Dois anos de genocídio: ONU demonstra preocupação, mas adota poucas medidas concretas
O essencial é que a guerra não terminará da forma como Benjamin Netanyahu e seu grupo fascista desejam
À medida que se aproxima o segundo aniversário da Intifada de Al-Aqsa, observamos que a guerra — que os analistas esperavam que terminasse em dois meses, com uma derrota esmagadora para a resistência — ainda está em andamento. Parece, no entanto, estar entrando em seu capítulo final, depois que todas as partes anunciaram a aceitação da iniciativa do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para um cessar-fogo, a libertação de detidos, a entrega de ajuda humanitária aos famintos e a transição para um processo de paz abrangente.
Entretanto, é importante destacar que o establishment fascista israelense não atingiu seus objetivos por meios militares. Não libertou um único refém, não derrotou a resistência nem transformou Gaza em uma esfera de influência a ser administrada conforme seus interesses.
O essencial é que a guerra não terminará da forma como Benjamin Netanyahu e seu grupo fascista — que buscam destruir completamente a entidade palestina, não apenas em Gaza, mas em toda a Palestina — desejam. A máquina de destruição sionista e sua guerra de extermínio sem precedentes transformaram Gaza em uma área inabitável, ou até mesmo irreconhecível. Cidades, ruas, escolas, universidades, hospitais e instituições foram reduzidos a escombros diante dos olhos do mundo.
Esta é a primeira guerra de extermínio da história a ser registrada por câmeras e vídeos em todos os seus detalhes e tragédias. Ao final do segundo ano, o número de mártires, feridos e desaparecidos palestinos ultrapassava de 12% a 14% da população da Faixa de Gaza. Embora apenas 20 dos 251 detidos originais e 28 corpos permanecessem, o número de prisioneiros, detidos e internados palestinos ultrapassou 11 mil, dos quais mais de 70 mártires morreram em prisões fascistas.
O que esperamos — e confiamos — é que os objetivos de Netanyahu e de sua camarilha fascista não sejam alcançados por meio da política, do engano e da trapaça após o cessar-fogo temporário, objetivos que ele não conseguiu atingir pela guerra.
Mas esse não é o nosso foco aqui; o que buscamos é examinar como a comunidade internacional tem lidado com a guerra de extermínio em Gaza nos últimos dois anos.
Posição do Secretário-Geral Guterres
O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, condenou os eventos de 7 de outubro. Ele e seu representante no território palestino ocupado, Tor Wennesland, quase choraram pelas vítimas israelenses e classificaram a operação como um ato de terrorismo, ignorando a destruição sistemática de todas as formas de vida na Faixa de Gaza promovida por Israel antes de 7 de outubro.
O Secretário-Geral fez duas visitas à passagem de Rafah enquanto ela permaneceu aberta, mas não visitou Gaza, como havia feito na Ucrânia. Esteve em Rafah em 20 de outubro e 23 de março de 2024, durante o Ramadã, e repetiu a mesma declaração na passagem:
“Nada justifica os ataques horríveis perpetrados pelo Hamas em 7 de outubro, nem a punição coletiva imposta ao povo palestino.”
Em 24 de outubro de 2023, o Conselho de Segurança realizou uma reunião de alto nível para discutir os eventos em Gaza, depois que ficou evidente que as ações de Israel iam além de uma retaliação pelos ataques de 7 de outubro. Nessa ocasião, o Secretário-Geral fez uma declaração que se tornou famosa e de grande importância:
“O que aconteceu em 7 de outubro não ocorreu no vácuo.
E acrescentou:
“O povo palestino foi submetido a cinquenta e seis anos de ocupação sufocante. Eles viram suas terras sendo continuamente tomadas por assentamentos e atormentadas pela violência.”
Posteriormente, o Secretário-Geral foi duramente atacado pelo embaixador israelense nas Nações Unidas, Gilad Erdan, que pediu sua renúncia, afirmando:
“Você perdeu sua bússola moral. Não pode permanecer como Secretário-Geral nem por mais um minuto.”
