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Gustavo Tapioca

Jornalista formado pela Universidade Federal da Bahia e MA pela Universidade de Wisconsin-Madison. Ex-diretor de redação do Jornal da Bahia, foi assessor de Comunicação Social da Telebrás, consultor em Comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do (IICA/OEA). Autor de "Meninos do Rio Vermelho", publicado pela Fundação Casa de Jorge Amado.

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Anistia para o crime de tentar matar a democracia

Projeto de anistia expõe tentativa da direita de transformar o golpe em narrativa política e premiar quem atentou contra a democracia

São Paulo (SP), 07/09/2025 - Pessoas participam do evento "Reaja Brasil", na Avenida Paulista (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

Em pleno julgamento histórico que pode condenar Jair Bolsonaro a muitos anos de prisão por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, entre outros crimes, surge no Congresso a manobra mais escandalosa da extrema-direita: o projeto de anistia ampla e irrestrita, que livraria da prisão o ex-presidente e seus cúmplices na trama golpista.

A minuta do projeto prevê perdão para crimes cometidos contra a democracia em redes sociais, em forma de ofensas às instituições democráticas, apoio logístico e financeiro a protestos antidemocráticos e até ataques à soberania nacional, dirigidos evidentemente para salvar o traidor da pátria mais conhecido do Brasil — o 03 de Jair, Eduardo Bolsonaro. Na prática, significa tentativa de devolver ao ex-presidente a elegibilidade para 2026, mesmo após ter tramado contra a Constituição, contra o Estado Democrático de Direito, contra a Democracia.

E o escândalo não para aí. Eduardo Bolsonaro — que se aliou à extrema-direita trumpista, financiado pelo pai, para sancionar economicamente o Brasil e pressionar o Judiciário — também seria blindado pela proposta. Ou seja, o ato explícito de traição à pátria seria convertido em “absolvição política”.

Um golpe continuado dentro do golpe

O projeto de anistia não pode ser visto como um simples expediente legislativo. Ele é, em essência, uma tentativa de subversão da própria Justiça — golpe continuado dentro do golpe. Após falharem nas urnas, nas ruas, nas redes, nas portas dos quartéis, no 8 de janeiro e em várias outras tentativas, os bolsonaristas agora tentam usar o Congresso como trincheira para legitimar o crime e revogar, por via parlamentar, o processo de responsabilização conduzido pelo Supremo Tribunal Federal.

A gravidade é dupla. Primeiro porque, se aprovado, equivaleria a anular um julgamento histórico. Afinal, pela primeira vez no Brasil, um ex-presidente e generais de alta patente respondem por tentar destruir o Estado de Direito diante da Justiça Civil, e não de tribunais militares corporativistas, como foi até aqui. Segundo, porque instituiria uma jurisprudência perversa. Qualquer aventureiro político poderia conspirar contra eleições, convocar ataques às instituições e, ao fracassar, negociar no Congresso uma anistia que o devolva intacto ao jogo político.

Perdoe o crime de tentar matá-la

Em 1979, em nome da “reconciliação nacional”, o regime militar costurou uma lei de anistia que perdoou opositores perseguidos, mas também blindou torturadores e assassinos a serviço da ditadura. A consequência foi a impunidade dos algozes do DOI-Codi, do Dops e de centros clandestinos de tortura, que jamais responderam por crimes contra a humanidade. Repetir esse erro em 2025 seria condenar o Brasil a um ciclo interminável de violência política e autoritarismo.

O que os bolsonaristas pedem hoje é, em última análise, que a democracia perdoe o crime de tentar matá-la. Não se trata de pacificação nacional, mas de chantagem contra a soberania popular. Aceitar esse pacto significaria dizer às futuras gerações que a democracia brasileira é frágil, descartável e negociável a cada crise.

Por isso, a sociedade já compreendeu que a anistia não é um gesto de conciliação — e já se pronunciou contra —, mas um atentado à memória e à justiça. É a última cartada de um projeto derrotado nas urnas, rejeitado pelas ruas e exposto nos tribunais. Transformar golpistas em anistiados seria o mesmo que conceder um prêmio a quem tentou destruir a República.

