Haverá
Haverá um dia, longínquo, muito longínquo, situado na miragem do horizonte, em que olharemos as prisões como coisas abomináveis
Entendo as comemorações, mas confesso que não consigo me alegrar com a queda de ninguém, por mais desprezível que seja, por mais necessária que a sua queda seja para evitar algo pior, muito pior: a caída da democracia.
Como escreveu o extraordinário poeta John Donne, que tanto inspirou Hemingway: A morte de cada homem diminui-me, porque sou parte da humanidade. Portanto, nunca procure saber por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.
Do mesmo modo, a queda, a prisão, essa forma de morte de qualquer pessoa me diminui, por mais justa que seja. Diminui a todos nós, creio. É mostra de um fracasso da humanidade.
Penso sempre, nessas horas, nos mais frágeis, nos inocentes, filhos, netos, que carregarão uma pena que não é sua. Para eles, os sinos soarão de forma estridente, implacável, dolorosa.
Mas haverá um dia, longínquo, muito longínquo, situado na miragem do horizonte, em que olharemos as prisões como coisas abomináveis. As veremos como hoje vemos as masmorras da Inquisição.
Mas haverá um dia, longínquo, muito longínquo, situado na utopia que guardamos secretamente em nossos corações, em que nenhum ser humano aprisionará mais outro ser humano. Ninguém cairá. Ninguém será diminuído. Seremos, todos, grandes e plenos.
E haverá um dia, que espero próximo, em que ninguém mais agredirá a democracia. Pois agredir a democracia é agredir nossa humanidade comum. Assim como agredir a soberania é agredir nossa brasilidade comum.
Mas certamente, certamente, haverá esse dia, distante, muito distante, em que todas as Bastilhas cairão.
E então os sinos dobrarão com doçura todos os dias, comemorando vida e liberdade.
Haverá.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.