Após esse ataque, Guterres recuou significativamente, passou a suavizar sua retórica e não voltou a repetir a afirmação de que o conflito “não aconteceu no vácuo”. Desde então, o Secretário-Geral raramente menciona Israel nominalmente em suas declarações sobre o assassinato de civis, como se o responsável fosse desconhecido.
Ele também se reuniu com familiares de alguns dos detidos em seu gabinete, enquanto seu representante nos territórios ocupados, Tor Wennesland, visitou famílias na Faixa de Gaza — mas sem se encontrar com nenhuma família palestina.
Em 6 de dezembro de 2023, o Secretário-Geral enviou uma carta ao Presidente do Conselho de Segurança, invocando o Artigo 99 da Carta da ONU, após a escala de vítimas civis se tornar evidente. Ele pediu ao Conselho de Segurança que declarasse um cessar-fogo humanitário, o máximo que podia fazer diante da magnitude da tragédia. Em seguida, continuou a repetir sua rotina: cessar-fogo, libertação de reféns e entrega de ajuda humanitária. Essa incapacidade levou-o a ser questionado, em sua coletiva de imprensa de 16 de setembro de 2025: “Por que o senhor não renuncia?”
O Conselho de Segurança da ONU e a Assembleia Geral
Nos últimos dois anos, o Conselho de Segurança realizou ao menos uma reunião por semana, e raramente se passaram duas semanas sem uma consulta, sessão aberta ou reunião de alto nível. Gaza tornou-se a principal preocupação do órgão.
O Conselho adotou quatro resoluções sobre Gaza, enquanto os Estados Unidos vetaram seis projetos de resolução submetidos à votação. O primeiro veto norte-americano foi contra um projeto de resolução apresentado pelo Brasil, derrubado em outubro de 2023. Imagine se o projeto tivesse sido aprovado e a guerra interrompida.
A Rússia também tentou, por duas vezes, apresentar projetos de resolução pedindo um cessar-fogo, mas nenhum deles obteve o mínimo necessário para adoção, devido ao bloqueio antirrusso dentro do Conselho de Segurança.
Os Estados Unidos, por sua vez, apresentaram um projeto de resolução centrado na condenação do Hamas e na defesa do direito de autodefesa de Israel, mas ele foi rejeitado por um duplo veto russo-chinês.
O Conselho de Segurança adotou quatro resoluções sobre Gaza (2712, 2720, 2730 e 2735), todas relacionadas a um cessar-fogo humanitário, à proteção de civis e à entrega de ajuda humanitária.
No entanto, Israel ignorou essas resoluções e chegou a anunciar sua rejeição à Resolução 2735 antes mesmo do término da sessão — embora esta tenha sido apresentada pelos Estados Unidos e refletisse, em grande parte, as ideias israelenses.
A Assembleia Geral também manteve-se atenta ao conflito em Gaza, adotando diversas resoluções que pediam um cessar-fogo e tratavam da elegibilidade da Palestina como membro pleno da ONU.
Além disso, endossou o parecer consultivo do Tribunal Internacional de Justiça, emitido em 19 de julho de 2024, que solicitava o fim da ocupação israelense. O parecer foi incorporado a uma resolução da Assembleia, datada de 18 de setembro de 2024, que pedia o fim da ocupação, o desmantelamento dos assentamentos, a realocação dos colonos e a indenização do povo palestino.
Em outubro de 2023, a Assembleia Geral adotou uma resolução de cessar-fogo, com 121 países votando a favor. Em dezembro do mesmo ano, 158 países aprovaram uma resolução semelhante, demonstrando a convicção internacional de que o que ocorre em Gaza não se trata de autodefesa, mas de uma guerra abrangente contra o povo palestino, ainda que não seja oficialmente reconhecida como uma guerra de genocídio.
Em 10 de maio de 2024, a Assembleia Geral votou um projeto de resolução solicitando ao Conselho de Segurança que reconsiderasse o reconhecimento da Palestina como Estado de pleno direito, seguindo o exemplo da maioria dos países do mundo, após os Estados Unidos terem utilizado seu poder de veto no Conselho de Segurança. Cento e quarenta e três países votaram a favor, nove votaram contra e vinte e cinco se abstiveram.
