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Pepe Escobar

Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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Esperando os Oreshniks, enquanto o kabuki de Istambul prossegue de forma "não negativa"

Enquanto investiga ataque aos seus bombardeiros, Rússia mantém silêncio estratégico e avalia resposta com potencial devastador

Oreshnik (Foto: Reuters)

Esse era o estado de espírito na Moscou bem-informada – apenas algumas horas antes do novo kabuki de Istambul sobre as “negociações” Rússia-Ucrânia. Três pontos-chave.

  1. O ataque contra os bombardeiros estratégicos russos – parte da tríade nuclear – foi uma operação conjunta Estados Unidos-Reino Unido. Principalmente do MI6. Os investimentos tecnológicos em geral e a estratégia foram fornecidos por esse combo de serviços de inteligência.
  2. Não está nada claro se Trump estaria de fato no comando – ou não. Isso foi confirmado a mim à noite por uma fonte do primeiro escalão da inteligência, que acrescentou que o Kremlin e os serviços de segurança estavam investigando ativamente todas as possibilidades, principalmente quem deu a luz verde final.
  3. O consenso quase universal entre a população: soltem os Oreshniks. Além de ondas de mísseis balísticos.

Como seria previsível, o kabuki de Istambul veio e se foi como um espetáculo vagabundo, com a delegação ucraniana trajando uniformes de campanha e o ministro da Defesa Umerov incapaz de falar sequer um inglês medíocre em uma caótica entrevista coletiva realizada após a breve reunião de 1 hora e 15 minutos. O Ministério das Relações Exteriores turco, em tom épico, descreveu o kabuki como tendo se encerrado de forma “não negativa”.

Nada de substancial em termos estratégicos ou políticos foi discutido: apenas a troca de prisioneiros. O estado de espírito em Moscou, além disso, era de que o principal negociador russo, Medinsky, deveria ter apresentado um ultimato, não um memorando. Documento esse que, como seria de se prever, foi interpretado como um ultimato pelo Mendigo do Banderastão; mas o que Medinsky de fato entregou aos ucranianos foi um memorando contendo um mapa de percurso com três seções trazendo duas opções para as condições do cessar-fogo e 31 pontos, grande parte deles há meses detalhadamente expressa por Moscou.

Exemplos: a primeira opção para um cessar-fogo deveria ser a total retirada das Forças Armadas da Ucrânia da República Popular de Donetsk, da República Popular de Lugansk, de Kherson e de Zaporizhia, no prazo de trinta dias; o reconhecimento internacional da Crimeia, do Donbass e da Novorossiya como partes integrantes da Rússia; a neutralidade da Ucrânia; a realização de eleições na Ucrânia e, então, a assinatura de um tratado de paz – aprovado por uma resolução juridicamente vinculativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas (itálicos meus); e a proibição do recebimento e emprego de armas nucleares.

Nada disso, é claro, será aceito pelo esquema impregnado de terror instalado em Kiev, pelos grupos neonazistas que o controlam e pelos vários e fragmentados apoiadores belicistas do Ocidente Coletivo. A operação Militar Especial, portanto, irá continuar. Possivelmente até 2026. Juntamente com novas versões do kabuki de Istambul: o próximo deverá ser realizado em fins de junho.

O atual kabuki, por sinal, consiste no Saloon da Última Chance que Kiev terá de preservar algum grau de – turbulenta – “soberania”. Como vem repetindo o Chanceler Lavrov, tudo, na verdade, será decidido no campo de batalha.

Como destruir o Tratado Novo START - Agora, passemos ao ataque contra um dos braços da tríade estratégica da Rússia – o que fez a mídia de propaganda ocidental chafurdar em camadas e mais camadas de histeria estratosférica.

Pergunta-se repetidamente por que razão a Rússia teria deixado seus bombardeiros estratégicos desprotegidos sobre a pista. A razão é que essa é uma exigência do Tratado New START – assinado em 2010 e prorrogado até fevereiro do próximo ano (quando ele talvez seja enterrado, tendo em vista o que acaba de acontecer).

O Tratado Novo START estipula que bombardeiros estratégicos devem estar visíveis aos “meios técnicos nacionais” (MTN) de verificação, tais como imagens de satélites, para permitir o monitoramento pela outra parte”. De modo a que seus status – portando armas nucleares ou convertidos para uso convencional – deva sempre ser verificável. Sem qualquer chance de um primeiro ataque de “surpresa”.

Essa operação, por si só, fez ir pelos ares o que, até agora, era uma relíquia decente da Guerra Fria, impedindo o início da Terceira Guerra Mundial por meio de um mecanismo simples. A temeridade em questão ultrapassa qualquer limite. Portanto, não é surpresa que os mais altos escalões do poder na Rússia – do Kremlin ao aparato de segurança – trabalhem freneticamente para determinar se Trump estava ou não envolvido. E, caso negativo, quem deu a luz verde final?

