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      Ivan Rios

      Sindicalista, historiador, crítico de cinema, escritor, membro do Comitê Baiano de Solidariedade ao Povo da Palestina, graduando em Direito, militante dos Movimentos de Promoção, Inclusão e Difusão Cultural no Estado da Bahia

      56 artigos

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      Maçonaria, verdade e justiça: um chamado à luz em tempos obscuros de fake news e pós-verdade

      A Maçonaria sempre foi alvo de teorias conspiratórias que buscavam deslegitimá-la

      Esquadro e Compasso, símbolo da Maçonaria (Foto: Gerada por IA/DALL-E)

      Desde sua consolidação como força intelectual e filosófica, a Maçonaria tem sido guardiã do discernimento, da integridade moral e da liberdade de pensamento, pelo menos em teoria, como veremos neste artigo. Sob os princípios do esquadro e do compasso, estabeleceu um vínculo indissociável entre reflexão e ação, promovendo o raciocínio independente como alicerce de uma sociedade mais justa e equilibrada, ou, em seus próprios termos, "justa e perfeita".

      Entretanto, vivemos uma era marcada pela manipulação sistemática da informação, pela distorção deliberada dos fatos e pelo enfraquecimento da objetividade. O fenômeno da pós-verdade, em que percepções subjetivas se sobrepõem à realidade verificável, ameaça os pilares do pensamento racional e compromete os mecanismos democráticos.

      A manipulação da realidade não é um mero efeito colateral da era digital, mas uma estratégia sofisticada de controle coletivo. A disseminação coordenada de distorções, frequentemente utilizada para sustentar interesses autoritários, enfraquece a autonomia do pensamento, desestabiliza laços sociais e compromete instituições fundamentais na resistência à irracionalidade.

      Setores ultraconservadores têm transformado a desinformação em uma ferramenta central na disputa pelo controle narrativo, atacando a lógica argumentativa e minando conquistas civilizatórias que garantiram direitos fundamentais. Diante desse cenário, a Maçonaria não pode se omitir. Abster-se desse embate seria abdicar de sua própria razão de existir.

      A Maçonaria e as Teorias Conspiratórias

      A Maçonaria sempre foi alvo de teorias conspiratórias que buscavam deslegitimá-la, retratando-a como uma sociedade secreta envolvida em rituais obscuros e planos de dominação mundial. Acusações variam desde supostas alianças com os Illuminati até conspirações sobre controle populacional, como o caso dos caixões da FEMA. Entretanto, essas narrativas não surgem apenas de paranoia coletiva; são ferramentas políticas utilizadas por setores reacionários para minar estruturas que valorizam a racionalidade, o pensamento crítico e a emancipação intelectual.

      Por muito tempo, essas ideias permaneceram no campo dos rumores e especulações, sustentadas pelo desconhecimento e pelo medo do que não é compreendido. No entanto, com a ascensão das redes sociais e a fragilização da credibilidade das instituições científicas e educacionais, essas falácias ganharam força, tornando-se parte de uma cultura de desinformação que influencia discursos de massa e decisões políticas.

      O perigo não está apenas na proliferação dessas falsas alegações, mas na forma como são organizadas para desestabilizar iniciativas que promovem a razão e o progresso coletivo. Como entidade historicamente ligada ao pensamento iluminista e às revoluções progressistas, a Maçonaria se torna um alvo natural para forças que buscam o retrocesso ideológico e a perpetuação da submissão e da obediência irracional. Assim, símbolos e rituais maçônicos são deliberadamente distorcidos, inseridos em um imaginário conspiratório que os associa a agendas obscuras e demoníacas.

      O grande paradoxo desse ataque sistemático é que a Maçonaria se fundamenta na liberdade de pensamento e na busca pela verdade. Em um mundo onde a pós-verdade se tornou instrumento de controle, abrir mão desses princípios significa sucumbir à lógica da manipulação e da opressão.

      O problema se agrava quando essas distorções não apenas vêm de fora, mas começam a ganhar força dentro dos próprios templos maçônicos, gerando uma crise interna de identidade. A propagação dessas narrativas não apenas desacredita a Ordem perante o público externo, mas também faz com que seus próprios membros questionem a legitimidade de seu legado histórico, levando à dissonância cognitiva.

