Cinco grandes economistas e um tarifaço
Donald Trump tem um talento raro na política internacional: consegue desagradar de uma só vez economistas liberais
Donald Trump tem um talento raro na política internacional: consegue desagradar de uma só vez economistas liberais, institucionalistas e marxistas — grupos que normalmente discordam em tudo, mas que agora falam quase em uníssono sobre as tarifas de 50% que o presidente estadunidense impôs contra produtos brasileiros. Essa convergência é tão improvável que merecia ser estudada como fenômeno geopolítico. E, para o azar de Trump, ela não parte de figuras obscuras, mas de alguns dos nomes mais influentes do pensamento econômico mundial: Paul Krugman, Joseph Stiglitz, Dani Rodrik, Michael Hudson e David Harvey. Cada um, à sua maneira, desmonta o argumento trumpista e mostra que o tarifaço é uma estratégia absurda.
O veredito de Krugman: protecionismo burro
Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia, nunca foi um entusiasta de protecionismos radicais. Ele até reconhece que tarifas podem ser usadas em negociações comerciais pontuais, mas diz que o que Trump está fazendo é pura encenação. Segundo Krugman, impor barreiras de 50% ao Brasil não resolve qualquer problema estrutural da indústria americana, apenas encarece importações e irrita parceiros comerciais. É como se alguém tentasse consertar goteiras jogando tinta por cima das telhas: não resolve o problema e ainda piora a situação quando vier a próxima chuva.
Krugman aponta outro detalhe incômodo: ao contrário do que Trump vende para seus eleitores, o Brasil não é uma ameaça existencial à indústria americana. O que está em jogo é muito mais simbólico. Punir um país do BRICS que insiste em buscar autonomia frente ao dólar e a Washington.
Em um post intitulado “Trump’s Dictator Protection Program”, Krugman caracteriza a tarifa de 50 % imposta ao Brasil como algo que “merece um boletim especial... afinal, é tanto maligna quanto megalomaníaca”
Stiglitz: o tiro no pé da credibilidade
Joseph Stiglitz, outro Nobel, reforça a crítica. Para ele, as tarifas de Trump funcionam como um tiro no pé da credibilidade dos Estados Unidos (EUA) no comércio internacional. O argumento é simples: se Washington quer liderar o sistema econômico global, precisa mostrar previsibilidade e respeito às regras. Ao transformar tarifas em arma política contra países que não se alinham à sua agenda, Trump mina a confiança de aliados e adversários.
Stiglitz lembra que as tarifas também prejudicam empresas americanas que dependem de insumos importados. A retaliação brasileira, inevitável, vai encarecer produtos e gerar perdas para exportadores dos EUA — exatamente o contrário do que Trump promete.
Ele vai além. Em um artigo no Project Syndicate (“Brazil’s Brave Stand Against Trump”, 28 de julho de 2025), Stiglitz elogia o presidente Lula por reafirmar o estado de direito, escrevendo:
“Under President Luiz Inácio Lula da Silva’s leadership, Brazil has chosen to reaffirm its commitment to the rule of law, even as America seems to be renouncing its own Constitution.” Em tradução livre significa: “Sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil optou por reafirmar seu compromisso com o Estado de Direito , da mesma forma que a América parece estar renunciando à sua própria Constituição.”
Rodrik: a geopolítica disfarçada de comércio
Dani Rodrik, conhecido por suas análises sobre globalização e desenvolvimento, vai direto ao ponto: o tarifaço não é sobre proteger empregos americanos, mas sobre mandar um recado político. O Brasil, ao apoiar o BRICS, a criação de um sistema de pagamentos fora do dólar e a defesa de políticas ambientais independentes, entrou na lista negra trumpista. A tarifa de 50% é, na prática, uma sanção política disfarçada de medida comercial.
Rodrik alerta que esse tipo de ação abre um precedente perigoso: o uso de instrumentos econômicos para punir divergências políticas. Num mundo já fragmentado em blocos, isso só acelera a formação de “clubes” rivais, como o próprio BRICS, que podem buscar reduzir ainda mais a dependência dos EUA.
Em artigo recente, Where Is the Global Resistance to Trump? – 8 de agosto de 2025, ele afirma que as tarifas de Trump equivalem a uma “guerra econômica” e que muitos países deixaram de aproveitar a crise gerada como oportunidade para reagir com firmeza Project Syndicate.Em entrevista ao Fórum Econômico Mundial (Radio Davos, fevereiro de 2025), Rodrik alertou sobre os perigos da “hiper-globalização” e destacou que políticas isolacionistas como essas tarifas não são a resposta, sugerindo que a autossuficiência leva ao declínio econômico Dani Rodrik+5World Economic Forum+5Dani Rodrik+5.
Hudson: o império financeiro reage
Michael Hudson, economista marxista e especialista em finanças internacionais, lê o tarifaço como parte de um movimento defensivo do império americano. Para ele, Washington está reagindo não apenas a questões comerciais, mas ao risco de perder o controle sobre os fluxos financeiros globais. O Brasil, ao se aproximar da China, da Rússia, da Índia e de sistemas de crédito e pagamento alternativos, ameaça a hegemonia do dólar.
Hudson vê as tarifas como parte de um pacote mais amplo de coerção que inclui sanções, pressão diplomática e até ingerências políticas, para manter o mundo dependente do sistema financeiro dos EUA. O comércio é só a ponta visível do iceberg.
Em outra análise (Will Trump's Tariff Games Backfire? – abril de 2025), ele reforça que “as tarifas de Donald Trump beneficiam as elites ricas em detrimento da maioria da população”
Harvey: o velho imperialismo com cara nova
David Harvey, também marxista, coloca a medida no contexto histórico do imperialismo. Para ele, o tarifaço é uma forma moderna de “acumulação por espoliação”: usar o poder do Estado para criar condições favoráveis ao capital doméstico, mesmo que isso signifique prejudicar economias estrangeiras e romper acordos internacionais. Harvey lembra que, historicamente, grandes potências sempre usaram barreiras e tarifas para garantir vantagem. A diferença é que agora o fazem em plena era da interdependência global, onde o efeito bumerangue é rápido e doloroso.
Na visão de Harvey, o que Trump está tentando vender como “América Primeiro” é, na verdade, um projeto de “América Acima de Todos” — e isso nunca acaba bem.
Uma união rara
Quando Krugman, Stiglitz, Rodrik, Hudson e Harvey concordam em algo, vale prestar atenção. São escolas de pensamento que normalmente se atacam mutuamente, mas que agora convergem num diagnóstico: o tarifaço contra o Brasil é ineficaz economicamente, arriscado politicamente e desastroso diplomática e comercialmente. Trump usa o protecionismo como arma ideológica, não como instrumento racional de política industrial.
E o Brasil? Como em qualquer crise o país se vê diante de um desafio e de uma oportunidade. O desafio é responder sem cair em armadilhas que possam isolar a economia brasileira. A oportunidade é usar o episódio para fortalecer o comércio dentro do BRICS, diversificar mercados e acelerar a criação de mecanismos financeiros independentes do dólar.
Se Trump conseguiu unir Krugman, Stiglitz, Rodrik, Hudson e Harvey na mesma página, talvez tenha conseguido mais do que queria. Nesse caso, não há motivo para comemorar em Washington.
O recado que vem dos cinco economistas é que o tarifaço é um sintoma de algo maior — uma mudança na forma como os EUA usam o comércio como instrumento de poder. E, a história ensina que quando o poder econômico começa a se confundir com guerra política, o mundo entra em ciclos perigosos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.