Lula diante da prepotência de Trump
Trump aposta na intimidação. Lula pode responder com pragmatismo
O editorial publicado pelo China Daily em 20 de setembro destaca o peso da diplomacia de cúpula entre Xi Jinping e Donald Trump para reorientar a relação entre as duas maiores potências do planeta no pós-tarifaço que se seguiu à posse do presidente estadunidense para um segundo mandato. O tom foi claro: pragmático, positivo e construtivo. Xi não se intimidou: reafirmou os interesses estratégicos da China, mas aproveitou a ligação para transformar tensão em negociação.
A ligação entre Xi Jinping e Donald Trump, ocorrida em 19 de setembro, foi parte de um esforço para estabilizar as relações sino-americanas após meses de tensão comercial, sanções tecnológicas e retórica de confronto. As equipes de ambos os países haviam retomado consultas em alto nível, e o telefonema teve o objetivo de dar sinal político de que a relação poderia ser reorientada para um caminho mais previsível.
Xi aproveitou a ocasião para defender que os dois lados usem ao máximo o mecanismo de consultas para resolver questões pendentes e buscar resultados de benefício mútuo, advertindo que Washington deveria evitar novas medidas comerciais unilaterais que comprometessem os avanços obtidos. Trump, por sua vez, respondeu de forma positiva, dizendo-se disposto a manter uma relação de longo prazo e trabalhar com a China para promover cooperação econômica e preservar a paz mundial — um raro momento de convergência entre os dois líderes.
Esse exemplo chega em boa hora para o Brasil. Em seu discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) na terça-feira (23), Donald Trump mostrou o pior e o melhor de si: agressividade, desprezo pelas regras multilaterais, negação climática, e, ao mesmo tempo, um raro momento de atenção para o Brasil.
Trump atacou a agenda verde, chamando a transição energética de “golpe contra o Ocidente”, conclamou os países a voltarem ao carvão e ao petróleo e ridicularizou a ONU. Mas, em meio à retórica incendiária, reservou algumas linhas ao Brasil:
“I’m very sorry to say this, that Brazil is doing poorly and will continue to do poorly. They can only do well when they’re working with us. Without us, they will fail just as others have failed.”
(“Lamento dizer isto: o Brasil vai mal e continuará indo mal. Só poderá ir bem quando trabalhar conosco. Sem nós, fracassará como outros fracassaram.”)
Em seguida, suavizou e antecipou uma futura conversa, provavelmente por telefone, ao dizer que só negocia com quem ele gosta e que “pelo menos por cerca de 39 segundos tivemos excelente química” (“At least for about 39 seconds we had excellent chemistry”).
O presidente estadunidense referia-se ao breve encontro com Lula nos bastidores. Ao se encaminhar para fazer o seu discurso trombou com o presidente brasileiro que havia aberto a Assembleia da ONU, como de costume. Essas observações foram entendidas como o aceno a Lula para uma futura conversa uma vez que Trump deixou claro que só conversa com quem ele gosta.
O Brasil abre a Assembleia Geral da ONU por tradição diplomática, não por regra formal. Isso acontece desde 1947, quando o Brasil era visto como um país neutro, respeitado por diferentes blocos, e foi escolhido para fazer o discurso de abertura da sessão. Na época, os Estados Unidos e a União Soviética, já mergulhando na Guerra Fria, preferiram não disputar esse lugar, e o Brasil aceitou a tarefa. Desde então, todos os anos, o primeiro discurso do debate geral é brasileiro. É uma oportunidade única de projetar a política externa do país para o mundo. O discurso de 1947 foi proferido pelo chanceler Oswaldo Aranha (presidente da sessão inaugural em 1947). Atualmente falam os presidentes.
Xi e o uso pragmático da diplomacia
O contraste com a recente conversa entre Xi Jinping e o mesmo Trump não poderia ser mais instrutivo. Em telefonema no dia 19 de setembro, Xi recordou que China e Estados Unidos foram aliados na Segunda Guerra Mundial. O gesto não era retórico: evocava a possibilidade de recuperar a cooperação mesmo em tempos de rivalidade.
Como sublinhou o editorial do China Daily a conversa foi de fato “pragmática, positiva e construtiva”. Xi reafirmou posições inegociáveis — como a defesa das empresas chinesas no caso TikTok —, mas insistiu em transformar tensão em diálogo. Propôs consultas regulares para “endereçar adequadamente questões pendentes e buscar resultados de ganha-ganha”.
Essa lição é valiosa para Lula. Trump deixou claro que vê o Brasil como um país “condenado ao fracasso” sem o apoio de Washington. Mas também abriu uma janela ao afirmar ter “boa química” pessoal com o presidente brasileiro. O desafio é usar essa brecha com o mesmo pragmatismo que Xi demonstrou: firmeza em princípios, mas disposição para sentar-se à mesa e inverter a lógica.
