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Miguel do Rosário

Jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje

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Conversa de Lula e Trump fecha o caixão do bolsonarismo

O bolsonarismo perdeu sua única moeda de troca: o acesso ao poder americano

Donald Trump e Lula (Foto: Reuters | ABR)

A videochamada entre o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na manhã de 6 de outubro de 2025, representa o último prego no caixão do bolsonarismo. Foi Trump quem ligou para Lula, detalhe que o brasileiro fez questão de registrar. Conversaram por 30 minutos, acompanhados por Fernando Haddad, Mauro Vieira, Celso Amorim e Geraldo Alckmin. Segundo apuração de Mônica Bergamo, Trump disse a Lula que o encontro com ele “foi a única coisa boa que aconteceu na ONU”. 

A declaração reforça uma química que, na realidade, é o esforço de Trump para sair da armadilha que ele próprio criou ao ouvir um bando de fracassados e golpistas como Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo. Agora negocia com quem tem bala na agulha: o presidente Lula e o empresariado brasileiro. Lula foi direto: pediu o fim da sobretaxa de 40% sobre produtos brasileiros e a retirada das sanções contra autoridades do país. Trump designou o Secretário de Estado Marco Rubio para negociar. Trocaram telefones pessoais. Acordaram se encontrar em breve. Checkmate diplomático.

Enquanto Lula articulava em alto nível, a família Bolsonaro assistia sua irrelevância ser decretada em tempo real. Eduardo Bolsonaro, que se vendia como o único canal com Trump, foi atropelado. Sua postagem desesperada prometendo não deixar que seu pai fosse tratado como “uma carniça política a ser rapinada por abutres” soa patética diante dos fatos. Carlos Andreazza, colunista do UOL, disse em sua análise de hoje de manhã, dissecando a fratura exposta: a direita brasileira está em guerra civil. 

De um lado, Ciro Nogueira e o Centrão pragmático já trabalham com a inelegibilidade de Jair Bolsonaro como fato consumado, buscando nomes “viáveis” como Tarcísio de Freitas ou Ratinho Júnior para 2026. Do outro, Eduardo e sua tropa de choque recusam qualquer alternativa que não represente a pureza ideológica do movimento.

Eduardo Bolsonaro colocou-se em um beco sem saída. Ao radicalizar o discurso a ponto de classificar o Brasil como uma “ditadura judicial” e pregar que não haverá eleições em 2026, tornou impossível apoiar um candidato do sistema sem implodir sua própria coerência. Qualquer recuo seria visto como traição pelo núcleo duro que ele cultivou. 

Andreazza observa que Eduardo não dá sinais de que apoiará Tarcísio. O autoisolamento é inevitável. Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação de Bolsonaro, tentou desqualificar a conversa Lula-Trump como evidência de uma “política externa retrógrada, lenta e sem tecnicidade”. A crítica soou vazia diante da eficácia do contato.

O grande empresariado brasileiro já demonstrou que não precisa da família Bolsonaro como intermediária. Os irmãos Batista, maiores produtores de proteína do mundo, contrataram lobistas ligados ao movimento MAGA, superiores aos que Eduardo Bolsonaro alegava ter acesso. Conversaram diretamente com Trump. Agora Lula também. 

O bolsonarismo perdeu sua única moeda de troca: o acesso ao poder americano. A política externa brasileira, sob Lula, usou o tarifaço de Trump como oportunidade para diversificar mercados, abrir novas linhas de crédito para pequenos e médios exportadores e reposicionar o país no mercado internacional de produtos e serviços. Enquanto isso, Eduardo Bolsonaro retuitava o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, que se gabava de ter feito impeachment de todos os ministros do Supremo de seu país para implementar suas políticas autoritárias. A postagem, também retuitada por Elon Musk, era uma resposta a um juiz americano que bloqueou Trump de enviar tropas militares a Portland. Grotesco.

A polarização tem seu lado positivo: dá transparência de que lado cada um está. Vejamos o caso de Ciro Gomes, por exemplo, que agora tenta reconstruir sua carreira política através de uma aliança com o bolsonarismo no Ceará. Quando saiu da eleição de 2022 com menos de 3% dos votos, disse que não seria mais candidato. Seus apoiadores entenderam que ele teria mais liberdade para participar de debates políticos sem as amarras de um processo eleitoral. O silêncio dele sobre os grandes temas políticos do nosso tempo só tem uma explicação: não quer se queimar com o bolsonarismo. 

Nenhum comentário sobre os ataques de Trump ao Brasil, nenhuma palavra sobre o julgamento do ex-presidente no STF. Tampouco denuncia o genocídio em Gaza, obrigação moral de toda liderança progressista. Ciro tem que decidir qual papel quer na história: ser uma subcelebridade da extrema direita, com videozinhos compartilhados por Bolsonaro, ou uma liderança política com um papel positivo na defesa da nossa democracia. Se escolhesse o segundo caminho, teria feito, como Lula, Gustavo Petro e outros, a denúncia dessa tragédia humanitária na Palestina. 