Não é de surpreender que o escalão superior, até agora, não tenha dado um pio.

Uma fonte de segurança me assegurou que foi o Secretário de Estado dos Estados Unidos Marco Rubio quem ligou para Lavrov – e não o contrário, para apresentar suas condolências pelo ataque terrorista às pontes de Bryansk. Nenhuma palavra sobre os bombardeiros estratégicos. Paralelamente, o ex-comandante de pelotão no Iraque, depois comentarista da Fox News e agora chefe do Pentágono, acompanhou os ataques de drones às base russas em tempo real.

Quanto à eficácia desses ataques – além da alegre conversa fiada do nevoeiro de guerra. Diversas estimativas conflitantes apontam para três bombardeiros estratégicos Tu-95MS – conhecidos como “Os Ursos” – atingidos na base de Belaya, em Irkutsk, mais um deles parcialmente avariado e três outros T-22M3s atingidos, dois deles de forma irreparável. Em um dos três Tu-95MS, os incêndios parecem ter sido pontuais, necessitando apenas de reparos.

Na base de Olenya, em Murmansk, outros quatro Tu-95MS podem ter sido atingidos, além de um An-12.

A Rússia tinha 58 Tu-95MS até este fim de semana. Mesmo que cinco deles tenham sido irrecuperavelmente perdidos, isso representaria menos que 10% de sua frota. E esse cálculo não inclui 19 Tu-160 e 55 Tu-22M3M. Das cinco bases que teriam sido atacadas, em apenas duas esses ataques teriam tido sucesso.

Essas perdas, por mais duras que tenham sido, em nada afetarão os futuros ataques por forças aeroespaciais russas.

Exemplo: a arma-padrão portada por um T-95MSM é o míssil de cruzeiro X-101. Um máximo de oito por missão. Em ataques recentes, não mais que 40 mísseis foram lançados simultaneamente. Isso implica apenas seis Tu-95s em ação. A Rússia, portanto, precisa apenas de seis Tu-95MSM preparados para voo para conduzir ataques tão intensos quanto os dos dias e semanas anteriores. Os Tu-160s, além disso, sequer foram usados nos últimos ataques.

Avaliando a estratégia máxima - No momento em que escrevo, a resposta inevitavelmente devastadora da Rússia ainda não recebeu luz verde. A situação não poderia ser mais grave. Mesmo se for verdade que o Presidente dos Estados Unidos não havia sido informado – e é sobre isso que o Kremlin e os serviços de segurança querem ter absoluta certeza antes de lançar o Inferno Vindo do Céu sobre Kiev – mesmo assim são patentes os contornos de uma operação da OTAN – Estados Unidos/Reino Unido – diretamente conduzida pelo combo de inteligência CIA/MI6, sendo dada a Trump uma negabilidade plausível, com a Ucrânia quebrando feio o protocolo START.

Caso Trump tenha autorizado os ataques, isso constituiria nada menos que uma declaração de guerra pelos Estados Unidos contra a Rússia. O cenário mais provável, portanto, continua sendo Trump ter sido enganado pelos neocons aninhados em silos privilegiados espalhados por todo o Beltway.

Tanto quanto o ataque ao sistema de radar de alerta precoce Voronezh-M em maio último, um ataque aos bombardeiros estratégicos da Rússia se encaixa no cenário de crescentes provocações ao sistema russo para possibilitar sua desativação antes de um primeiro ataque nuclear. Aspirantes a Dr. Strangelove vêm, há décadas, considerando esse cenário em seus sonhos mais desvairados.

Tal como cuidadosamente confirmado por fontes, a intepretação que prevalece em meio aos altos escalões do poder russo é a de uma operação psicológica que forçaria uma dura – e possivelmente nuclear – reação por parte da Rússia, acompanhada da retirada de Moscou do kabuki de Istambul.

Até agora, a reação russa vem sendo bastante metódica: silêncio total, investigação ampla e continuidade dos procedimentos em Istambul.

Mas é óbvio que a – inevitável – resposta de Moscou irá exigir Estratégia Máxima. Se essa resposta acompanhar o tom da doutrina nuclear russa, recentemente atualizada, Moscou corre o risco de perder o unânime apoio do Sul Global.

Se a resposta for morna, a reação interna será maciça. Há um consenso quase universal quanto a “Soltar os Oreshniks”. A opinião pública russa está se cansando de ser alvo de ataques terroristas. A decisão fatal está demorando demais.

O que nos traz ao supremo dilema. O poder russo vem refletindo sobre as maneiras de derrotar o belicista Ocidente Coletivo sem desencadear a Terceira Guerra Mundial. Inspirada na China, a solução talvez seja uma mistura de Sun Tzu remixado e de Lao Tzu. Tem que haver um meio – ou meios sobrepostos – de destruir a capacidade de um inimigo niilista e carente de estratégia de prosseguir com suas guerras sem fim.

Tradução de Patricia Zimbres

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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