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Cândido Vaccarezza

Dr. Cândido Vaccarezza é um médico e político formado pela Universidade Federal da Bahia e atualmente mora em São Paulo. Ele tem especializações em ginecologia e obstetrícia, saúde pública e saúde coletiva. Durante a pandemia, foi diretor do Hospital Ignácio P Gouveia, referência para o tratamento de Covid na Zona Leste de São Paulo. Como político, ele participou da luta pela democracia no Brasil na década de 1970 e foi deputado estadual e federal pelo PT. Além disso, ele também foi líder na Câmara do Governo Lula e Dilma e secretário de esporte e cultura em Mauá. Reg

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Maria Quitéria. Uma brasileira inesquecível

Maria Quitéria foi a primeira mulher a assentar praça em uma unidade militar das Forças Armadas, e a primeira combatente pelo país, no ano de 1823

Pintura de Maria Quitéria (Foto: Domenico Failutti/Domínio público)

Iniciei, com o meu artigo sobre Luiz Gama, Luiz Gama. Um brasileiro inesquecível | Brasil 247, a série sobre pessoas inesquecíveis. Neste mês de setembro, talvez o setembro, para nós brasileiros, mais agitado e tenso do século XXI, tivemos a ampliação das ameaças americanas, atos do 7 de setembro à direita defendendo a anistia e à esquerda contra a anistia, enquanto o ato oficial e as comemorações da independência do Brasil foram deixados de lado, como coisa de somenos importância. No ato da Paulista, o maior entre todos realizados no dia da Independência do Brasil, que defendia a anistia para Bolsonaro e os condenados pelo 8 de janeiro, foi estendida uma bandeira americana, dizem, que do tamanho de um campo de futebol de salão.

O Judiciário, a despeito das ameaças, concluiu o julgamento de Bolsonaro, Braga Neto, Heleno e outros. O clima no parlamento radicalizou-se ainda mais e foi aprovado na Câmara a urgência do projeto da anistia. O presidente Hugo Motta acerta ao escolher o deputado Paulo Pereira, da Força Sindical, como relator deste PL, pois Paulinho tem experiência política, grande capacidade de articulação e já avisou: “O Brasil precisa de paz” (...). Vou ouvir todas as bancadas e ouvir o que cada um quer, quem atentou contra a democracia, quem atentou contra o Estado de Direito, isso não será contemplado. Se isso vai entrar ou não em outro projeto, vai depender do que vou tratar semana que vem. Vou fazer um projeto que seja uma coisa pacífica, que possa pacificar com a Câmara e com o governo federal”.

Dito isso, vamos para o setembro da independência e para a nossa heroína, infelizmente, um pouco esquecida, Maria Quitéria de Jesus, nascida em 1792, na Vila de São José das Itapororocas, embora outros historiadores falem que foi em Serra da Agulha que, à época, fazia parte do território Feira de Santana, e alistada nas forças cachoeiranas como soldado Medeiros. Li muitos trabalhos de historiadores sobre Maria Quitéria, existem muitas controvérsias sobre sua vida até se alistar no exército. Vale a pena, para quem tiver interesse, ler Maria Graham, a inglesa que registrou a presença de Maria Quitéria no Rio e pediu a um desenhista para fazer um retrato dela para publicação do seu livro, é a única imagem que temos de Maria Quitéria.

O setembro da independência tem relação com Maria Quitéria, porque houve guerra em alguns Estados do Brasil. Na Bahia, onde a guerra foi mais complexa, envolveu o Brasil como Nação, com deslocamento de grande contingente de tropas, contratação de Lord Thomas Cochrane para a Marinha, do General Labatut para o Exército, e teve um desfecho com grande repercussão em Portugal e na Inglaterra.

É aqui que surge Maria Quitéria, filha primogênita de um português, Gonçalo Alves de Almeida, dono de uma modesta fazenda, com plantação de algodão, criação de algumas cabeças de gado e poucos escravizados. Sua mãe, Dona Quitéria Maria de Jesus, faleceu quando ela ainda era criança, pouco tempo depois seu pai perdeu a segunda esposa e existem especulações de que Maria Quitéria não convivia muito bem com a segunda madrasta.

Muitos historiadores especulam que o marco da independência poderia ser estabelecido em outras datas, como o dia do Fico, 9 de janeiro de 1822; o dia da coroação de Dom Pedro I, 1º de Dezembro de 1822; no dia da derrota final dos portugueses em 2 de Julho; ou ainda quando Portugal reconheceu a independência do Brasil, em 29 de agosto de 1825.

