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Heba Ayyad

Jornalista internacional e escritora palestina-brasileira

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EUA e Venezuela: entre provocações militares e o risco iminente de escalada bélica

Escalada militar no Caribe expõe desprezo dos EUA pelo direito internacional e coloca Venezuela no centro de um confronto iminente

Nicolás Maduro (Foto: Miraflores Palace/Handout via Reuters)

Nada sugere um ataque militar dos EUA contra alvos nos arredores da Venezuela, tampouco há algo que impeça uma resposta violenta por parte do país.

Somente o direito internacional limita o governo Trump a não tomar medidas imprudentes nesse sentido. Mas será que os EUA respeitaram os limites do direito internacional no recente ataque ao Irã? Ou após o episódio em que atacaram um navio venezuelano próximo às águas territoriais do país, matando mais de dez pessoas a bordo sob a justificativa de que seriam traficantes de drogas, sem qualquer prova concreta das acusações?

Embora o bombardeio ao navio e às pessoas a bordo tenha sido classificado como uma “provocação” pelos venezuelanos, os acontecimentos que se seguiram indicam que a escalada é iminente. O confronto tornou-se refém de uma única faísca capaz de desencadear um cenário de guerra — ainda que sob o título de “guerra contra as gangues do tráfico”, conforme a narrativa estadunidense.

O governo venezuelano interpretou a decisão do presidente dos EUA, Trump, anunciada na sexta-feira passada, de substituir o nome do Departamento de Defesa por Departamento de “Guerra”, como uma mensagem direta dirigida a Caracas. Talvez por isso o presidente Nicolás Maduro tenha aparecido em uniforme militar, gesto simbólico interpretado como prontidão para o confronto, especialmente por ocupar o cargo de “Comandante-em-Chefe das Forças Armadas”.

Esse episódio soma-se a outros indicadores inequívocos, como os reforços militares estadunidenses no sul do Caribe, que incluem 4,5 mil soldados, o envio de oito navios de guerra destroyers, embarcações anfíbias da classe Iwo Jima, aeronaves de inteligência P-8 e um submarino de ataque de propulsão nuclear, além de 1,2 mil mísseis apontados para a fronteira venezuelana.

A tensão aumentou ainda mais com a chegada do secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, acompanhado pelo chefe do Estado-Maior Conjunto, general Dan Keane, à base militar da ilha de Porto Rico, em preparação para o envio de dez caças F-35.

O presidente venezuelano, por sua vez, reagiu a esses acontecimentos no programa “Uma Conversa com a Coreia”, da Russia Today, afirmando que essa demonstração “hollywoodiana” de poder militar estadunidense foi uma provocação contra as autoridades venezuelanas. Acrescentou ainda que o deslocamento e a preparação militar dos EUA na região lembram o bloqueio cubano de 1962. No entanto, desta vez, a exibição exagerada de capacidades entrou em uma nova fase, sem precedentes no mundo. Observou também que o deslocamento de caças F-35 para Porto Rico, a apenas 29 minutos do território venezuelano, implica diretamente a administração da Casa Branca e a governadora da ilha, Jennifer González, em um cenário de guerra delirante.

Anteriormente, após o ataque dos EUA a um barco que transportava 11 venezuelanos próximo às águas territoriais do país — ataque que resultou na eliminação completa da embarcação e de seus tripulantes —, o presidente Maduro descreveu o episódio como “uma cena gerada por IA”, embora tenha se acalmado rapidamente em seguida.

Além disso, o envio de milhares de soldados do Departamento de Defesa dos EUA para Porto Rico foi precedido pelo anúncio de Maduro sobre a mobilização de aproximadamente 4,5 milhões de militares venezuelanos e seu posicionamento ao longo da costa do país, sob a designação de “milícias nacionais”.

Entretanto, essa medida gerou controvérsias. As ações tomadas pelas autoridades venezuelanas — e que parecem ter sido a faísca para a ira estadunidense — decorreram do voo de dois caças F-16 venezuelanos, na última quinta-feira, nas proximidades de um contratorpedeiro de mísseis guiados da classe Arleigh Burke, pertencente à Marinha dos EUA, em águas internacionais. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos classificou o episódio como “ato altamente provocativo”.

Questionado sobre o incidente, o presidente dos EUA, Trump, alertou que suas Forças Armadas têm autoridade para abater qualquer aeronave, se necessário. A maioria dos analistas, porém, considera essa autoridade inconstitucional, visto que qualquer ação militar na região violaria inevitavelmente o direito internacional, além de que o único órgão com competência para autorizar uma declaração de guerra é o Congresso.

Ainda assim, o presidente Trump e seus ministros sustentam possuir uma justificativa legal para a escalada e para a ameaça de guerra, sob o argumento de que há risco à segurança do país e de sua população. Para eles, as “gangues de drogas” que contrabandeiam entorpecentes e seres humanos de países como México e Venezuela para os Estados Unidos legitimam o combate por todos os meios possíveis. Essa justificativa abriu caminho para operações contra organizações transnacionais como o Cartel Trans-Aragua, da Venezuela, e o Cartel de Sinaloa, do México, após sua classificação como grupos terroristas. Pouco depois, o presidente Trump anunciou oficialmente a designação de Nicolás Maduro como líder do cartel venezuelano Los Solis e aumentou a recompensa por informações que levassem à sua captura para 50 milhões de dólares.

De fato, tal cenário não é improvável para os Estados Unidos. Em 2021, prenderam Alex Saab, conselheiro e braço direito de Maduro, durante uma escala em Cabo Verde em avião particular, deportando-o posteriormente para os EUA a fim de ser julgado, apesar de sua imunidade diplomática.

Talvez o aspecto mais interessante seja o fato de que a designação dessas gangues como organizações terroristas pelo governo estadunidense, assim como a classificação do presidente Maduro como líder da gangue Los Solis, composta por veteranos militares venezuelanos, conquistaram o apoio de alguns governos da região, como Equador e Argentina. Esse posicionamento foi descrito por alguns críticos como uma “reaproximação tola” com os Estados Unidos.

Por sua vez, a reação do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, foi marcada pelo sarcasmo. Em entrevista à Russia Today, ele afirmou que a narrativa de demonização de figuras e povos latino-americanos, utilizada pelos Estados Unidos para rotulá-los como traficantes de drogas e justificar guerras com base nisso, é “enganosa”. Segundo ele, essa narrativa ignora o fato de que o combate ao tráfico de drogas começa pelo fim do lucro gerado por esse comércio.

Maduro ressaltou que 85% do dinheiro proveniente do tráfico de drogas é lavado em bancos dos Estados Unidos e que, se o governo dos EUA realmente levasse a sério o combate a esse comércio “sujo”, perseguiria os proprietários desse capital e impediria que suas instituições financeiras participassem do ciclo de lavagem de lucros.

Essa declaração remete à do ex-presidente boliviano Evo Morales, que afirmou que a guerra estadunidense contra as gangues do tráfico carece de credibilidade, já que a luta contra as drogas deveria começar pela redução do consumo — sendo o mercado dos Estados Unidos o maior nesse sentido.

A resposta do presidente Donald Trump — “Vocês verão!” —, dada a um jornalista há dois dias, quando questionado sobre a possibilidade de ataque à Venezuela, reforça a percepção de que uma escalada é cada vez mais provável. A visita urgente de seu secretário de Estado, Marco Rubio, ao Equador, realizada recentemente, aumentou as preocupações do governo venezuelano, sugerindo que uma possível ofensiva dos EUA contra o tráfico poderia ser lançada a partir de território equatoriano.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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