A estratégia eleitoral de Tarcísio e da direita

A discussão sobre anistia não serve apenas para salvar Bolsonaro e seus cúmplices. Está inserida na campanha presidencial de 2026 e também cumpre um papel estratégico no cenário eleitoral. Como observou Carlos Andreazza em artigo publicado no Estadão, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, é um dos principais beneficiários desse debate. Ainda que a anistia não seja aprovada, a simples mobilização em torno do tema já estabelece um novo eixo de campanha para 2026. A narrativa de que a direita teria sido “perseguida” e agora precisaria de reparação.

Em artigo publicado em seu Blog e no Brasil 247, com o sugestivo título de Vem aí a pacificação com Tarcísio, Ciro Nogueira, Valdemar, Kassab, Sóstenes, as milícias e o PCC, com o subtítulo Projeto da anistia reúne todo tipo de pacificador, muitos com arma em punho, Moisés Mendes afirma que o país está sendo dragado para uma forma mentirosa de pacificação liderada por Tarcísio de Freitas.

Bolsonarismo sem Bolsonaro

Em vez da justiça ou da reparação pós-2016, haveria um gesto de anistia como mecanismo de “conciliação”. O artigo de Mendes aponta a participação de figuras como Rogério Marinho, Nikolas Ferreira, Ciro Nogueira, Valdemar Costa Neto, Gilberto Kassab, Sóstenes Cavalcante, Silas Malafaia, além de milícias, fintechs e o PCC, compondo esse amplo projeto de embuste para ludibriar o cidadão e a opinião pública com o falso nome de "pacificação".

Nesse contexto político, Tarcísio se projeta como candidato capaz de encarnar a continuidade do bolsonarismo sem Bolsonaro, mas amparado pela anistia que reabilitaria juridicamente e politicamente o clã. Assim, a manobra no Congresso não é apenas uma tentativa de “perdoar” crimes; é também a fundação de um discurso eleitoral que busca normalizar o golpe e transformá-lo em plataforma política legítima.

A liberdade de Bolsonaro como moeda de troca

Como conclui, também, o jornalista Carlos Andreazza, em artigo publicado no Estadão, a liberdade de Bolsonaro surge quase como moeda de troca. A aceitação de sua inelegibilidade em 2026 seria compensada pelo perdão judicial – uma espécie de contrato político tácito. Bolsonaro, “sem arriscar”, abriria caminho para a superação eleitoral por Tarcísio, que se apresentaria como alternativa viável e vencedora da direita. Essa seria, portanto, a “anistia de Tarcísio”. A concessão que garante o líder golpista livre, porém encostado, enquanto o pupilo se lança presidente, solto e legitimado.

A manifestação do 7 de setembro

O professor João Cézar de Castro Rocha, certamente o analista mais solicitado pela mídia alternativa do Brasil, tem alertado, nos seus comentários sobre a malandragem usada pela extrema direita brasileira ao nomear seus projetos. "Repare, por exemplo, como a bancada bolsonarista chama de anistia o que, na prática, pode representar um arrastão da impunidade em todo o país."

Castro Rocha esteve presente na manifestação do domingo 7 em Copacabana e disse que o ato foi “um grande fracasso. Não digo de maneira partidária, digo para quem esteve no epicentro da manifestação. Os números importam menos do que a desagregação crescente dos que comparecem às manifestações bolsonaristas. A massa bolsonarista compacta, aguerrida, unida, densa, parece não mais existir”.

Anistia? Nem pensar!

A anistia aos golpistas de 2022, não nos enganemos, representaria o fim da confiança da sociedade em suas instituições. Seria dizer ao povo que atacar a Constituição não tem consequência; que conspirar contra eleições é aceitável; que a traição à pátria pode ser perdoada em nome de um cálculo eleitoral.

A história é clara. Onde não há justiça, a democracia não sobrevive. O Congresso precisa escolher se estará ao lado do povo ou dos golpistas. O eleitor já decidiu, segundo as pesquisas de opinião, com um firme, contundente, categórico e enfático NÃO ao projeto falso, desonesto e maldoso de anistia. O Brasil não pode aceitar que os criminosos de ontem sejam os candidatos de amanhã.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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