Francisco: o revolucionário da ternura
Papa representou uma ruptura dentro do conservadorismo histórico da Igreja Católica e emergiu como um aliado poderoso na denúncia da barbárie neoliberal
Para a emancipação humana, que sonha com o fim de todas as formas de exploração e opressão, é raro encontrar, dentro das instituições tradicionais do poder mundial, uma voz que ressoa o clamor de todos os que sofrem. O Papa Francisco, em sua trajetória e em suas intervenções, representou uma ruptura dentro do conservadorismo histórico da Igreja Católica e emergiu como um aliado poderoso na denúncia da barbárie neoliberal.
Desde sua ascensão ao papado, Francisco desferiu declarações contundentes contra o culto ao dinheiro, essa ideologia assassina que transforma a vida humana em mercadoria e os pobres em descartáveis. Suas palavras reverberaram as lutas anti-imperialistas ao afirmar que “esta economia mata”. O seu repúdio à “cultura do descarte” revela uma lucidez que outros líderes políticos autoproclamados progressistas sequer ousam demonstrar. Francisco não falou de pequenas reformas cosméticas; ele denunciou as estruturas globais de dominação, expondo o capitalismo como um sistema insustentável que gera miséria, exclusão e destruição ambiental.
Além do discurso, sua prática foi revolucionária dentro dos limites de sua instituição: acolhendo migrantes, denunciando muros e fronteiras, exigindo o desarmamento mundial, convocando jovens a se rebelarem contra a indiferença, e, mais radicalmente, posicionando a Igreja ao lado dos mais vulneráveis contra os interesses dos grandes conglomerados financeiros. Sua encíclica "Laudato Si’", é um manifesto ecológico e social que reconhece a íntima conexão entre a opressão dos pobres e a devastação da Terra, apontando diretamente para a lógica de lucro como inimiga da vida.
Em tempos de crescente fascistização global, em que a extrema-direita e o capital financeiro se aliam abertamente para destruir direitos conquistados à custa de sangue, Francisco atuou como uma voz de resistência ética e política, desafiando, mesmo que simbolicamente, as forças da morte. Seu posicionamento pró-Palestina, suas críticas à cultura armamentista norte-americana e seu chamado constante à solidariedade internacionalista evidenciam um Papa que, sem abandonar o terreno da fé, se recusou a ser cúmplice da ordem assassina que governa o mundo.
Francisco, em sua coragem de atacar as bases ideológicas do neoliberalismo, se transformou num ponto de apoio para todas as lutas que visam construir outro mundo possível. Em um cenário de profunda regressão civilizatória, sua postura foi, sem dúvida, subversiva e revolucionária em relação ao status quo.
A voz de Francisco, no meio do deserto da cumplicidade global, foi um grito que continuará a abrir as brechas por onde nascerá a aurora da libertação.
O Papa Francisco representou uma revolução silenciosa no coração da Igreja Católica. Seu caráter, forjado pela simplicidade evangélica, pela compaixão com os pobres e pela coragem de enfrentar as estruturas de poder que deformam a mensagem do Evangelho, o impulsionaram aos enfrentamentos que teve contra as estruturas de opressão e de crueldade que assolam a humanidade.
Francisco foi um verdadeiro discípulo de Jesus, aquele que não temeu sujar os sapatos, com os quais foi enterrado, na poeira dos caminhos da humanidade sofredora.
A postura de Francisco rompeu com o clericalismo tradicional. Ele se recusou a habitar os palácios e preferiu o cheiro das ovelhas ao incenso do poder. Sua opção preferencial pelos pobres não foi apenas discurso: foi gesto, presença e denúncia. Francisco recolocou a Igreja no caminho que o Concílio Vaticano II ousou trilhar, o de uma Igreja em missão, samaritana, solidária, comprometida com as lutas dos marginalizados.
A atuação política de Francisco foi profundamente evangélica porque foi profundamente subversiva. Denunciar o capitalismo como um sistema de morte, defender os migrantes contra a exclusão, clamar pela justiça socioambiental; tudo isso fez do Papa uma das vozes mais lúcidas e corajosas de nosso tempo. Em um mundo dominado pela lógica neoliberal, Francisco se ergueu como profeta da ternura e da justiça.
Francisco liderando uma instituição milenar, conservadora por natureza, enfrentou resistências internas gigantescas. Reformar a Cúria Romana, combater os escândalos financeiros do Vaticano, abrir a discussão sobre questões como o celibato sacerdotal e o papel das mulheres na Igreja foram batalhas duríssimas. Mas o mérito de Francisco, consistiu em não fugir da luta e em manter viva a chama da esperança, mesmo nas condições mais adversas.
O Papa Francisco foi uma luz no meio das trevas de um mundo inóspito para os pobres e oprimidos. Ele devolveu à Igreja a sua dimensão profética, e chamou os cristãos à conversão não apenas religiosa, mas também social, econômica e política. Foi um Papa que não apenas falou de amor, mas que o encarnou em gestos concretos de solidariedade e de compaixão.
Francisco foi uma profecia viva; um sopro corajoso de um mundo possível, no qual fé e justiça caminham de mãos dadas, sem medo de enfrentar os impérios do mundo. Foi um verdadeiro milagre histórico, um renascimento do espírito evangélico original dentro de uma instituição marcada historicamente pelo poder e pela hierarquia.
Ele foi uma benção para o mundo e uma ruptura salvadora dentro da própria Igreja. Seu caráter foi marcado pela simplicidade franciscana, embora fosse jesuíta de formação, e também pela compaixão com os mais pobres e pela coragem profética de dizer verdades incômodas aos poderosos. Francisco não foi moldado pelas vaidades do poder eclesiástico, mas se permitiu formar na luta concreta dos pobres da América Latina, especialmente na periferia esquecida de Buenos Aires.
O Papa Francisco encarnou, por escolha, o que há de mais profundo na tradição de Francisco de Assis: o amor à natureza, a opção preferencial pelos pobres, a recusa do luxo e da pompa, a visão de fraternidade universal.
Francisco verdadeira foi uma renovação da profecia cristã: alguém que recolocou a Igreja a serviço da vida, dos pobres e da Terra. Foi uma esperança concreta de que a fé cristã pode, ainda hoje, ser uma força transformadora, amorosa e profundamente libertadora no mundo, inspirando até mesmo quem não a compartilha.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.