia a produção, e que produção e consumo juntos geram empregos. Mas isso não significa, necessariamente, qualidade de vida. Pelo contrário: quando não planejado, cria-se um problema para depois correr atrás do remédio.

      Tomemos o exemplo dos carros populares. Quanto mais os financiamentos facilitam seu acesso, mais engarrafamentos sufocam as cidades. Mais trânsito significa horas perdidas entre trabalho, casa e escola. Tempo que deveria ser de descanso ou convívio transforma-se em estresse diário.

      Poluição que agrava doenças respiratórias, acidentes que lotam hospitais, ruas que viram estacionamentos.

      Nem mesmo o argumento do emprego se sustenta: o capital, ávido por redução de custos, substitui mão de obra por tecnologia, esvaziando o suposto "benefício social".

      O discurso de democratizar o acesso a bens torna-se, assim, uma armadilha populista. Para quem defende um Estado de bem-estar social, é gritante a contradição: como construir qualidade de vida incentivando um modelo que deteriora o ambiente, a saúde e o tempo das pessoas?

      Assim como o acordo do SUS com os planos de saúde, essa lógica celebra "conquistas" efêmeras que, no fundo, são cortinas de fumaça.

      Em ambos os casos, se pararmos para enxergar além do alívio imediato, podemos nos perguntar: qual o custo invisível que pagaremos amanhã?

      Este artigo teve a colaboração de Jade Silveira

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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