Lula já o fez várias vezes, inclusive na ONU, mesmo pagando o preço por ir contra o lobby sionista. A única comunicação que sai da boca de Ciro há muito tempo é bater no Lula. Este era o momento para qualquer liderança democrática se posicionar em favor da soberania brasileira, contra o golpismo e o fascismo, perigos reais. A tese de Ciro de que o ex-presidente não representava perigo à democracia se provou perigosamente equivocada. O julgamento, realizado de maneira transparente e pública, ofereceu ao Brasil e ao mundo uma quantidade imensa de documentos, provas, testemunhos e delações que não deixam dúvidas sobre sua responsabilidade nos crimes dos quais é acusado, provando que ele sempre trabalhou para minar as instituições. Ciro busca votos bolsonaristas para uma inviável candidatura ao governo do Ceará, onde Elmano de Freitas tem 56% de aprovação.

O debate entre Deltan Dallagnol e Marco Antonio Villa na Jovem Pan, neste final de semana, igualmente ilustra bem como a polarização deixa as coisas mais claras. Dallagnol, que se prestava como campeão da luta contra a corrupção, hoje é um defensor vulgar de Jair Bolsonaro, encampando todas as teses golpistas. Na entrevista, não consegue negar nenhum dos crimes dos quais o ex-presidente é acusado. Apenas busca opor firulas jurídicas, virando um rábula de porta de cadeia. Publicou em suas redes como se tivesse “destruído” Villa, mas a impressão que eu e muita gente tivemos foi exatamente oposta. 

A polarização, que muitos querem acabar, é na verdade a essência da política. Ela deixa claro quem está interessado em salvar o ex-presidente e quem está interessado em salvar a democracia. Em 2026, essa divisão será ainda mais evidente: de um lado, os defensores das instituições democráticas; do outro, extremismo, violência política e retrocesso social.

Dallagnol critica o STF dizendo que aplica a teoria da democracia militante de Carl Schmitt, quando na verdade essa teoria é de Karl Loewenstein, alemão que fugiu do nazismo e se exilou nos Estados Unidos. Loewenstein era o grande adversário intelectual de Schmitt. Schmitt fazia uma crítica dura, mas de certa forma correta, às vulnerabilidades da democracia liberal, argumentando que ela, ao depender tanto do debate público, ficaria exposta à manipulação da mídia, às articulações de uma elite financeira, burocracia estatal, corporações militares e até excessos populares. 

Loewenstein se opôs a isso e apresentou uma solução: os regimes democráticos deveriam ser militantes, no sentido de combater assertivamente aqueles que querem destruí-los. É uma tese que hoje, no Brasil, é vencedora. Nos Estados Unidos, o regime democrático está aprendendo da maneira mais dura que, se quiser sobreviver, suas instituições também vão ter que arregaçar as mangas e lutar. Vários setores democráticos americanos já caíram sob a bota autoritária de Trump. Agora vão precisar de um judiciário firme, como foi o judiciário brasileiro no enfrentamento do autoritarismo de Bolsonaro.

Com a oposição canibalizando a si mesma e refém de setores extremistas, antipatrióticos e subversivos, o campo moderado acaba sendo atraído por Lula, visto como um porto seguro de bom senso, moderação e respeito às instituições. A decisão dos ministros Celso Sabino (Turismo, União Brasil) e André Fufuca (Esporte, PP) de permanecerem no governo, mesmo contra a vontade de seus partidos e sob ameaça de expulsão, é mais uma prova desse bom momento da administração e de que em 2026 Lula terá condições de atrair setores importantes do centro político. 

Setores variados deste espectro, que foram tão importantes em 2022, voltam a se aproximar de Lula com razões ainda mais fortes do que na última eleição presidencial. Se antes a questão democrática era fundamental no debate político, dessa vez somam-se fatores ainda mais poderosos: a soberania nacional, a independência das instituições, o orgulho e a dignidade do Brasil. O checkmate diplomático de Lula no Tio Sam selou o destino político da extrema direita brasileira, cuja única chance seria se reinventar ao centro e se distanciar do extremismo ideológico. Mas isso não parece viável nas circunstâncias atuais, pois o bolsonarismo tem uma base eleitoral radicalizada. Está num beco sem saída: se perder esse eleitorado, não consegue eleger deputados e senadores; se mantiver o radicalismo exagerado, não constrói uma campanha agregadora o suficiente para enfrentar Lula. Como diria o próprio Bolsonaro: “Acabou, porra!”

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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