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Gustavo Tapioca

Jornalista formado pela Universidade Federal da Bahia e MA pela Universidade de Wisconsin-Madison. Ex-diretor de redação do Jornal da Bahia, foi assessor de Comunicação Social da Telebrás, consultor em Comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do (IICA/OEA). Autor de "Meninos do Rio Vermelho", publicado pela Fundação Casa de Jorge Amado.

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Consequências da morte de Kirk no Brasil

Assassinato de Charlie Kirk vira trunfo político para Trump, ecoa no bolsonarismo e intensifica a narrativa global de radicalização

Correligionários depositam flores em homenagem a Charlie Kirk (Foto: Reuters)

O atentado que matou Charlie Kirk, fundador da Turning Point USA e símbolo do movimento trumpista, tornou-se combustível político de alto risco. Mais que um crime bárbaro, a execução pública do jovem ativista transforma-se em arma eleitoral e ameaça ampliar a radicalização nos Estados Unidos e em várias partes do mundo — Brasil incluído. A pergunta central é: a quem interessa politicamente a morte de Kirk?

O mártir da direita

Charlie Kirk não era um militante qualquer. Aos 31 anos, havia consolidado uma rede poderosa de mobilização entre jovens conservadores e se tornara peça estratégica no arsenal político de Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos. Sua morte violenta, em pleno campus universitário, já o transformou em mártir do movimento MAGA.

Trump anunciou que concederá a Kirk, postumamente, a Medalha Presidencial da Liberdade. A extrema-direita de lá e de cá, por sua vez, transforma o episódio em prova viva de que estaria sob perseguição. O resultado imediato é o fortalecimento do discurso da extrema-direita trumpista nos EUA, com reflexos diretos na extrema-direita bolsonarista no Brasil: “O inimigo não apenas diverge, mas deseja eliminar fisicamente seus líderes.”

O cálculo eleitoral

No curto prazo, o crime interessa diretamente a Trump e aos republicanos, que exploram a tragédia para mobilizar sua base e apresentar-se como vítimas de um sistema em guerra. Kirk, agora elevado à condição de herói caído, oferece à direita uma narrativa poderosa: “Quem ousa desafiar a hegemonia liberal corre risco de morte.”

Para os democratas, o episódio é uma armadilha. Condenar a violência é obrigação, mas qualquer crítica à retórica inflamada de Kirk pode soar como justificativa para o crime. Assim, a morte dele sufoca nuances e impõe silêncio à oposição, que se vê obrigada a adotar uma postura defensiva.

A universidade no centro da guerra cultural

O palco do crime não é detalhe. Nada menos do que uma universidade, espaço que já se tornou símbolo do confronto ideológico nos EUA. Para a direita, o assassinato de Kirk no campus reforça a imagem de hostilidade institucional contra conservadores.

Para a esquerda, o episódio revela falhas gritantes de segurança e abre espaço para questionar a retórica belicosa que transformou a arena política em campo de batalha. No entanto, o saldo imediato é favorável à direita. Ao ocupar a cena com o discurso da vitimização, republicanos reforçam sua ofensiva contra o que chamam de “aparelhamento progressista” nas universidades.

As consequências políticas no Brasil

O impacto não se limita aos Estados Unidos. O assassinato de Kirk ecoa diretamente no Brasil, onde a extrema-direita bolsonarista atravessa seu pior momento. Jair Bolsonaro foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal a mais de 27 anos de prisão, seus generais e ministros foram igualmente punidos, e a narrativa golpista sofre duro abalo.

Nesse cenário de derrota judicial e de desorientação política, a morte de Kirk funciona como um revigorante simbólico para a extrema-direita brasileira. Reforça a retórica do “martírio” e da perseguição, e oferece aos bolsonaristas um paralelo imediato: assim como Trump e Kirk seriam perseguidos pelo sistema, também Bolsonaro e seus aliados se apresentam como vítimas de um complô global.

