Moro e Frota, tudo a ver? Quando o discurso vira réu
Há algo de pedagógico nesses desfechos. A Justiça, lenta mas persistente, mostra que a impunidade da calúnia não é eterna
Dois personagens que surfaram na onda da antipolítica e da retórica do ódio voltam aos holofotes, agora como símbolos do preço da palavra irresponsável. Sérgio Moro (União-PR) e Alexandre Frota (PDT-SP), cada um a seu modo, estão diante do mesmo espelho: o da Justiça que cobra a fatura do discurso.
O STF formou maioria para manter Moro como réu por calúnia contra o ministro Gilmar Mendes. O episódio, que parecia um gracejo, nasceu em uma festa junina de 2022, quando o ex-juiz zombou dizendo que iria “comprar um habeas corpus”. O caso foi levado à Corte pela Procuradoria-Geral da República, que pediu a condenação e até a perda do mandato, caso a pena supere quatro anos.
Do outro lado, Alexandre Frota, ex-deputado e vereador por Cotia (SP), foi cassado pela Câmara Municipal após uma condenação transitada em julgado por calúnia e difamação contra o ex-deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ). A Justiça reconheceu que Frota publicou, em 2017, uma frase falsa atribuída a Wyllys, alimentando a máquina de desinformação. Resultado: dois anos e 26 dias de pena convertidos em serviços comunitários e, agora, o fim precoce do mandato.
A coincidência temporal é simbólica. Frota perdeu o cargo na sexta-feira, 3 de outubro. No sábado, 4, o Supremo consolidou a maioria contra Moro. Duas decisões separadas, mas conectadas por uma linha moral e política: a de que quem faz da calúnia um instrumento de poder, mais cedo ou mais tarde, será julgado pelo próprio eco.
Mais uma coincidência nos casos Frota e Moro: ambos cometeram as ofensas antes de se tornarem parlamentares. Um era ex-juiz que já havia levado cartão vermelho do STF por sua atuação na Lava Jato, o outro, ex-ator de filmes adultos em busca de notoriedade no debate público. Cada qual usou a visibilidade conquistada fora da política para projetar poder dentro dela, e ambos acabaram enquadrados pela Justiça pelos crimes que praticaram.
Eles emergiram na cena pública pelo caminho do confronto e da provocação. Moro, erigido à condição de herói nacional da Lava Jato, desmontou biografias em série e hoje se defende de acusações semelhantes. Frota, ex-bolsonarista convertido em “arrependido”, construiu notoriedade atacando desafetos nas redes e acabou vítima do próprio método.
Há algo de pedagógico nesses desfechos. A Justiça, lenta mas persistente, mostra que a impunidade da calúnia não é eterna, e que o microfone que amplifica também devolve o som.
Nos bastidores, o caso Moro preocupa o União Brasil. O senador, já desgastado e isolado, pode enfrentar um processo de cassação se for condenado. Dentro do partido, o nome da jornalista Cristina Graeml, correligionária, surge como alternativa para ocupar o espaço político no Paraná e disputar o governo do estado em 2026 no lugar do ex-juiz da Lava Jato.
A trajetória de Moro e Frota é, em essência, a parábola da antipolítica: ambos se elegeram criticando o “sistema”, zombando da classe política e alimentando a narrativa moralista que transformou o debate público em espetáculo de ódio. Hoje, encarnam a mesma lição que tentaram ignorar: na democracia, a palavra tem peso, e a Justiça tem memória.
A política brasileira vive um novo tempo. Um tempo em que o aplauso fácil das redes cobra juros.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.