Honestino: o filme, a memória, o grito de Ditadura nunca mais
O filme estreia em um Brasil que ainda convive com os fantasmas da ditadura. E não por acaso
O filme Honestino, que estreia em 9 de outubro no Festival Rio 2025, resgata a história de Honestino Guimarães, jovem estudante sequestrado, torturado e assassinado pela ditadura militar em 1973. Sua vida é símbolo de uma geração que sofreu os horrores da fase mais sangrenta da ditadura militar que durou 21 anos.
No próximo 9 de outubro, estreia no Festival de Cinema do Rio de Janeiro o filme Honestino. Mais do que uma obra artística, é um ato político de memória e resistência. A história de Honestino Guimarães, presidente da UNE, sequestrado aos 25 anos e jamais devolvido à família, expõe a face mais sombria da ditadura militar. Sua ausência não é apenas biográfica — é uma cicatriz coletiva. Honestino faz parte da lista dos 434 mortos e desaparecidos políticos reconhecidos pela Comissão Nacional da Verdade. Em sua esmagadora maioria, eram jovens de pouco mais de 20 anos, arrancados da vida por ousarem sonhar com democracia, justiça social e soberania nacional.
Honestino Monteiro Guimarães nasceu em Itaberaí (GO), em 1947, e mudou-se com a família para Brasília ainda adolescente, quando a capital era um canteiro de obras. Ingressou na UnB em 1965, como o primeiro colocado no vestibular de Geologia. Logo se tornou liderança estudantil, presidindo o Diretório de Geologia e depois a Federação dos Estudantes Universitários de Brasília. A repressão o perseguiu desde cedo. Foi preso quatro vezes entre 1966 e 1968. Com o AI-5, a universidade foi invadida, e Honestino expulso. Passou à clandestinidade e intensificou a militância. Em 1971, foi eleito presidente da UNE — símbolo da resistência estudantil contra a ditadura.
A fase mais sangrenta do regime
O Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, abriu a fase mais brutal da ditadura: fechamento do Congresso, censura absoluta, suspensão do habeas corpus e legalização da tortura como método de Estado.
Brasil: Nunca Mais, publicado em 1985, documentou esse padrão de violência. Presos políticos eram submetidos a choques elétricos, pau de arara, afogamentos, espancamentos contínuos, ameaças a familiares. A tortura tornou-se rotina nos porões do DOI-CODI e de outros centros clandestinos espalhados pelo país. Foi nesse cenário que a juventude do Brasil, especialmente Honestino, se transformou em alvo preferencial da repressão.
O sequestro e o "desaparecimento" de Honestino
Em 10 de outubro de 1973, Honestino foi preso no Rio de Janeiro. A família foi mantida no escuro. Sua mãe, Maria Rosa, chegou a ser autorizada a visitá-lo em um quartel, mas, ao chegar, ouviu que ele não estava mais lá. Desde então, nunca mais se soube de seu paradeiro. Depoimentos colhidos por ex-presos políticos relatam que agentes da repressão diziam, de forma cínica, que Honestino já estava morto. Outros mencionaram que ele teria sido levado a sessões de tortura até a morte. Seu corpo jamais foi entregue nem encontrado. O Estado manteve silêncio. Só em 1996 foi emitido um atestado de óbito — sem causa da morte. Em 2013, a Comissão Nacional da Verdade reconheceu oficialmente que Honestino foi assassinado sob custódia estatal.
De 1964 ao 8 de janeiro de 2023
O filme Honestino estreia em um Brasil que ainda convive com os fantasmas da ditadura. E não por acaso. Os métodos do passado reapareceram em dias bem recentes. Nesse sentido, é necessário reafirmar o que publicamos no artigo 'Geração 68 presente na luta contra a anistia, contra a ditadura.'O roteiro da ditadura de ontem esteve pronto para ser repetido na ditadura militar de extrema-direita de hoje, que começaria no 8 de janeiro de 2023: “Se o golpe de Jair Bolsonaro e da organização criminosa que ele liderava tivesse dado certo em 2023, o Brasil teria assistido à reimplantação da ditadura de 1964. Não se tratava de mera ameaça, mas de um roteiro pronto para repetir os métodos mais bárbaros do regime militar: sequestros, prisões em quartéis, torturas, assassinatos sob interrogatório. Nunca é demais lembrar que a Polícia Federal encontrou, em 2024, provas incontestáveis desse plano macabro. Documentos revelaram a preparação para o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de seu vice Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Essa lista de execuções políticas seria apenas o início de uma escalada de terror. A tortura e a matança não seriam apenas resquícios do passado, mas um programa de poder destinado a se instalar de forma permanente. O Brasil voltaria às trevas e ninguém saberia por quanto tempo. A ditadura de 1964 durou 21 anos e matou, segundo a Comissão da Verdade, 434 pessoas, a grande maioria jovens na casa dos 20 anos.”
Lembrar é resistir
Honestino não foi apenas vítima. Foi sujeito de uma luta que transcendeu sua vida curta. Sua memória é farol para que não nos resignemos diante da tentativa de reescrever a história com tintas de cinismo — chamando torturadores de 'heróis' e anistia de perdão de crime por abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Cada jovem assassinado nos anos 1970 — como Honestino — é uma prova de que a ditadura cometeu crimes hediondos — crimes de Estado. E cada vez que o Brasil se cala diante da impunidade dos militares de ontem, abre espaço para que os golpistas de hoje tentem repetir a escalada de terror.
O filme Honestino não é apenas arte. É denúncia. Grito. Eco de uma geração que foi silenciada. Mas não será esquecida. É a prova de que "lembrar é resistir", uma expressão atribuída a TzvetanTodorov, filósofo e historiador búlgaro-francês, que a usou para enfatizar a importância da memória na resistência contra a opressão e o esquecimento. A frase sugere que lembrar do passado é uma forma de resistir à manipulação e ao controle.
Talvez por isso, o título do filme de Walter Salles é 'Ainda estou aqui'. E a geração 68 complementaria: 'E não vamos esquecer'. Honestino não será esquecido. Ele vive em cada jovem que resiste, em cada memória que não se apaga, que não esquece, que jamais vai esquecer. Em cada grito de
Ditadura nunca mais.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.