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Guilherme Paladino

Jornalista do 247, atualmente morando em Pequim. Graduado pela Unesp, tem passagens pelas áreas do esporte (Nosso Palestra) e divulgação científica (Jornal da Unesp). Estudou Ciências Sociais na USP em 2018.

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CEO da Nvidia desenha o que todos já sabem: estratégia dos EUA contra a China na 'guerra dos chips' é suicida

Política de bloqueios de Washington só tem impulsionado autossuficiência tecnológica chinesa e enfraquecido liderança das próprias empresas estadunidenses

Jensen Huang, CEO da Nvidia, e Donald Trump, presidente dos EUA (Foto: REUTERS/Ann Wang | REUTERS/Ken Cedeno)

Por Guilherme Paladino, de Pequim, para o 247 - Por mais que Washington insista em tratar a guerra tecnológica contra a China como uma questão de segurança nacional, o CEO da Nvidia, Jensen Huang, resolveu verbalizar o que muitos já vinham percebendo: a estratégia adotada pelos Estados Unidos é, no mínimo, autossabotadora. Ao tentar sufocar o desenvolvimento tecnológico chinês com uma série de sanções e controles de exportação, os EUA estão, na prática, entregando de bandeja ao país asiático a oportunidade de acelerar sua autossuficiência tecnológica – e, no processo, fechar para empresas norte-americanas o acesso a um dos maiores mercados do mundo.

Durante uma teleconferência de resultados nesta semana, Huang foi direto: “a política de controle de exportação de chips de IA para a China está claramente errada”. O executivo alertou que, com ou sem chips dos EUA, a inteligência artificial chinesa seguirá avançando – apoiada, sobretudo, em uma abundante reserva de talentos locais. Com metade dos pesquisadores de IA do mundo baseados na China, a plataforma que dominar o mercado chinês estará também em posição de liderança global, acrescentou Huang.

E os números ajudam a ilustrar o tamanho do estrago. No primeiro trimestre de 2025, a Nvidia teve que lidar com uma perda de US$ 4,5 bilhões apenas com o encalhe de estoques do chip H20 e com obrigações de compra que deixaram de fazer sentido diante da queda na demanda chinesa. A cifra poderia ter sido menor se não fosse a imposição, em abril, da necessidade de licenças especiais para exportação desses chips ao país asiático – medida que efetivamente matou a linha Hopper de datacenters na China. Sem acesso ao mercado estimado em US$ 50 bilhões, a empresa calcula ter deixado de lucrar outros US$ 2,5 bilhões no período.

Do ponto de vista político, o segundo mandato de Donald Trump parece decidido a dobrar a aposta em uma lógica que, além de ineficiente, já se mostra contraproducente. Nos últimos dias, não apenas os chips em si, mas também o software necessário para projetá-los (ferramentas da Cadence, Synopsys e Siemens EDA, por exemplo) passaram a enfrentar restrições de exportação. Ainda que o governo afirme que cada pedido será avaliado individualmente, o efeito prático é o de travar toda a cadeia produtiva e isolar empresas norte-americanas de seus clientes chineses – que, por sua vez, se veem cada vez mais obrigados (e estimulados!) a encontrar soluções locais.

E elas estão surgindo. A startup chinesa DeepSeek, por exemplo, lançou na quinta-feira (29) uma atualização do seu já mundialmente famoso modelo de raciocínio R1, que rivaliza com gigantes como a própria OpenAI, desenvolvedora do ChatGPT. Segundo rankings independentes, o modelo chinês já supera alternativas da concorrência em tarefas de lógica, programação e matemática – e tudo isso com custos consideravelmente mais baixos. O chip H20 da Nvidia, inicialmente desenvolvido para se enquadrar nas normas de exportação americanas, teve papel crucial na fase inicial de desenvolvimento da DeepSeek. Hoje, a empresa já caminha com as próprias pernas, e as sanções só aceleraram esse processo.

Além disso, empresas como Huawei, Cambroon, Baidu e Alibaba seguem desenvolvendo seus próprios chips e modelos de IA, alimentando uma espécie de corrida interna, movida por investimentos massivos e por uma sensação coletiva de urgência estratégica. Em vez de atrasar o progresso da China, as sanções serviram como catalisador.

Ao mesmo tempo, a Nvidia, mesmo impedida de comercializar seus produtos de ponta no país asiático, anunciou a abertura de um novo centro de P&D em Xangai. A explicação? Manter competitividade no mercado chinês. Em outras palavras: a maior fabricante de chips de IA do mundo tenta se equilibrar entre as exigências do governo dos EUA e a realidade de que, sem a China, sua liderança global estará ameaçada.

A guerra tecnológica em curso – que atinge não apenas chips, mas toda a cadeia de inovação, da pesquisa à comercialização – já tem um vencedor claro no médio prazo: a China. Mais do que isso, revela-se um laboratório em tempo real sobre os limites da coerção geopolítica frente à resiliência de um país que há décadas aposta no desenvolvimento científico como pilar estratégico.

Washington parece ter esquecido uma lição básica de qualquer manual de estratégia: ao tentar impedir o avanço do adversário, é preciso garantir que não se esteja, ao mesmo tempo, enfraquecendo a própria posição. Ao contrário do que se vê hoje, a liderança tecnológica global não se assegura por decreto – muito menos por sanções.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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