Em 12 de dezembro de 2024, a Décima Sessão Especial de Emergência da Assembleia Geral das Nações Unidas adotou dois projetos de resolução apresentados pelo Grupo Árabe, pela Organização de Cooperação Islâmica e pelo Movimento dos Países Não Alinhados: o primeiro referente a um cessar-fogo na Faixa de Gaza e o segundo sobre o apoio à UNRWA. O primeiro recebeu 158 votos favoráveis, e o segundo, 159 votos favoráveis.
Entre 28 e 30 de julho de 2025, Arábia Saudita e França realizaram uma sessão especial voltada ao reconhecimento da solução de dois Estados. A reunião resultou na “Declaração de Nova York sobre a Solução de Dois Estados”, adotada pela Assembleia Geral em 12 de setembro de 2025, com 142 votos favoráveis e apenas dez votos contrários.
Em 22 de setembro de 2025, a Assembleia Geral realizou uma sessão especial para reconhecer o Estado da Palestina, ocasião em que países importantes como França, Reino Unido, Canadá, Bélgica e outros anunciaram oficialmente o reconhecimento do Estado Palestino, elevando o número de países apoiadores para 157.
Altos Funcionários da ONU
O envolvimento da Organização das Nações Unidas com o povo e a causa palestina ampliou-se significativamente, e a guerra genocida em Gaza tornou-se a principal preocupação da ONU nos últimos dois anos.
Diversos altos funcionários internacionais manifestaram publicamente suas opiniões sobre o conflito em Gaza e na Cisjordânia, entre eles: o Coordenador de Assuntos Humanitários, o Comissário-Geral da UNRWA, o Diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde, o Diretor Executivo do UNICEF, o Diretor Executivo do Programa Mundial de Alimentos, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a Corte Internacional de Justiça e o Tribunal Penal Internacional.
A UNESCO, por sua vez, manteve-se praticamente ausente, limitando-se a emitir algumas declarações sobre o assassinato de jornalistas.
Posições Comuns
Um conjunto de posições tem sido repetido na maioria — senão em todas — as declarações feitas por altos funcionários quando discutem Gaza e o que ocorre naquele território. Há algumas exceções, particularmente no caso da Sra. Francesca Albanese, Relatora Especial sobre violações de direitos humanos nos Territórios Palestinos Ocupados, que goza de maior independência por não ser uma funcionária internacional oficial nem receber um salário mensal.
Essas são as posições que as autoridades internacionais têm reiterado com frequência:
Condenar nominalmente o Hamas e considerar suas ações atos injustificados de terrorismo.
Afirmar o direito de Israel à legítima defesa. Essa cláusula, contudo, começou a desaparecer ou passou a ser acompanhada da ressalva: “O direito à legítima defesa não justifica as ações de Israel.” Quando condenam a matança de civis em Gaza, raramente mencionam Israel de forma direta.
Evitar relacionar o que ocorreu em 7 de outubro à situação geral em Gaza ou na Palestina, omitindo referências ao bloqueio, à ocupação, aos assentamentos e aos milhares de palestinos detidos.
Vincular a exigência de um cessar-fogo imediato à libertação imediata e incondicional dos reféns israelenses, sendo que alguns chegaram a exigir a libertação dos reféns como condição prévia.
Permitir que a ajuda humanitária chegue a toda a Faixa de Gaza sem restrições, transferindo a responsabilidade por sua distribuição a organizações internacionais, principalmente à UNRWA.
Vejamos alguns exemplos dessas autoridades;
Volker Türk, Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, emitiu duas breves declarações sobre os eventos em Gaza e realizou uma visita de campo à Faixa de Gaza.
Sua primeira declaração foi equilibrada — e a única a pedir a suspensão das operações militares desde o início. Nela, afirmou:
“Todas as partes devem cessar imediatamente os ataques contra civis, ou aqueles que possam causar mortes e ferimentos desproporcionais a civis, ou danos a bens civis. A imposição de um bloqueio que coloque em risco a vida de civis, privando-os de bens essenciais para sua sobrevivência, é proibida pelo Direito Internacional Humanitário.”
