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Ronaldo Lima Lins

Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ

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Malafaia sem lenço e sem documento

"Ele se sentiu nu. Dava a impressão de querer esconder as suas vergonhas, antes de se revoltar e se declarar acima da Lei"

Malafaia sem lenço e sem documento

Pegaram Malafaia!... O que parecia impossível: que nada ou ninguém jamais chegaria perto dele para o calar, aconteceu. De volta de uma viagem a Portugal, desembarcando no Aeroporto do Galeão, eis que o surpreenderam agentes da Polícia Federal, com a incumbência de confiscar seu passaporte e mais o celular. O mundo caiu! Nem o mais irreverente dos seus seguidores imaginaria uma ousadia de tamanhas proporções. Até então todos o consideravam intocável, capaz de afrontar o Supremo, sem consequências. Podia discursar diante de multidões, defender Bolsonaro, conspirar a seu favor, cometer impropérios, vômitos e palavrões – e continuaria impune, protegido pelos muros invisíveis da Igreja. 

Ele se sentiu nu. Dava a impressão de querer esconder as suas vergonhas, antes de se revoltar e se declarar acima da Lei. Ainda engasgando, para os que o aplaudiam à chegada, agora como cidadão comum, prometeu ainda fazer e acontecer para que o respeitassem, isto é, que prosseguisse protegido por sua suposta imunidade. Alguém lhe deveria ter segregado nos ouvidos, entre uma pregação e outra, que no Brasil vivemos num Estado laico. Desde a Revolução Francesa, as nações modernas separaram religião, por um lado, e política, por outro. Misturar as duas, como vinha fazendo, só criaria problemas. Os três poderes, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário sabem disso. Cada um com as suas convicções, relaciona-se com Deus (ou não se relaciona) a seu bel-prazer – e o faz nos templos, não em praça pública. Por isso, enganou-se André Mendonça, o “terrivelmente evangélico”, temendo resultados catastróficos com as medidas cautelares tomadas contra o religioso por Alexandre de Moraes. Os que vestem toga com zelo e noção de responsabilidade estão conscientes de que abusos devem ser contidos ou transbordaremos no caos. Bolsonaro, detido em prisão domiciliar, aprende a lição a duras penas. O militante da extrema direita que se habituou a afrontar a legislação e o poder, colocando-se acima deles, verifica aos poucos que não, que tem de prestar contas. Na Assembleia Nacional da República francesa que se inaugurava, a maioria dos parlamentares conhecia e odiava a educação religiosa. Não demonstrava gratidão por seus efeitos deletérios. Ao contrário. Desenhava uma população livre de amarras e preconceitos para uma verdadeira emancipação da humanidade. Entre eles, não havia saudosistas, apenas sonhadores. E estes previam o que os carolas, desprovidos de contenção, eram capazes de proceder com os seus fiéis ingênuos e desamparados.  Quando expõe as ideias, Malafaia solta os cachorros. Não tem papas na língua. Dir-se-ia que compõe com o Diabo, mais do que com Deus, na medida em que, entre os cristãos, Jesus constitui sinônimo de bondade e boa vontade, nunca de rancor, como transparece nas defesas e ataques que realiza em favor da extrema direita. Pode ser que, doravante, sem as roupas com que costumava se vestir, descubra qualidades que não exibia. Trata-se de uma circunstância em que, parodiando Nelson Rodrigues (e lhe invertendo a máxima), quem sabe a nudez será premiada.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.