      Como explica o professor João Cezar de Castro Rocha em Bolsonarismo: Da guerra cultural ao terrorismo doméstico – Retórica do ódio e dissonância cognitiva coletiva (2023), a dissonância cognitiva ocorre quando indivíduos são confrontados com informações que contradizem suas crenças prévias, gerando desconforto psicológico. No contexto maçônico, isso demonstra o impacto da desinformação na percepção de seus próprios valores e princípios.

      A infiltração de ideologias pseudointelectuais e nacionalismos exacerbados no discurso coletivo enfraquece os fundamentos filosóficos da Maçonaria e ameaça sua função como guardiã da razão e da justiça social. Quando grupos que se dizem defensores da liberdade propagam desinformação, ocorre uma inversão do conceito de emancipação, perpetuando um ciclo de submissão ao medo e à ignorância.

      Esse risco não se limita ao ambiente externo; compromete a própria integridade da Ordem, desviando sua missão e transformando-a em um instrumento de legitimação do status quo. Nesse cenário, a Maçonaria deixa de ser apenas alvo de teorias conspiratórias e passa, consciente ou não, a reproduzi-las.

      O enfrentamento desse problema exige mais do que resistência às narrativas conspiratórias—impõe uma autoavaliação profunda do papel da Ordem no mundo atual. Somente reafirmando seus valores e promovendo um compromisso ativo com o pensamento crítico será possível impedir que a Maçonaria seja corrompida pelo mesmo sistema que busca desvirtuá-la.

      A Crise Ética na Maçonaria Brasileira

      Nos últimos anos, parte da Maçonaria brasileira sucumbiu à era da desinformação, evidenciando a perda de discernimento e compromisso com seus próprios princípios filosóficos. Influenciada por discursos manipuladores disfarçados de patriotismo e contaminada por retóricas intelectualmente desonestas, a Ordem foi arrastada para um vórtice de irracionalidade. Muitos de seus membros, consciente ou inconscientemente, tornaram-se agentes de um projeto de regressão social.

      A participação direta ou indireta no colapso institucional de 2016, o endosso à destruição do tecido econômico e jurídico do país e o apoio ao avanço do bolsonarismo são reflexos dessa deterioração. Mais alarmante ainda, doutrinas pseudocientíficas e negacionistas encontraram espaço dentro dos próprios templos, normalizando discursos anticientíficos, revisionistas e conspiratórios.

      A inércia diante desse cenário não é mera omissão, mas rendição à irracionalidade. Enquanto a Maçonaria internacional se posiciona pela justiça e dignidade humana, setores expressivos da Ordem no Brasil optam pelo imobilismo ou pela adesão a pautas que contradizem sua essência. A tolerância à propagação de mitos e discursos anticientíficos não apenas expõe uma falha moral, mas alinha a instituição com forças que historicamente combateram a razão e a emancipação intelectual.

      Diante desse quadro, a neutralidade não é apenas conivência: é abdicação de seu propósito iniciático. A Maçonaria, que já foi um bastião do esclarecimento e do progresso, precisa urgentemente reencontrar sua missão fundamental. O combate às distorções deve começar dentro dos próprios templos, reafirmando seus valores para impedir sua degeneração definitiva.

      O Paradoxo da Tolerância e a Maçonaria (o perigo do que se diz “cidadão de bem”)

      O Paradoxo da Tolerância, formulado por Karl Popper, estabelece um princípio inegociável para a preservação da liberdade: se toleramos o intolerante sem resistência, ele destruirá a própria tolerância, sufocando o diálogo e impondo seu autoritarismo. A Maçonaria, historicamente comprometida com a razão e o progresso humano, não pode cair na armadilha de acolher discursos que minam seus próprios valores.

      Nos templos, é comum que alguns adentrem as colunas com o lema "Deus, Pátria e Família", reivindicando para si a posição de "Cidadão de Bem". Contudo, muitos desses indivíduos defendem tortura, justificam preconceitos e tratam minorias com intolerância, perpetuando a lógica da opressão enquanto se dizem guardiões da moralidade. Sob o pretexto de combater o "mi-mi-mi", eles banalizam a luta por direitos, reproduzem ideologias racistas e sexistas, e carregam o estereótipo do Red Pill, mascarando misoginia e ressentimento sob um falso discurso de fortalecimento masculino.
      O paradoxo se torna ainda mais evidente quando esses mesmos indivíduos, que desprezam a democracia e os direitos humanos, tachando-os como "coisa de vagabundo", recorrem a eles quando se veem em situações adversas (ou na verdade, confrontado com a verdadeira justiça). Basta que sejam presos por atos antidemocráticos para que, subitamente, clamem por garantias legais, processos justos e os direitos que antes ridicularizavam. Na Maçonaria, não se pode aceitar que esse tipo de hipocrisia se normalize, pois sua simples presença distorce os princípios essenciais da Ordem.

