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Michelle Catarine Machado

Jornalista com experiência em comunicação institucional, política, mídias sociais e produção de conteúdos acessíveis e inclusivos

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Entre idadismo e capacitismo: os desafios de envelhecer com deficiência no Brasil

Com mais de 33 milhões de pessoas acima dos 60 anos, o Brasil enfrenta o desafio de garantir inclusão e dignidade para quem envelhece com deficiência

Maria Santos, Naira Gaspar, Sandra Gomes e Michelle Machado (Foto: Arquivo pessoal)

Por Sandra Regina Gomes, Naira Rodrigues Gaspar e Michelle Catarine Machado - No artigo desta semana, vamos tratar de um tema cada vez mais urgente em nossa sociedade: o envelhecimento da população brasileira. Para essa reflexão, convidamos nossa companheira de jornada, Sandra Gomes, fonoaudióloga e especialista em Gerontologia, que compartilha sua vivência e pensamento sobre políticas públicas voltadas tanto para pessoas com deficiência em processo de envelhecimento quanto para aquelas que, ao envelhecer, adquirem uma deficiência. Falar de envelhecimento, em alguns casos, é falar de perdas funcionais que muitas vezes são agravadas pela exclusão social e pela falta de políticas públicas.

O país vive uma contradição: envelhecemos rapidamente, mas seguimos presos a uma cultura que exalta a juventude e invisibiliza quem envelhece, sobretudo quando há deficiência. Nesse cenário, idadismo e capacitismo se sobrepõem e ampliam a exclusão. Por isso, é urgente entender esses cruzamentos, denominados interseccionalidade, para planejar políticas públicas que assegurem direitos, participação social e qualidade de vida para todas e todos.

Pensando na deficiência a partir do modelo biopsicossocial, entendemos que ela não se resume a um corpo com impedimento, mas resulta da interação com barreiras ambientais. Quanto maiores as barreiras, maior será a gravidade da condição. Por isso, no processo de envelhecimento, não é apenas o corpo que precisa ser considerado, mas sobretudo as barreiras enfrentadas no cotidiano. Quando nos afastamos do mercado de trabalho, seja por aposentadoria ou pela falta de inclusão nos postos disponíveis, quando perdemos cuidadores e passamos a viver em solidão, a deficiência ganha novas camadas de complexidade. A solidão das pessoas com deficiência em processo de envelhecimento é um ponto central: menos relações, maior isolamento e, quanto mais isoladas e pobres, mais marcante se torna a condição de deficiência. Não por acaso, algumas teorias falam em “envelhecimento precoce” dessa população. Na verdade, o que ocorre não é um envelhecimento precoce em si, mas uma potencialização da condição de deficiência diante das barreiras acumuladas desde a infância ou juventude.

Com mais de 33 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, o Brasil vive um processo acelerado de envelhecimento populacional. O Censo de 2022 revela que existem 14,4 milhões de pessoas com deficiência, e quase metade desse grupo (45,4%) tem 60 anos ou mais. Além disso, 27,5% das pessoas com 70 anos ou mais relatam conviver com pelo menos uma deficiência. Esses números ajudam a dimensionar as dificuldades que vão além das estatísticas: as pessoas com deficiência que envelhecem, ou aquelas que envelhecem adquirindo algum impedimento de ordem sensorial, mental, intelectual ou física, são frequentemente estigmatizadas como menos produtivas e menos aptas a decidir sobre suas próprias vidas. O envelhecimento, que é um processo natural do curso da vida, traz desafios a todos, mas para as pessoas com deficiência esses desafios são muito mais intensos, pois se somam a barreiras sociais, menor escolaridade, salários mais baixos, dependência de terceiros e, em muitos casos, a uma vida sustentada por benefícios não contributivos. Essa condição potencializa desigualdades, amplia o isolamento social e cultural e torna mais visível a contradição de um país que envelhece.

Apesar desse quadro demográfico significativo, a sociedade ainda enfrenta desafios culturais profundos: idadismo e capacitismo continuam moldando percepções, relações e práticas sociais, negando autonomia e reforçando exclusões que afetam a vida de milhões de brasileiros e brasileiras, especialmente quando essas duas condições se sobrepõem. O cinema também tem revelado como esses preconceitos estruturais moldam a exclusão social. Em Pacarrete (2020), de Allan Deberton, a bailarina idosa que ousa sonhar com um espetáculo é ridicularizada e tratada como “louca”, metáfora explícita de como a pessoa idosa é silenciada e desvalorizada. Já em O Último Azul (2025), de Gabriel Mascaro, acompanhamos Tereza, 77 anos, prestes a ser exilada em uma colônia estatal que segrega pessoas idosas consideradas inúteis ao trabalho. Em sua busca por realizar o sonho de voar, o filme combina crítica social e lirismo, expondo o idadismo institucional e a violência de um sistema que descarta indivíduos. Ambos os longas denunciam, de formas distintas, a urgência de romper estigmas e reafirmar a dignidade das pessoas idosas.

Outro ponto crucial é o uso adequado da linguagem: deve-se evitar termos infantilizados, comunicar-se de forma clara, confirmar a compreensão e respeitar a autonomia das pessoas. Estas são atitudes que transformam a maneira como a sociedade enxerga e reconhece quem envelhece com deficiência, garantindo dignidade. Essa mudança cultural é tão necessária quanto as adaptações estruturais e encontra apoio em iniciativas recentes, como, por exemplo, o Glossário Coletivo de Enfrentamento ao Idadismo – 2ª edição, idealizado pela Longevida. Feito a muitas mãos com a participação de 46 instituições que escutaram e coletaram frases, expressões e depoimentos das pessoas idosas de todas as regiões do país. O objetivo é reconhecer a linguagem que exclui, e, dessa forma, o Glossário tornou-se uma ferramenta educativa no combate ao preconceito. Outro material produzido foi O Guia Prático "Capacitista em Desconstrução", lançado pelo Ministério do Esporte, que provoca reflexões sobre padrões excludentes e mostra que incluir é também transformar atitudes cotidianas. A campanha “Entre Gerações – Laços que Protegem”, promovida pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), aborda a importância do diálogo intergeracional com velhices diversas, como indígenas, quilombolas, ciganas e pessoas LGBTQIA+, e destaca que a conexão entre os mais jovens e as pessoas idosas fortalece redes de cuidado e respeito, centrais no enfrentamento ao idadismo e às diversas violações à dignidade.

Pequenas adaptações também fazem diferença: cadeiras com braços, ajustes de iluminação e som, sinalização clara, acolhimento de acompanhantes e horários mais flexíveis são exemplos de medidas simples que aumentam a autonomia e a dignidade. Do ponto de vista da assistência social, fortalecer centros-dia e integrar sistemas como o SUAS e os CRAS é fundamental, garantindo atendimento domiciliar, reabilitação e apoio aos cuidadores familiares.

O desafio está posto: envelhecer não pode ser sinônimo de solidão nem de exclusão. Garantir dignidade às pessoas idosas com deficiência é garantir dignidade para o Brasil que envelhece.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.