Enem 2025
Enem reafirma seu papel político ao incluir identidades diversas e promover a igualdade como reparação histórica
Ao longo dos últimos anos, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deixou de ser apenas uma porta de entrada para a universidade. Tornou-se um marco simbólico e político na luta por reconhecimento e direitos. Este ano apresenta um crescimento nas inscrições 50+. Desde 2014, quando passou a permitir o uso do nome social por pessoas trans, o exame se inscreveu na história como uma política pública que legitima existências antes invisibilizadas.
Esse gesto administrativo e, sobretudo, ético mostrou ao país que nossos corpos e trajetórias importam. A educação, afinal, deve ser o espaço onde todas as identidades cabem — e não onde algumas são constrangidas a se esconder.
Amanhã, milhões de estudantes em todo o Brasil estarão realizando o Enem. A eles, desejo sorte, serenidade e concentração. “Que cada pessoa que se preparou, que retomou os estudos depois de anos, ou que enfrenta as barreiras das desigualdades estruturais possa enxergar no exame não um obstáculo, mas uma oportunidade real de futuro”, destaca a vereadora Benny Briolly, travesti negra reeleita da cidade de Niterói. Que cada estudante trans, travesti, negra, indígena, quilombola, pessoa com deficiência ou favelada possa ser reconhecida em sua dignidade — inclusive pelo nome que escolheu para existir.
Quando o Enem fala Pajubá
Em 2018, o Pajubá apareceu na prova, na questão 37 do caderno azul, marcando um dos momentos mais emblemáticos da presença LGBTQIA+ no exame. O tema da questão abordava o Pajubá como dialeto e elemento de identidade cultural, reconhecendo-o como parte do patrimônio linguístico brasileiro.
Conforme indica a linguista Matheux Schwartzmann (UNESP), “o Pajubá — usado sobretudo por travestis e mulheres trans como resistência e pertencimento — tem origem a partir de línguas de matriz nagô, do iorubá, mescladas ao tupi e ao português".
Segundo Schwartzmann, termos como erê (criança/jovem), odara (bonito), acué (dinheiro), picumã (cabelo), mapô (mulher) e ocó (homem) não são apenas gírias “gays”, como comumente se fala; são, na verdade, elementos que “compõem uma forma de língua em uso — quer seja entendida como dialeto ou criptoleto — que ultrapassa a mera necessidade de comunicação: é cultura, identidade, sobrevivência e memória ancestral".
“Quando o Pajubá aparece numa prova do Enem, é como se escutasse, pela primeira vez, a língua que muitas de nós usamos pra sobreviver. Posso afirmar que é o Estado dizendo que a nossa forma de falar também é uma forma de existir. Quando o Estado acolhe nossa fala, ele rompe o silêncio histórico imposto sobre nossos corpos”, acrescenta Ariela Nascimento — liderança trans pelas cotas trans no Rio de Janeiro.
Legislação e avanços: o nome social como direito
Desde 2014, candidatos trans podem solicitar o uso do nome social durante a inscrição no Enem. Esse nome aparece no cartão de confirmação, na lista de presença e na identificação da sala de prova.
Em 2025, o Ministério Público Federal recomendou ao Inep que eliminasse a exigência de cadastro prévio do nome social na Receita Federal — uma medida considerada discriminatória e burocrática.
A ampliação de políticas afirmativas também reflete o impacto simbólico do Enem. Em 2025, a Unicamp anunciou a criação de cotas para pessoas trans no processo Enem-Unicamp 2026, unindo-se a pelo menos 13 universidades públicas que já adotam ações semelhantes.
Essas medidas seguem a tendência de um país que começa, lentamente, a reconhecer que igualdade não é tratar todos da mesma forma, mas reparar desigualdades históricas.
Entre 2015 e 2025, foram apresentados 664 projetos de lei sobre pessoas trans nas assembleias legislativas e no Distrito Federal. 62,6% (416 PLs) propõem ampliação de direitos. 37,3% (248 PLs) sugerem restrições ou limitações.
Em paralelo, o IBGE passou a incluir travestis, pessoas trans e não binárias em suas pesquisas apenas em 2024 — um marco histórico. Os primeiros dados oficiais serão divulgados até o fim de 2025, pela Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS). Até então, o Estado brasileiro não sabia oficialmente quem éramos.
O Enem é mais que uma prova: é um espelho do país que queremos ser. Um Brasil que reconhece o Pajubá, o nome social e os sonhos de quem atravessa tantas exclusões para chegar até ali.
Que neste domingo cada estudante — especialmente as travestis, trans, pessoas com deficiência, negras, indígenas, quilombolas e faveladas — possa encontrar nas folhas de resposta não apenas perguntas, mas a possibilidade concreta de um amanhã com dignidade e educação.
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* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
