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Gustavo Tapioca

Jornalista formado pela Universidade Federal da Bahia e MA pela Universidade de Wisconsin-Madison. Ex-diretor de redação do Jornal da Bahia, foi assessor de Comunicação Social da Telebrás, consultor em Comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do (IICA/OEA). Autor de "Meninos do Rio Vermelho", publicado pela Fundação Casa de Jorge Amado.

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Eduardo acha que vai repetir Guaidó com apoio de Trump

A fala de Eduardo Bolsonaro pode ser sonho, fantasia, devaneio, ilusão do filho 03 de Jair, perdido no meio dos últimos acontecimentos. Mas serve de alerta

Eduardo Bolsonaro (Foto: REUTERS/Jessica Koscielniak)

Ao se comparar ao venezuelano fabricado por Trump, o deputado revela a estratégia da extrema-direita. Se for derrotada nas urnas ou pela Justiça, apelará ao não reconhecimento internacional do resultado das eleições de 2026.

Abalado pela performance de Lula na abertura da Assembléia Geral da ONU, Eduardo Bolsonaro afirmou em entrevista nessa terça-feira, 23, que é candidato a presidente em 2026.  E mais: "se for declarado inelegível, os Estados Unidos não reconhecerão as eleições brasileiras". A mesma receita usada por Trump contra Maduro em 2019, quando Washington tentou impor Juan Guaidó como presidente paralelo da Venezuela.

O deputado analisa que, se ele estiver inelegível no próximo pleito — eventual consequência de uma condenação pelas articulações com o governo norte-americano para chantagear autoridades brasileiras —, “provavelmente os EUA não reconhecerão a legitimidade das eleições no Brasil."

“Vamos combinar que seria um tanto quanto humilhante para o presidente Trump permitir que um brasileiro, por ir à Casa Branca, onde não se sabe sequer com quem ele encontrou ou o conteúdo das suas conversas, seja tido inelegível numa eleição do Brasil”, declarou Eduardo.

O “Guaidó brasileiro”

Não é figura de linguagem, nem exagero retórico. Eduardo Bolsonaro assumiu publicamente a função que, segundo ele, lhe foi reservada pelo trumpismo. Ao afirmar que, caso seja declarado inelegível, os EUA não reconhecerão o resultado das eleições de 2026, ele encarna o papel de “presidente paralelo”, nos moldes de Juan Guaidó na Venezuela. Em 2019, Donald Trump e seu secretário de Estado, Mike Pompeo, proclamaram Guaidó como “presidente interino” e desencadearam uma ofensiva diplomática, midiática e econômica contra o governo de Nicolás Maduro. Não se tratava de defender a democracia, mas de fabricar um governante de laboratório, útil para justificar sanções, bloqueios e tentativas de golpe.

O paralelo que Eduardo ensaia agora é explícito. Se a Justiça brasileira não permitir sua candidatura, ele tentará converter sua derrota judicial em bandeira política internacional, apoiado diretamente por Washington e pela extrema-direita trumpista. Se vai conseguir ou não, só o tempo dirá.

Inelegibilidade como gatilho de crise

A declaração de Eduardo não deve ser lida como mera bravata. Trata-se de um roteiro preparado, pelo menos na sua cabeça.  Ele sabe que pesa sobre si a possibilidade real de inelegibilidade, seja por seu envolvimento nas tramas golpistas de 8 de janeiro, seja por lesa-pátria, seja pelo uso irregular de recursos e pelas ligações com redes digitais internacionais de desinformação, seja por outros crimes da longa lista que pesa sobre ele. Nesse cenário, a derrota jurídica é imediatamente convertida em narrativa: “não me deixaram concorrer”, logo, “a eleição é ilegítima”. A operação é simples e potencialmente devastadora. Prepara o terreno para o questionamento preventivo do processo eleitoral de 2026. A inelegibilidade de Eduardo funcionaria, assim, como gatilho para uma crise fabricada.

O modelo importado da Venezuela

O que Eduardo anuncia é a importação direta da receita, que já foi testada na Venezuela. E não deu certo, mas fez muito barulho. Ao não reconhecer o resultado das urnas, Trump -- na época em primeiro mandato -- não apenas criou um “presidente paralelo” em Guaidó, como mobilizou aliados internacionais, financiou operações clandestinas e estimulou até tentativas de invasão mercenária do país. Transportar esse modelo para o Brasil seria abrir caminho para um novo ciclo de desestabilização. Em vez de respeitar a soberania e a decisão do povo brasileiro, o trumpismo — agora com Eduardo como ponta de lança — ameaça impor sanções, deslegitimação diplomática e boicote internacional contra um governo eleito.

Trump, Eduardo e a eleição de 2026

É preciso entender as declarações de Eduardo numa engrenagem mais ampla. Donald Trump já opera, desde Washington, um plano agressivo contra a América Latina progressista. As sanções contra o Brasil, aplicadas desde julho de 2025, são parte dessa estratégia. Eduardo, por sua vez, se coloca como correia de transmissão, anunciando e comemorando cada gesto de intimidação da Casa Branca. Para a eleição de 2026, essa possibilidade poderia estar na estratégia dos EUA. Se a extrema-direita trumpista e bolsonaristas perderem nas urnas novamente para Lula — como indicam as pesquisas -- tentará transformar a derrota em “fraude”. Se perder antes, via inelegibilidade, não reconhecerá a provável reeleição de Lula e usará o discurso de perseguição para tentar mobilizar aliados externos. Em ambos os casos, o alvo não é apenas a eleição, mas a própria estabilidade democrática.

Um alerta à soberania nacional

A fala de Eduardo Bolsonaro pode ser sonho, fantasia, devaneio, ilusão do filho 03 de Jair, perdido no  meio dos últimos acontecimentos. Mas serve de alerta. Quando um deputado federal, que se diz candidato à presidência da República — com apoio da extrema-direita de lá e de cá — afirma que o resultado das eleições pode não ser reconhecido por uma potência estrangeira, não estamos diante de uma simples opinião numa mesa de bar. Mas há uma ameaça aberta à soberania brasileira. Afinal, chamar Eduardo Bolsonaro de “Guaidó brasileiro” não é apenas ironia, brincadeira. É o reconhecimento de que ele se apresenta como figura de ruptura, preparada para contestar a legitimidade das urnas e oferecer-se como fantoche de Washington.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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