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      Gustavo Tapioca

      Jornalista formado pela Universidade Federal da Bahia e MA pela Universidade de Wisconsin-Madison. Ex-diretor de redação do Jornal da Bahia, foi assessor de Comunicação Social da Telebrás, consultor em Comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do (IICA/OEA). Autor de "Meninos do Rio Vermelho", publicado pela Fundação Casa de Jorge Amado.

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      Crônica do fim de Bolsonaro e a reação do tabuleiro global

      A queda de Bolsonaro expõe os limites do autoritarismo e fortalece a democracia que ele tentou destruir

      Jair Bolsonaro em Brasília, Brasil, em 29 de julho de 2025 (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

      Devagar, quase sorrateiramente, Jair Bolsonaro vai descendo os degraus rumo ao fundo do poço — ao que tudo indica, sem escapatória. Cada passo tem sido marcado por escândalos, investigações e, agora, medidas judiciais concretas. Se há poucos anos ele ocupava o Palácio do Planalto, cercado de áulicos e delírios golpistas, hoje vive a solidão do ex-presidente acuado, de tornozeleira no tornozelo e medo no olhar.

      A primeira rachadura veio ainda no governo, com a CPI da Covid escancarando negligências e suspeitas. Mas o ex-capitão sempre zombava da Justiça, achando que a blindagem política era eterna. Não era. O tempo passou, e o cerco se fechou.

      Vieram as joias sauditas escondidas na mochila, a falsificação do cartão de vacina, os esquemas com milicianos digitais e os acenos descarados a um golpe de Estado. Documentos apreendidos, áudios, PowerPoints mal diagramados e generais delatores — tudo isso foi compondo a biografia de um presidente que achava que podia tudo, até mesmo o que a Constituição não permite.

      No já histórico 4 de agosto de 2025, mais um capítulo se escreveu. Após o uso de tornozeleira eletrônica, Bolsonaro passou oficialmente à prisão domiciliar. A decisão foi tomada após a violação dos deveres impostos pelas medidas cautelares: manteve contato com investigados, falou demais em entrevistas, continuou a insuflar seus seguidores mais radicais. Achava que podia repetir a velha fórmula do confronto — mas o Judiciário já não ri de suas bravatas.

      A prisão domiciliar não é o fim, mas é o penúltimo degrau. A cela talvez esteja mais próxima do que se imagina. A diferença é que, desta vez, não haverá multidões gritando “mito” na porta da Papuda. Os que restam estão mais preocupados em salvar a própria pele. E os que ainda o defendem o fazem em grupos de WhatsApp, cada vez mais vazios e histéricos.

      Assim caminha Jair Bolsonaro. Sem mandato, sem foro, sem aliados — e agora, sem liberdade plena. Devagarzinho, como quem não quer ir... mas vai.

      O que parecia uma crônica de decadência pessoal é, na verdade, um episódio político com peso histórico. A prisão domiciliar de Bolsonaro sinaliza que o Brasil não está disposto a esquecer nem a perdoar. E levanta a pergunta inevitável: quem ganha, quem perde — e como o mundo reage quando um ex-presidente golpista é finalmente contido?

      Quem ganha

      Ganha o Estado de Direito brasileiro. Após anos sendo testado por bravatas, fake news, motociatas e ameaças de ruptura institucional, o sistema jurídico brasileiro resiste. A prisão de Bolsonaro não é espetáculo. É consequência. Mostra que as instituições, por mais tensionadas, funcionam. E que não se pode zombar da Constituição impunemente.

      Ganha o Supremo Tribunal Federal. Tão atacado, ameaçado, acusado de “ativismo”, o STF se manteve como anteparo institucional do país. Alexandre de Moraes virou símbolo de resiliência constitucional. Agora, com a prisão domiciliar, o STF reafirma seu papel. Não legisla, não governa, mas pune quem tenta destruir o que está em vigor.

      Ganha a democracia latino-americana. A responsabilização de Bolsonaro reverbera além das fronteiras. Coloca o Brasil como referência num momento em que países da região enfrentam ofensivas autoritárias. Mostra que é possível enfrentar populistas armados de fé, ódio e desinformação — e vencê-los com leis, provas e instituições.

      Ganha Lula. Sem precisar tocar diretamente no processo, o presidente vê seu principal antagonista político ser derrubado por seus próprios erros. E mais: com isso, consolida-se como figura de estabilidade no momento em que o país mais precisa de previsibilidade.

      Quem perde

      Perde o bolsonarismo. A prisão domiciliar desmonta a ideia do “mito invencível”. O líder virou réu. O general virou delator. O movimento perde coesão, direção e ânimo. Grupos radicais ainda resistem, mas são frágeis. O PL já começa a se reorganizar. Michelle Bolsonaro tenta manter viva a chama do conservadorismo, mas sem estrutura, sem narrativa e com a sombra de processos à espreita.

      Perdem os cúmplices. O Centrão que se locupletou no governo, os empresários do agro que financiaram a destruição, os militares que fecharam os olhos (ou assinaram decretos golpistas), os pastores que trocaram a Bíblia por verbas do MEC — todos eles assistem à queda de seu pilar. Sem Bolsonaro, ficam expostos. E, com a delação de aliados próximos, é só questão de tempo até que mais nomes figurem nas manchetes.

      Perdem o garimpo ilegal, o desmatamento, o armamento da sociedade, o negacionismo institucional. Todos os vetores de retrocesso que encontraram em Bolsonaro um patrono agora buscam novo abrigo. Ou recuam.

      E Trump?

      Donald Trump assiste à queda de seu aliado brasileiro com um misto de cálculo e raiva. De um lado, perde um amigo leal. Bolsonaro foi seu espelho no hemisfério sul: negacionista, agressivo, conspirador. Agora, trancado em casa, o ex-capitão deixa um vácuo no circuito internacional da extrema direita. Isso enfraquece a retórica global do “patriotismo contra o globalismo”.

      De outro, Trump vê a oportunidade de fazer o que faz de melhor: transformar tudo em narrativa. É possível que ele use a prisão de Bolsonaro para reforçar seu discurso de perseguição, dizendo que o “sistema” está caçando os “líderes do povo” no mundo todo. Pode dizer que ele é o próximo, que estão armando para tirá-lo das eleições americanas de 2026 e que Bolsonaro foi só o começo.

      Trump pode retaliar o Brasil? Sim. Já impôs tarifas sob pretextos absurdos. Pode boicotar a COP 30, sabotar acordos multilaterais, estimular congressistas republicanos a atacarem o governo Lula ou usar a máquina diplomática para desgastar o país. Pode, inclusive, ativar seus aliados brasileiros — como Eduardo Bolsonaro, Paulo Figueiredo, jornalistas e pastores de extrema direita — para incendiar as redes com fake news sobre perseguição política.

      Mas Trump também é pragmático. Se Bolsonaro se tornar um passivo tóxico, pode descartá-lo — como fez com Rudy Giuliani, Steve Bannon e tantos outros. O que importa para Trump é Trump. E, se Bolsonaro parar de ser útil para sua narrativa, será reduzido a um ex-aliado conveniente e agora dispensável.

      Conclusão

      A prisão — mesmo que ainda domiciliar — de Jair Bolsonaro é mais que um fim. É um alerta. Mostra que líderes autoritários podem até vencer eleições, manipular massas, nomear ministros e insultar jornalistas. Mas há um limite. E esse limite, quando cruzado, cobra seu preço.

      O Brasil, depois de quase tombar, reage. E, ao fazer isso, manda um recado ao mundo: a democracia brasileira respira. E respira com fôlego para punir até os que mais a ameaçaram.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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