Um bolsonarismo órfão e uma direita hesitante

O crime ocorre justamente quando nem a extrema-direita, nem a direita liberal brasileira definiram seus candidatos para disputar a presidência contra Lula em 2026. O campo conservador está fragmentado, dividido entre o bolsonarismo órfão e uma direita liberal hesitante.

Nesse vazio, a narrativa da vitimização ganha fôlego, podendo reorganizar setores radicais em torno de um novo nome — seja Tarcísio de Freitas, Michelle Bolsonaro, um dos filhos de Jair ou outro personagem ainda em gestação.

Enquanto isso, Lula consolida a dianteira, reforça o discurso de defesa da democracia, cresce nas pesquisas e caminha célere para a reeleição, esperando encontrar no caminho seu adversário da extrema-direita ou da direita liberal. A morte de Kirk, portanto, entra como peça de um tabuleiro nacional no qual a extrema-direita busca novas forças para resistir à maré contrária.

A reação dos órfãos da extrema-direita brasileira

Como não podia deixar de ser, a extrema-direita brasileira órfã de seu líder máximo, Jair Bolsonaro — condenado pelo STF e preso — tenta aproveitar politicamente o assassinato de Kirk, fazendo todo tipo de ilações.

  •  Bia Kicis (PL-DF) afirmou: “A esquerda mata. Cite um político de esquerda assassinado pela direita nos últimos 10 anos. Já o contrário.”
  •  Filipe Barros (PL-PR) declarou: “O mundo assiste chocado ao assassinato de Charlie Kirk, líder do movimento MAGA… Um ícone para os jovens americanos, ele tinha na liberdade seu valor mais caro — e deixava claro por onde passava que o contraditório era a essência da democracia.”
  •  Nikolas Ferreira (PL-MG) foi além: “Se a esquerda mata pessoas e não é chamada de ‘extrema-esquerda’, imagine se fosse. [...] Eles querem nos silenciar, mas o que conseguiram foi nos despertar. Charlie Kirk não partiu em vão. E quando tentarem nos esmagar, perceberão tarde demais: criaram uma geração que jamais será derrotada.”

Essas manifestações revelam como a extrema-direita brasileira busca associar sua crise interna à narrativa internacional de perseguição. Em vez de discutir a gravidade do crime ou refletir sobre o clima de violência política, preferem usar a morte de Kirk como combustível ideológico e desculpa para reforçar o discurso da vitimização.

Radicalização e risco global

Do ponto de vista social, a morte de Kirk funciona como gatilho para uma nova onda de polarização. A violência política nos EUA ganha mais um capítulo, comparável ao assassinato de figuras como Robert F. Kennedy, morto em 5 de junho de 1968, em Los Angeles, logo após vencer as primárias do Partido Democrata na Califórnia. Estava em plena campanha presidencial, disputando a indicação democrata. A morte interrompeu sua candidatura no auge.

Para além das fronteiras americanas, o episódio é visto como sinal de alerta. A democracia mais poderosa do planeta não consegue proteger seus próprios líderes de um clima de ódio crescente. O mundo observa com preocupação, e a extrema-direita ganha munição para afirmar, do jeito que proclamam reiteradamente como palavra de ordem: “Só um governo autoritário seria capaz de restaurar ordem e segurança.”

Campo de extermínio

Politicamente, a morte de Charlie Kirk interessa sobretudo à direita trumpista, que dela extrai dividendos eleitorais imediatos. Interessa também ao discurso de guerra cultural que transforma adversários em inimigos mortais. O assassinato não enfraquece Trump; pelo contrário, fortalece sua narrativa de resistência contra um sistema supostamente hostil.

No Brasil, interessa à extrema-direita bolsonarista, que busca ressurgir das cinzas após a condenação de seu líder. A tragédia americana alimenta a retórica do vitimismo e oferece a chance de reorganizar forças para 2026. Mas, em última instância, interessa à lógica da radicalização global.

Quanto mais o sangue escorre, mais se naturaliza a ideia de que a política deixou de ser disputa de projetos e virou campo de extermínio.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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