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Elisabeth Lopes

Advogada, especializada em Direito do Trabalho, pedagoga e Doutora em Educação

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Lula conquista vitória histórica: impostos mais justos no Brasil

Historicamente, diversos segmentos têm se colocado contra qualquer avanço em direção à justiça tributária

Luiz Inácio Lula da Silva e a Câmara dos Deputados (Foto: Zeca Ribeiro / Agência Câmara I Ricardo Stuckert / PR)

As discussões em torno do Projeto de Lei 1087/2025, de autoria do governo Lula, na Câmara dos Deputados, me remeteram a uma entrevista que assisti na TV 247 com o renomado cientista social Noam Chomsky. Na ocasião, ele afirmou: “O Brasil é uma espécie de caso especial. Raramente vi um país onde elementos da elite têm tanto desprezo e ódio pelos pobres e pelo povo trabalhador. É enraizado. Não pretendo saber muito sobre isso, mas pela minha limitada experiência, foi isso que vi”. Essa observação nos ajuda a compreender a resistência histórica a qualquer avanço em direção à justiça tributária no Brasil. 

O que se viu nesta semana na Câmara de deputados foi mais uma prova dessa realidade. O cenário confirma que o ódio de classe identificado por Chomsky não é apenas uma percepção teórica, mas uma prática política concreta. Ele se manifesta tanto nas manobras da extrema direita e do Centrão, que tentaram inviabilizar o projeto de isenção de imposto para os menos aquinhoados, quanto no discurso distorcido de seus parlamentares, que insistem em tachar medidas de redistribuição de renda como “eleitoreiras” ou prejudiciais aos setores produtivos. Entretanto, apesar dos obstáculos, a aprovação do projeto representa uma vitória significativa em que milhões de trabalhadores terão alívio na tributação, enquanto uma pequena minoria de milionários passará, ainda que modestamente, a contribuir mais. 

Em um país marcado pela desigualdade e pela captura do Estado por elites resistentes a qualquer mudança, essa conquista assume valor histórico do atual governo e reafirma que a luta pela justiça social pode avançar quando o executivo, mobilização popular e pressão social se articulam em torno de um mesmo objetivo.

A proposta, pautada no limite do prazo para sua validação em 2026, estabelece isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil mensais e redução da alíquota para rendas de até R$ 7.350. Para equilibrar as contas, a medida prevê compensação pela taxação de contribuintes com renda anual superior a R$ 600 mil. Agora seguirá para análise no Senado. Esse PL beneficiará cerca 15 milhões de brasileiros, em contrapartida apenas 141 mil milionários, o equivalente a 0.06% da população passará a contribuir um pouco mais, ainda que em um patamar aquém do ideal. 

Essa vitória do governo é o princípio de uma justiça social incipiente, mas arrojada e inédita perante um Congresso repleto de parlamentares que legisla contra o povo, em favor de seus próprios interesses e das bancadas poderosas economicamente que representam. 

A demora na aprovação desse projeto voltado a aliviar a carga tributária das camadas de menor renda e a reduzir o peso dos impostos sobre outra parcela expressiva da população, não é fruto do acaso, tem responsáveis políticos bem identificados. Embora Arthur Lira (PP-AL), relator da proposta, tenha demonstrado uma disposição calculada para conduzi-la, o projeto permaneceu paralisado desde março. 

Esse bloqueio contrasta com a celeridade dedicada a pautas regressivas e de caráter nitidamente antidemocrático, impulsionadas pelo Centrão e pela extrema direita. Exemplo emblemático foi a chamada PEC da Blindagem, cuja essência imoral e antiética expôs a prioridade de autoproteção de parlamentares em detrimento do interesse público. Essa tentativa de autoproteção indecente foi enterrada em 21 de setembro pela força da mobilização popular, quando o povo sufocado pela ousadia de parlamentares indignos tomou as ruas e avenidas do país em protesto.

A resistência ao avanço de medidas progressistas não é esporádica, parte de uma lógica estrutural do país como nos indicou Chomsky. Historicamente, diversos segmentos têm se colocado contra qualquer avanço em direção à justiça tributária. Essa inércia não é pontual, mas sistemática, e se enraíza nas ideologias reacionárias que dão sustentação tanto à extrema direita, quanto à direita fisiológica, vulgo Centrão. Ambas atuam como guardiãs dos interesses corporativos, funcionando como porta-vozes não apenas das bancadas comprometidas com privilégios, mas também da própria elite financeira que, há décadas, se beneficia de um sistema fiscal regressivo e profundamente desigual. Trata-se da defesa de privilégios de uma minoria que sempre usufruiu de um sistema regressivo, em que os mais pobres pagam proporcionalmente mais impostos do que os mais ricos. Não por acaso, os discursos oposicionistas tentaram deslegitimar o projeto da isenção. A estratégia é conhecida: distorcer a finalidade de medidas sociais para ocultar que iniciativas semelhantes em outros países já demonstraram eficácia no combate à desigualdade e no fortalecimento econômico. 

Essa lógica distorciva apareceu nas emendas apresentadas ao projeto. Das centenas sugeridas, sobretudo pelo Partido Liberal, apenas três foram aceitas, preservando o núcleo progressivo da proposta: isenção de lucros e dividendos até 2028 relativos a resultados apurados até o ano-calendário de 2025; repasses obrigatórios incidentes sobre emolumentos não entrarão na base de cálculo da tributação mínima do imposto de renda; serão considerados impostos pagos as bolsas concedidas pelo Programa ProUni, para fins de cálculo da alíquota efetiva das pessoas jurídicas. 

A maioria das emendas, portanto, tinha como objetivo enfraquecer a progressividade da tributação, seja ampliando isenções, seja reduzindo a carga mínima dos milionários. Tentativas como a do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), apoiado por aliados como Nikolas Ferreira, Bia Kicis, Julia Zanatta, Caroline de Toni e Zucco, buscaram descaracterizar o projeto em benefício dos setores empresariais que financiam suas campanhas. Estes parlamentares continuarão a enganar aqueles que pouco compreendem a lógica da tributação, distorcendo a finalidade dos projetos sociais por meio de discursos que invertem a realidade.

Diante dessas ignomínias contumazes de parlamentares eleitos na carona da intensa toxicidade bolsonarista e das reiteradas estratégias de chantagem política do Centrão, torna-se evidente a dificuldade estrutural de um governo progressista em avançar com medidas de justiça social. 

Nesse contexto adverso, a aprovação de uma promessa central de campanha do governo Lula revela não apenas a eficácia da articulação governista junto ao Congresso, mas também a capacidade de operar em meio a uma correlação de forças desfavorável. Por outro lado, a conjuntura de desgaste institucional da Câmara, somada ao clamor popular e à necessidade de autopreservação eleitoral dos parlamentares, compôs um ambiente de sucumbência da oposição.

Assim, mais do que uma vitória circunstancial, a aprovação do PL 1087/2025 afirma a justiça distributiva como pauta incontornável na agenda nacional. Representa o fortalecimento da democracia, a reafirmação da soberania popular sobre os privilégios da elite e um passo concreto na direção de um país menos desigual. O caminho é difícil, mas a vitória do povo brasileiro mostra que a história ainda pode ser escrita em favor da maioria.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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