Fux que se Fux
Ao absolver Bolsonaro, Fux alimenta narrativas golpistas e lança sombra sobre a democracia brasileira
De todos os dias de julgamento do Núcleo 1 da trama golpista, ontem, 10 de setembro, foi, disparadamente, o mais fora da curva. O dia ficará marcado como a ocasião em que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, decidiu tomar para si a atenção exclusiva do país e revelar, com desmedida vaidade, suas reais impressões acerca da conspiração. Mais do que absolver Bolsonaro, Garnier, Heleno, Paulo Sérgio, Torres e Ramagem, ou mesmo condenar parcialmente Mauro Cid e Braga Neto — direito seu enquanto magistrado independente, com prerrogativa para julgar da melhor maneira que lhe orientarem consciência e convicção, honorável condição de imensurável quilate que só existe no Brasil porque vige aqui uma democracia —, o ministro Fux resolveu atravessar o Rubicão e optar pela ousadia de assumir pessoalmente a estratégia de fragilizar uma concepção já praticamente pacificada no país e no mundo: a de que existiu, no Brasil, uma conspiração golpista que procurou emplacar um golpe de Estado para destituir um governo eleito, com marcas explícitas de violência deixadas nos escombros amontoados do 8 de janeiro de 2023, em plena Praça dos Três Poderes.
Se alguma dúvida pairava no ar acerca do comando de Bolsonaro à frente da conspiração, o ministro Fux tratou de diminuí-la (sob seu juízo, eliminou-a ao absolvê-lo), pondo em xeque a existência da própria intentona antipatriótica. Durante mais de 10 horas de um sequestro televisionado, com a minúscula tentativa de encenação de uma supostamente erudita aula de mestrado, com repetição, aos montes, de nomes e mais nomes de juristas estrangeiros (Beccaria, Cappelletti, Carnelutti, Chiovenda, Ferrajoli etc.), o ministro proferiu um pesadíssimo ataque pelas costas contra o STF, contra a Corte enquanto órgão, contra a Corte por seus ministros, contra a Corte em relação ao relator da ação, seu colega ministro Alexandre de Moraes, idem contra o titular da acusação, o procurador-geral da República Gustavo Gonet e, o mais grave de tudo, um ataque letal pelas costas contra a democracia brasileira, que esteve inequivocamente em risco entre fins de 2022 e início de 2023.
Se foi ou não sua intenção, o fato é que a investida já está alimentando, em velocidade supersônica nas redes sociais, todo tipo de teorias da conspiração, direcionadas a afirmar que no Brasil impera uma ditadura, que o país está imerso em um ambiente contaminado pela censura comunista, dentre outras coisas do gênero. Com efeito, o ministro Fux reforçou as levianas afirmações bolsonaristas, sobretudo propagadas desde os Estados Unidos pelo traidor foragido Eduardo Bolsonaro, animando o presidente Donald Trump a empenhar-se, ainda mais, em seu projeto destruidor de aniquilar a ainda hígida estabilidade brasileira.
Esquece, contudo, o ministro Luiz Fux que a vaidade, dizem, é o pior dos defeitos humanos, porque impede quem tenta ver de enxergar além de sua linha possível de horizonte. Cerrar os olhos para os riscos que a democracia do país sofreu durante as trocas de governo passado e atual, ignorando solenemente a existência das operações Punhal Verde e Amarelo, Copa, das graves informações de uma colaboração premiada, dos dados cruzados captados em áudios e comprovados com fatos, anotações e registros; idem ignorar os atos de barbárie que quase justificaram a invasão da Polícia Federal, a explosão de um carro-bomba no aeroporto, o assassinato do presidente e do vice eleitos da República e de um colega seu de Corte; nada entender de estranho em uma minuta de golpe de Estado, um decreto de Garantia da Lei e da Ordem, de estado de sítio, num agigantamento a olhos vistos de aglomerações diante de quartéis — de um dos quais parida a decadência civilizatória do 8 de janeiro de 2023 —, são desmazelos que a história lhe cobrará no futuro.
Hoje, dia seguinte ao enfadonho espetáculo personalista, uma Fortaleza ensolarada como em todas as manhãs prenuncia que o mundo não ruirá devido à desavergonhada manifestação processual do ministro Fux. Pelo contrário, serena e calmamente, todos aguardam a abertura da sessão vespertina do STF, quando a ministra Cármen Lúcia proferirá seu voto e, quiçá, alguma resposta seja dada por ela ou pelos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, bem assim como pelo procurador Paulo Gonet.
Ninguém sabe, tudo é incerto. Certeza, certeza mesmo, só de que, ao final, o Núcleo 1 da trama golpista sairá condenado. Não porque fulano ou beltrano querem, mas porque os integrantes cometeram crimes — e crimes geram condenações. Certa, também, a garantia de que a chefia conspiratória será atribuída a quem de fato esteve com as rédeas nas mãos, o antes imbroxável e agora moribundo Jair Bolsonaro. E quanto ao ministro de ontem, data venia, Sua Excelência, nada melhor do que fazer uso da famosa verve cômica cearense para iniciar o novo dia com uma pitada de bom humor da brava Terra da Abolição: o Fux que se Fux.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.