Investigar Silas Malafaia é perseguição religiosa?
Líderes religiosos não podem se esconder atrás da fé para escapar da Justiça
Será Silas Malafaia um perseguido religioso, vítima de intolerância por ser pastor, como ele tem vociferado nas redes sociais? Ou trata-se de um cidadão brasileiro investigado por burlar decisões da Justiça e atuar em um esquema criminoso de conspiração e de supressão da democracia?
Falo como um homem de fé religiosa, profundamente comprometido com os princípios do Evangelho, que prega o amor ao próximo e abraça os mais necessitados, que defende a justiça, a paz, a compaixão e o amor. Sou católico, franciscano, defensor dos Direitos Humanos, incluindo o direito à liberdade religiosa ou à não-religião.
Hoje, estou profundamente preocupado com a distorção das palavras do Cristo ao qual me consagrei.
Que cristão atira em um trabalhador, mata um irmão e vai para a academia de ginástica malhar? Que cristão defende que pessoas em situação de rua sejam rebocadas como carros defeituosos? Que cristão apoia milícias e traficantes em nome de Cristo? Que cristão integra um projeto político de dominação e exclusão, alimentado pelo racismo, pela aporofobia, pelo preconceito, pelo machismo, pela misoginia e por todos os vieses de intolerância?
As religiões, e cada religião em si, como toda a sociedade, abrigam inúmeras correntes de pensamento, incluindo as ultraconservadoras, intolerantes e negacionistas. Muitas dessas correntes se apropriam do nome de Deus para espalhar a submissão e anular o pensamento crítico dos fiéis; para dominar o outro e garantir a sua própria prosperidade, inclusive material. Agora, reivindicam também imunidade e impunidade eternas. Isso não tem qualquer fundamento.
Reflitam: de 2016 a 2019, foram registradas 167 denúncias de violência sexual cometidas por lideranças religiosas contra fiéis. Deveriam ficar impunes? Não! Um deles foi condenado a 45 anos de detenção por valer-se de autoridade espiritual para abusar de quatro mulheres em situação de vulnerabilidade emocional e psicológica. A lei prevaleceu.
Silas Malafaia não está sendo perseguido por sua atuação religiosa, por suas orações ou pregações. Está sendo investigado por participação em possíveis crimes de coação e obstrução da Justiça, em processos que envolvem organização criminosa acusada de tentar a abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Os indícios que sustentam a investigação foram encontrados no pen drive que Jair Bolsonaro tentou esconder da Polícia Federal. Nele, foram registradas trocas de mensagens que nada tinham a ver com a fé e a religião. Em algumas delas, inclusive de áudio, Malafaia usa linguajar chulo e debochado, comemora sanções contra o país e beira o obsceno. Não há qualquer relação com orientações espirituais. Ele se comporta como mentor e linha de frente de uma conspiração contra a Justiça e contra o Brasil.
Agora, em tom apocalíptico e descontrolado, Malafaia subverte a realidade e tenta usar a religião como escudo, para se colocar acima de tudo e de todos. Em vez de postar-se como um servo de Deus, usa Deus como um servo dos projetos pessoais de Bolsonaro.
Isso é inadmissível.
Toda atividade carrega responsabilidades. Para um líder religioso, essa responsabilidade é ainda maior, porque tem a missão de levar a palavra de Deus para centenas, milhares e até milhões de pessoas, que confiam e seguem o que diz.
Por isso, pode e deve ser investigado. Se comprovado, que seja julgado dentro dos princípios legais que regem o país.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.