Crime comum ou crime político?
A conclusão da Polícia do Paraná no caso Marcelo Arruda foi uma afronta ao direito, à democracia e uma espécie de sinal que pode encorajar outros delitos
A conclusão açodada da Delegada paranaense Camila Ceconello, Presidente do Inquérito Policial que investigou o assassinato do Guarda Municipal Marcelo Arruda, pelo Policial Penal Jorge Guaranho, de que não há provas suficientes para caracterizar “motivação política” foi uma afronta ao direito, à democracia e, ainda, uma espécie de sinal contrário, que pode encorajar o cometimento de outros delitos por pessoas que insistem em não respeitar o jogo democrático.
Não vou, por óbvio, neste texto, nem de longe, cogitar a hipótese de que a conclusão equivocada da Delegada referida deveu-se ao fato de que o Governador do Paraná, Ratinho Júnior, e seu Secretário de Segurança são bolsonaristas assumidos e , por isso, a Delegada que dirige a DHPP e que preside o IP teria se sentido pressionada em sua decisão. Fico na questão técnica.
Como se sabe, para que se configure um crime político, conforme vasta jurisprudência é necessária motivação política. No caso em tela, qualquer acadêmico dos primeiros semestres do curso de direito, na exegese do fato telado, à luz da legislação constitucional e penal, chegaria a esta conclusão. Aliás, a própria mãe do autor do crime reconheceu este fato.
Guaranha, o assassino de Marcelo, foi quem, de forma isolada, desencadeou toda a tragédia. Foi ao local da festa privada onde se comemorava o aniversário de Marcelo Arruda, que não conhecia, em torno da meia-noite de um sábado. Foi movido por sentimento de ódio, de intolerância política, ao ser informado que no clube em que seria sócio ocorria uma festa de aniversário. E que esta era também temática– homenageava o candidato Lula e o Partido dos Trabalhadores.
O assassino foi ao local privado, para o qual não fora convidado, por duas vezes. Na primeira, acompanhado da esposa e uma filha de colo. Chegou com o rádio do carro tocando música alta, alusiva ao seu candidato – Bolsonaro. Passou, de imediato, a proferir um discurso de ódio (aqui é Bolsonaro, Lula ladrão...). Brandia também uma arma. Estabeleceu-se uma confusão e a vítima Marcelo teria jogado um punhado de terra em direção a Guaranha. Este, o assassino, segundo testemunhas, prometeu “voltar para matar Marcelo (que não conhecia), bem como aos demais participantes da festa.”
Esta afirmação do assassino, que não só voltaria para matar Marcelo, “mas também outras pessoas presentes”, caracteriza, de forma inequívoca, a motivação política de seu crime. Evidente que Guaranha, posteriormente, não retornou ao local porque teve jogado contra seu carro um punhado de terra. Assim, o assassino, claramente, retornou ao local com motivação política de encerrar a festa, matar o aniversariante e também outras pessoas, movido pelo ódio, pela intolerância. Praticou o crime por motivação política. Outras pessoas não foram felizmente assassinadas graças a destreza da vítima, que em um esforço final conseguiu balear o assassino e, assim, impedi-lo de cometer outros crimes.
Em síntese: a Delegada cometeu ,a uma, erro de procedimento, ao de forma açodada concluir o Inquérito, sem análise de várias provas (perícia do celular do autor do crime) que poderiam comprovar a ocorrência de outra(s) qualificadora(s) ou causas de aumento de pena. A duas e mais importante: interpretou equivocadamente os fatos, ao entender que o assassinato não ocorreu por motivação política, mas por motivação comum. Segundo ela, a escalada da violência – o fato da vítima ter jogado terra no carro do autor do crime – subsumiu, sobrepujou a motivação política inicial que levou o assassino até a cena do crime. Ou seja, que ele matou Marcelo não por intolerância política, mas porque a vítima jogou terra em seu carro. É absurda a tese da Delegada. A três, porque confundiu em seu relatório o significado de motivação do crime – no caso “política”- com o que se compreende por crime político material, que advém da motivação política e crime politico formal, que depende da existência de tipificação.
Embora a deficiência da legislação, a jurisprudência pátria é quase unânime em considerar crime de natureza política o delito que é cometido por motivação política. Não se sustenta o discurso da Delegada que qualquer crime só pode ser considerado político se infringir dispositivos da Lei 14.197 de 2021, que trata de crimes contra o Estado Democrático de Direito. A Lei referida trata de alguns tipos penais, que infringidos caracterizam-se como crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Com a Nota da Polícia Civil do Paraná, no domingo último (17/72022), o que já estava muito confuso ficou ainda pior. Como se usa dizer: “a emenda ficou pior que o soneto”. Pressionada por juristas, acadêmicos, analistas, jornalistas, sociedade civil e outros, a polícia civil paranaense tentou justificar seu trabalho. Disse, em resumo: que agiu de forma técnica; que o indiciamento ofertado - homicídio duplamente qualificado - é o mais severo e, por fim, que não existe a qualificadora de “motivação política”.
Com a devida vênia, não concordamos com estas afirmações. Em primeiro lugar porque os procedimentos seguidos pelos policiais da DHPP do Paraná não foram nada técnicos. Não se sabe por quais razões a Delegada Camila Ceconello, que tinha 10 (dez) dias, renováveis por mais 10 (dez) para concluir o IP, o fez com tamanha pressa, em apenas 05 (cinco) dias. Ademais, sem contar com várias provas importantes, como a perícia do celular do autor do crime, outras provas testemunhais e sem valorar devidamente o depoimento da policial Pâmela, esposa do falecido, que teve papel de destaque em todo o iter criminis. Em segundo lugar, o indiciamento de Jorge Guaracho (homicídio duplamente qualificado) poderia ser mais gravoso para o réu, tivesse a Presidente do IP acolhido a motivação política. Esta poderia ser enquadrada no art. 121, §2º, inciso II do CP (motivo fútil) tornando o crime triplamente qualificado, ou mesmo, já que há divergências, possibilitado ao futuro Juiz da causa, quando da sentença, na primeira etapa de aplicação da pena – dosimetria – aplicar pena mais severa.
Cabe agora ao Ministério Público corrigir tamanho equívoco, determinando à autoridade policial o aprofundamento das investigações, ou encaminhar ao Judiciário Denúncia que contemple a motivação política do crime, a qual pode aumentar a pena do autor.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