Eu acho que a data é mesmo 7 de setembro, às margens do Ipiranga. Veja o relato do padre Belchior, do momento emocionante da manifestação de Dom Pedro, que se deslocava de Santos para São Paulo, ao receber as cartas de José Bonifácio, Dona Leopoldina e Chamberlain, tomado de raiva, as amassa e as joga no chão, felizmente o padre as apanhou e hoje podemos ter acesso a elas. Disse Dom Pedro: “Padre Belchior, eles o querem, terão a sua conta. As cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de rapazinho e de brasileiro. Pois verão agora quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações; nada mais quero do Governo Português e proclamo o Brasil para sempre separado de Portugal!”. O Príncipe, diante da sua guarda, disse então: (...) ”laço fora, soldados! Viva a independência, a liberdade e a separação do Brasil!” (...) ”Brasileiros, a nossa divisa de hoje em diante será independência ou morte!”

Deste dia em diante houve muitas mortes para consolidar a independência.

As escaramuças na Bahia já vinham de longe, mas em fevereiro de 1822 eclodiu a guerra na Bahia para expulsar os portugueses do Estado. Em 25 junho de 22, a Câmara Municipal do Distrito de Cachoeira declara obediência a Dom Pedro e o não reconhecimento do governo português. Cachoeira, a segunda maior cidade da Bahia de então, simbolicamente, assume o papel da capital do Estado.

Tudo isso acontecia pertinho da fazenda de seu Gonçalo, que já se considerava brasileiro e não tinha um filho homem para ir para a guerra. Maria Quitéria assiste, sem participar, a uma conversa do seu pai com um emissário que procurava ajuda, de voluntários, junto aos proprietários de terras do recôncavo, para garantir a guerra da independência. Seria o fim da dominação portuguesa, da humilhação dos brasileiros e poderia levar o nosso país ao desenvolvimento. Este emissário falou também sobre as qualidades do Príncipe e do seu amor pelo Brasil. Isso tocou o coração de Maria Quitéria, talvez querendo garantir a independência do Brasil de qualquer forma e percebendo que, como mulher, não poderia participar da guerra, apesar de saber atirar bem, resolveu deixar seu namorado e sua família temporariamente, pelo bem do Brasil. Cortou o cabelo, vestiu as roupas do cunhado e, escondida, seguiu o pai, que iria negociar em Cachoeira. Lá, em outubro de 1822, alistou-se no Batalhão de Voluntários do Príncipe, o Batalhão dos Periquitos, como soldado Medeiros. A guerra já se desenrolava desde o começo do ano, ela se destacou no regimento de artilharia pela braveza e argúcia, o que levou o General Labatut a promovê-la a primeiro cadete. Mesmo antes da Guerra acabar, informam alguns que uma irmã contara ao seu pai a verdade e ele procurou o Batalhão para esclarecer a situação da sua filha. As normas brasileiras no período do império não permitiam o alistamento de mulheres, mas no caso da guerra da Bahia Maria Quitéria era indispensável.

Que história ímpar e espetacular! É emocionante! Vencemos a guerra em 2 de julho de 1823.

Maria Quitéria vai ao Rio de Janeiro para ser condecorada por Dom Pedro I com a Imperial Ordem do Cruzeiro, recebeu também soldo vitalício de Alferes e se encontrou com diversas personalidades da capital do Brasil.

Maria Graham escreve em seu diário: “Ela é iletrada, mas inteligente. Sua compreensão é rápida e sua percepção aguda. Penso que, com educação, ela poderia ser uma pessoa notável. Não é particularmente masculina na aparência; seus modos são delicados e alegres. Não contraiu nada de rude ou vulgar na vida do campo e creio que nenhuma imputação se consubstanciou contra sua modéstia. Uma coisa é certa: seu sexo nunca foi sabido até que seu pai requereu a seu oficial comandante que a procurasse”.

Maria Quitéria retornou para Bahia, casou-se com um lavrador chamado Gabriel Pereira de Brito, com quem teve uma filha, Luiza Maria da Conceição. Com a morte de seu pai teve problemas para receber a herança que lhe cabia, se separou de Gabriel e se mudou para Salvador com sua filha. Viveu no anonimato, faleceu aos 61 anos, em 1853.

Maria Quitéria é patronesse do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro desde 1996 e, em 2018, passou a integrar o Livro dos Herois e Heroínas da Pátria.

Maria Quitéria, um exemplo para todos nós, uma brasileira inesquecível!

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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