Ele também apelou aos grupos armados palestinos para que libertassem imediatamente todos os civis.
Francesca Albanese, Relatora Especial da ONU sobre violações de direitos humanos nos territórios ocupados desde 1967, distingue-se por uma coragem rara, razão pela qual os Estados Unidos têm tentado destituí-la.
Em sua declaração, relembrou o que ocorreu com os palestinos em 1948, afirmando:
“Há um grave perigo de que o que estamos testemunhando possa ser uma repetição da Nakba de 1948 e da Naksa de 1967, mas em maior escala.”
A comunidade internacional, acrescentou, deve fazer todo o possível para evitar que isso se repita.
Ela recordou ainda que autoridades israelenses haviam clamado abertamente por outra Nakba, o que resultou na expulsão de mais de 750 mil palestinos de suas casas e terras entre 1947 e 1949, durante as hostilidades que levaram à criação do Estado de Israel.
A relatora concluiu:
“Israel efetivamente realizou uma limpeza étnica em massa de palestinos sob o manto da guerra.”
Martin Griffiths, Coordenador Humanitário da ONU, condenou as ações do Hamas e afirmou que a tomada de reféns por Israel é inaceitável e ilegal.
Contudo, opôs-se à ordem de realocação dos moradores do norte de Gaza para o sul, declarando:
“Não se pode pedir às pessoas que se afastem do perigo sem ajudá-las a fazê-lo, e que se dirijam a um local de sua escolha, onde a assistência humanitária de que necessitam esteja disponível.”
Tom Fletcher, sucessor de Griffiths e também britânico, mostrou-se mais incisivo que seu antecessor. Em 13 de maio de 2025, ele invocou o termo “guerra de genocídio”, o que provocou repercussão mundial.
O embaixador de Israel na ONU chegou a pedir ao Secretário-Geral que se desculpasse pelas declarações de Fletcher.
Tribunal Penal Internacional — Karim Khan realizou duas visitas à passagem de Rafah, não para expressar solidariedade ao povo oprimido de Gaza, mas para afirmar que as imagens horríveis que testemunhou em Israel, em 7 de outubro — de incêndio criminoso, estupro, massacre e tomada de reféns — não poderiam ficar impunes, classificando-as como crimes graves segundo o Direito Internacional Humanitário.
Em seguida, ele realizou uma visita de três dias a Israel (de 1º a 3 de dezembro de 2023), a convite das famílias de prisioneiros israelenses, convite que aceitou prontamente, embora Israel não seja membro do Tribunal.
Durante a visita, fez declarações contundentes antecipando as investigações e afirmou ter motivos para acreditar que os atos descritos como crimes pelo Direito Internacional foram cometidos pelo Hamas em 7 de outubro.
Expressou simpatia pelas famílias dos israelenses sequestrados e libertados, chegando até a chorar ao se encontrar com familiares de prisioneiros.
Em 20 de maio de 2024, Khan solicitou à Câmara de Pré-Julgamento a emissão de mandados de prisão contra dois israelenses e três palestinos, em um ato interpretado como demonstração de parcialidade.
Os mandados foram emitidos em 20 de novembro de 2024.
Posteriormente, um caso de assédio sexual foi movido contra ele por uma funcionária de seu escritório, o que o levou a deixar o cargo sem apresentar renúncia formal, e os trabalhos do tribunal foram completamente interrompidos.
As declarações mais perturbadoras sobre Gaza vieram de três autoridades internacionais:
A queniana Alice Wairimu Nderitu, Conselheira Especial para a Prevenção do Crime de Genocídio;
A argentina Virginia Gamba, Representante Especial do Secretário-Geral para Crianças e Conflitos Armados;
E Pramila Patten, Representante Especial do Secretário-Geral para Violência Sexual em Conflitos Armados.
Qualquer pessoa que lesse suas declarações e relatórios poderia acreditar que os palestinos estariam travando uma guerra de extermínio contra Israel.
Imagine que Virginia Gamba, em seu relatório anual sobre crianças e conflitos armados, registrou apenas o assassinato de 1.259 crianças em Gaza durante todo o ano de 2024.
O que poderia ser mais tendencioso do que isso?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.