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Gustavo Tapioca

Jornalista formado pela Universidade Federal da Bahia e MA pela Universidade de Wisconsin-Madison. Ex-diretor de redação do Jornal da Bahia, foi assessor de Comunicação Social da Telebrás, consultor em Comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do (IICA/OEA). Autor de "Meninos do Rio Vermelho", publicado pela Fundação Casa de Jorge Amado.

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Geração 68 presente na luta contra a anistia, contra a ditadura

Se o golpe de Bolsonaro tivesse dado certo, o Brasil teria assistido à reimplantação da ditadura de 1964

Ato em Santos contra PEC da Blindagem e anistia (Foto: Guilherme Paladino / Brasil 247)

Neste 21 de setembro de 2025, milhares de jovens — de todas as idades — tomaram as ruas das principais capitais do país para gritar um NÃO contundente às tramoias da extrema-direita. Os atos foram convocados por centrais sindicais, movimentos sociais, organizações estudantis e entidades democráticas, mas ganharam um caráter que ultrapassa a conjuntura imediata. Não se trata apenas de protestar contra a PEC da Blindagem — também chamada de “PEC da Bandidagem” —, a pseudo “dosimetria”, que pretende abrandar penas de golpistas, a falsa narrativa de “pacificação nacional” e a anistia. As manifestações do histórico dia 21 de setembro são, acima de tudo, contra a tentativa de reimplantar no Brasil uma ditadura militar nos mesmos moldes do regime fascista, que marcou uma geração inteira — a Geração 68 —, contra a herança de violência e contra, sobretudo, a tentativa de Jair Bolsonaro e sua organização criminosa de reinstaurar no Brasil um regime de exceção com os mesmos métodos da ditadura de 1964.

Vozes da resistência: de 1968 a 2025

A presença de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque na manifestação de 21 de setembro de 2025 foi carregada de simbolismo histórico. Nos anos de chumbo, ainda jovens, eles foram perseguidos, presos e censurados pela ditadura militar de 1964. Caetano e Gil chegaram a ser encarcerados em 1968 e, depois, forçados ao exílio em Londres. Chico Buarque, por sua vez, tornou-se o artista mais censurado da época — todas as suas canções passavam pela tesoura da ditadura. Eles também participaram da histórica Passeata dos Cem Mil, em junho de 1968, no Rio de Janeiro — o maior ato público contra a ditadura até então, que reuniu estudantes, artistas, intelectuais e trabalhadores. A passeata ficou marcada como um grito de resistência da Geração 68, que desafiava a repressão militar e denunciava as torturas e assassinatos já em curso.

Como beber dessa bebida amarga

Ontem, mais de meio século depois, Caetano, Gil e Chico voltaram a se unir em um palco improvisado diante da multidão. Já com barba e cabelos brancos, seus rostos traziam as marcas do tempo, mas suas vozes carregavam a mesma indignação. O ponto alto foi quando entoaram a música “Cálice”, composta por Chico e Gil em 1973, obra que ousava driblar a censura com sua metáfora de silêncio imposto. Na multidão, o verso ressoou como uma ferida ainda aberta: “Como beber dessa bebida amarga… Pai, afasta de mim esse cálice de vinho tinto de sangue.” Muitos cantaram com choro contido. A cena se transformou em um reencontro entre gerações. A dos que resistiram no passado e os que hoje reafirmam o brado coletivo — Ditadura Nunca Mais.

Se o golpe de 2023 tivesse dado certo

Se o golpe de Jair Bolsonaro e da organização criminosa que ele liderava tivesse dado certo em 2023, o Brasil teria assistido à reimplantação da ditadura de 1964. Não se tratava de mera ameaça, mas de um roteiro pronto para repetir os métodos mais bárbaros do regime militar: sequestros, prisões em quartéis, torturas, assassinatos sob interrogatório. Nunca é demais lembrar que a Polícia Federal encontrou provas incontestáveis desse plano macabro. Documentos revelaram a preparação para o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de seu vice Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Essa lista de execuções políticas seria apenas o início de uma escalada de terror. A tortura e a matança não seriam apenas resquícios do passado, mas um programa de poder destinado a se instalar de forma permanente. O Brasil voltaria às trevas e ninguém saberia por quanto tempo. A ditadura de 1964 durou 21 anos e matou, segundo a Comissão da Verdade, 434 pessoas, a grande maioria jovens na casa dos 20 anos de idade.

Apenas três exemplos das 434 vítimas

Dessa longa lista de assassinados pela ditadura (1964–1985), destacamos três ex-presidentes da UNE, todos assassinados aos 26 anos. Em nome deles, prestamos homenagem às 434 vítimas reconhecidas pela Comissão Nacional da Verdade, e também àqueles que sobreviveram às masmorras e às sequelas da tortura. Muitos, como Frei Tito, não suportaram o peso das marcas deixadas pelo terror de Estado e sucumbiram.

Honestino Guimarães, o presidente da UNE que não voltou

Honestino desapareceu em 10 de outubro de 1973, após ser preso pelo CENIMAR. Seu corpo nunca foi encontrado, e seu atestado de óbito só foi entregue à família em 1996, sem mencionar a causa da morte. Em 2013, a Comissão da Verdade confirmou que sua morte foi resultado de atos de violência sofridos sob custódia do Estado brasileiro.

José Carlos da Mata Machado: sonho interrompido

José Carlos morreu em 28 de outubro de 1973, após ser torturado no DOI-CODI do Recife. A versão oficial afirmava que ele morreu em um tiroteio, mas investigações posteriores concluíram que ele foi assassinado sob tortura. Seu corpo foi enterrado como indigente, mas a família conseguiu recuperá-lo e transferi-lo para Belo Horizonte.

Gildo Lacerda: coragem diante do arbítrio

Gildo Macedo Lacerda desapareceu em 28 de outubro de 1973, após ser preso e torturado por agentes do DOI-CODI/IV em Recife. Ele foi morto junto com José Carlos da Mata Machado, e a versão oficial da época alegou que ambos morreram em um tiroteio. No entanto, investigações posteriores concluíram que Gildo e José Carlos foram assassinados sob tortura.

Honestino, José Carlos, Gildo, Geração 68, Presente!

Hoje, quando multidões voltam às ruas contra a anistia farsesca e contra a tentativa de reedição do fascismo, é justo lembrar que a democracia brasileira é regada pelo sangue desses jovens. Eles não puderam viver para ver a liberdade que ajudaram a conquistar, mas vivem em cada ato de resistência. A Geração 68 está presente — na memória, nas faixas, nos cantos, nos corpos de cabeça branca que hoje marcham pelas avenidas. Ontem contra o AI-5. Hoje contra a anistia canalha. Sempre contra a ditadura.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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