      A Maçonaria não pode tolerar a intolerância. Ser tolerante não significa permitir discursos que defendem o ódio, a discriminação ou o autoritarismo, mas sim reafirmar que a liberdade não pode ser usada como desculpa para destruir a própria liberdade. 

      Esse é o princípio básico da justiça maçônica: ninguém está acima dos valores da Ordem, e nenhum discurso de falsa moralidade pode se sobrepor à razão, à fraternidade e à dignidade humana.

      A Tradição da Coragem Moral

      A Maçonaria sempre se posicionou contra a opressão. Ao longo da história, seus membros desafiaram o status quo, lutaram contra a escravidão, defenderam a independência de nações e promoveram o saber como ferramenta de libertação. Hoje, o desafio se dá no campo da informação. Se antes os inimigos da luz estavam nos tribunais inquisitoriais e nos tronos absolutistas, hoje se escondem nos algoritmos, nas fake news, nos discursos extremistas e nas plataformas que lucram com a mentira.

      O combate à manipulação passa por três pilares essenciais: educação, denúncia e ação ética. É preciso fomentar o pensamento crítico, ensinar a distinguir fatos de opiniões manipuladas e desmascarar publicamente farsas propagadas contra a Ordem e contra todas as instituições que defendem a razão. Além disso, a Maçonaria deve ser exemplo de transparência e reafirmar seus valores perante a sociedade.

      A pós-verdade não é apenas um fenômeno, mas uma estratégia para desacreditar saberes que não se curvam a dogmas ideológicos. Quando a sociedade perde a capacidade de diferenciar realidade e manipulação, abre-se espaço para o autoritarismo, o fanatismo e o medo. Por isso, a Maçonaria não pode apenas se defender: deve ser parte ativa na reconstrução da confiança pública na razão, na ciência e na justiça.

      O Combate Maçônico à Desinformação

      A luta contra a desinformação exige integridade e clareza. A Maçonaria, embora preze pela discrição, não pode confundir essa virtude com passividade. O que está em jogo não é sua reputação, mas o futuro da convivência democrática e racional.

      O enfrentamento da pós-verdade requer diálogo, produção intelectual, engajamento com a juventude e atuação comunitária. A Maçonaria deve estimular a pesquisa e a solidariedade ativa, além de estabelecer parcerias com universidades, centros de mídia independente e instituições educacionais para fortalecer o conhecimento e a resistência contra a ignorância organizada.

      Também é fundamental expor com serenidade e firmeza a origem das acusações lançadas contra a Ordem. As teorias conspiratórias não surgem do nada: são ferramentas do medo e do autoritarismo, criadas para justificar projetos antidemocráticos. O combate a essas narrativas exige estratégia, paciência e coragem moral.

      Retomando o Papel de Farol da Liberdade

      Ao longo da história, maçons foram perseguidos por regimes fascistas e totalitários não por conspirarem, mas por representarem um ideal de humanidade baseado em liberdade, justiça e fraternidade. Essa memória precisa ser resgatada para que a Maçonaria compreenda a dimensão do desafio atual: garantir que esses valores permaneçam vivos.

      O combate à desinformação não é uma batalha passageira, mas um desafio existencial. Se a Maçonaria se pretende guardiã da luz, não pode hesitar em se posicionar. Não para disputar poder partidário, mas para defender os princípios que sustentam qualquer sociedade justa: o direito ao saber, à liberdade de pensamento e ao respeito à dignidade humana.

      É hora de convocar os Irmãos à lucidez. A Maçonaria precisa reaprender a se comunicar com o mundo, com clareza e compromisso com a efetiva transformação social. As “pedras brutas” do desafio atual não estão apenas no templo simbólico, mas nos muros da desinformação e nas trincheiras da mentira. Cada loja, cada irmão, cada ação deve ser uma chama acesa contra essa escuridão.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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