Guerra de facções ameaça o poder de mando da extrema direita catarinense
“Grupos liderados pelo chefe de uma organização criminosa são fragilizados pela guerra interna", escreve Moisés Mendes
A guerra dentro do bolsonarismo catarinense, que põe em confronto as facções nacionais e regionais da extrema direita, deve ser vista no contexto da reacomodação da força dessas facções no Estado.
As informações que chegam de Santa Catarina alertam para o seguinte: essa arrumação, por tensão e atrito, passará pela recalibragem da imposição sumária dos bolsonaristas em todas as áreas.
Na área política, a reavaliação das forças do extremismo se dá muito além do fracionamento interno da nova direita. A briga dentro do bolsonarismo, provocada pela tentativa de fazer Carluxo candidato a senador, pode fortalecer o que resta da velha direita e das esquerdas.
Na área empresarial, surgem setores contrários ao poder de mando bolsonarista sob ordens da família do chefe da organização criminosa. A Fiesc (Federação das Indústrias de Santa Catarina) emitiu em junho uma nota sobre o Projeto Carluxo em que questiona os mandaletes de Bolsonaro:
“Santa Catarina tem lideranças políticas preparadas e legítimas para representá-la no Congresso Nacional. A indústria catarinense defende que a voz do Estado em Brasília deve ser constituída com base no mérito, no diálogo com a sociedade e na profunda conexão com os catarinenses, e não por imposições externas”.
A reacomodação de forças deverá acontecer também na área do Judiciário, que nos últimos anos foi obediente aos interesses da extrema direita hegemônica e amedrontadora, orientada pelas tais imposições externas.
O sistema de Justiça catarinense, com exceção do Ministério Público, rendeu-se ao poder do bolsonarismo. Qualquer estagiário de foro de qualquer cidade catarinense sabe disso.
As decisões tomadas no Estado, em todas as instâncias, inclusive na área da justiça eleitoral, vinham sendo favoráveis às figuras de destaque do bolsonarismo, com bravas exceções que poucos conseguem apontar.
O poder econômico de vozes terrivelmente bolsonaristas submeteu o Estado todo, incluindo o Judiciário, à imposição dos interesses políticos da extrema direita, a partir do comando dos prepostos de Bolsonaro.
O bolsonarismo subjugou Santa Catarina com o argumento de que assim protegia direitos, riquezas, a moralidade, a família e o jeito de ser do Estado. A alegada defesa de identidades acabou inspirando ações discriminatórios, muitas vezes xenófobas e outras tantas vezes também racistas.
Santa Catarina é hoje um dos Estados com algumas das maiores, mais organizadas e mais violentas células neonazistas do país. O jornal NSC, de Florianópolis, detalhou recentemente como esses grupos funcionam.
Como as instituições locais permitiram a organização aparentemente silenciosa de grupos que pregam violência e ódio aos diferentes? Que falhas levaram células neonazistas estaduais a criarem franquias em outros Estados?
Santa Catarina enfrenta o constrangimento nacional de ser o único Estado do país com um prefeito de capital discriminador de quem pode chegar e de quem precisa sair da cidade porque não deveria ter entrado.
Um prefeito que diz, como Topázio Neto afirmou em vídeo, que a prefeitura de Florianópolis tem o direito de instalar um centro de recepção de forasteiros na rodoviária ”para garantir um controle de quem chega”. Controle de ir e vir?
É como se Florianópolis fosse um enclave estrangeiro dentro do Brasil, onde só quem tem família, emprego e boas referências se habilitaria a entrar na cidade. Porque o prefeito confia que faz a coisa certa e que não dará nada.
A Santa Catarina sempre citada pelo maior índice de doação e transplante de órgãos do país, por seus esforços para recuperar o meio ambiente degradado pela especulação sem freio, pela capacidade de agregar e promover envolvimento comunitário, pela adesão de prefeituras ao passe livre e pela cordialidade do seu povo, essa Santa Catarina das mais belas praias do Brasil foi estigmatizada como terra de extremistas.
Um estigma que deve ser cobrado do ativismo bolsonarista, e não dos que observam a expansão da guerra entre capatazes locais do sujeito condenado por chefiar um grupo criminoso.
Santa Catarina sabe que não deve sua prosperidade econômica e a qualidade de vida da sua população às virtudes do fascismo, que é um fenômeno social e eleitoral recente destruidor do que foi construído durante décadas por lideranças e comunidades não extremistas.
A matança política entre bolsonaristas, que transformou o Estado em faroeste, é algo inédito. São facções que se dedicam hoje à eliminação de grupos rivais, porque a família liderada pelo chefe de uma organização criminosa quer se apropriar de Santa Catarina. Vão deixar?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