O caminho realista para Lula
O Brasil é vítima das absurdas tarifas de 50% sobre uma série de produtos que exporta para os Estados Unidos que causam prejuízos a inúmeros setores e de forma especial sobre carne bovina, frutas tropicais, café e madeira. Produtos que afetam também o consumo dos americanos.
É necessário que o Brasil entre em um acordo de forma a resolver esse conflito. Parte do problema está ligado à amizade de Trump com a família Bolsonaro. O ex-presidente Jair Bolsonaro foi condenado a 27 ano e três meses de cadeia e seu filho Eduardo Bolsonaro correu para os Estados Unidos para fofocar nos ouvidos de Trump. Trump aplicou sanções diversas como suspensão de visto de entrada nos Estados Unidos de membros do governo brasileiro e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e suas famílias.
Em 30 de julho anunciou a aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes do STF e recentemente estendeu a medida para sua esposa. A lei é usada para punir estrangeiros acusados de violações graves de direitos humanos, o que obviamente não se aplica ao ministro e sua esposa. Mas Trump é extremamente volátil. Quando não amarela troca de posição rapidinho. Flertou com Putin, presidente da Rússia, mas a lua de mel parece que acabou. Com Xi, ainda não se atreveu a enfrentar pessoalmente. Sabe com quem está lidando. Não parece gostar de “puxa-sacos”. Respeita os que lhe enfrentam.
Não trata de forma igual todas as pessoas. Submeteu a humilhações seu aliado da Ucrânia, Volodymyr Zelensky e tentou intimidar o presidente da África do Sul, Matamela Cyril Ramaphosa, em reuniões no Salão Oval da Casa Branca.
A pior armadilha seria Lula acreditar que pode “educar” Trump para o multilateralismo ou para a agenda verde. Trump deixou claro que não quer ouvir falar de clima, ONU ou cooperação energética. A diplomacia brasileira precisa, portanto, ser mais pragmática e direta: o objetivo é defender os interesses nacionais, evitar que as tarifas prejudiquem setores estratégicos e, ao mesmo tempo, impedir que o Brasil seja usado como peão na disputa entre EUA e China.
Lula deve citar publicamente a frase de Trump — “Brazil is doing poorly” — para mostrar que entendeu a mensagem, mas não a aceita. Ao mesmo tempo, precisa transformar esse insulto em combustível político: “O Brasil não depende de ordens de Washington para prosperar. Depende de sua própria gente e de suas próprias escolhas.”
Trump não respeita narrativas morais — respeita poder econômico. A prioridade de Lula deve ser as tarifas: aço, alumínio, etanol, produtos agrícolas. Uma conversa telefônica pode ser usada para abrir negociação dura: “querem previsibilidade no fornecimento de alimentos e minerais estratégicos? Então retirem as tarifas.”
A frase sobre os “39 segundos de excelente química” pode ser explorada como oportunidade: “se temos química, vamos transformá-la em resultado concreto”. Lula não precisa pedir favor — pode exigir reciprocidade. Ou seja: usar a “química” como alavanca, não como capitulação.
Se Trump não ceder, Lula pode levar o tema ao G20 e fortalecer alianças com outros países do Sul Global que também sofrem sanções unilaterais. Quanto mais isolada ficar a posição dos EUA, maior será a pressão interna de setores americanos dependentes do mercado brasileiro.
Hoje, em Nova York, Lula participou de reunião de alto nível durante sua estada na Assembleia Geral da ONU, confirmando que não está ali só para discurso simbólico, mas para atuar como protagonista diplomático. Ao anunciar um aporte de US$ 1 bilhão ao novo fundo multilateral para preservação das florestas tropicais — o Tropical Forests Forever Facility — o Brasil se torna o primeiro país a formalizar compromisso com o instrumento em torno do qual espera galvanizar outras nações para ações concretas no Sul Global. Essa iniciativa, feita no epicentro do debate global, reforça que Lula busca liderança não como retórica vazia, mas por meio de gestos diplomáticos que dão substância à credibilidade internacional brasileira.
Resistência pragmática
A lição da diplomacia Xi–Trump é que resistir não é romper. A China não desistiu de defender suas empresas, mas abriu um canal de negociação. Lula precisa fazer o mesmo: mostrar altivez, deixar claro que o Brasil não será subalterno e usar a conversa com Trump para arrancar compromissos concretos.
Trump aposta na intimidação. Lula pode responder com pragmatismo. Se conseguir transformar um discurso hostil em um marco de reposicionamento do Brasil, poderá sair dessa crise com mais força política, mais respeito internacional e, quem sabe, com tarifas revistas.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.