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Paulo Henrique Arantes

Jornalista há quase quatro décadas, é autor do livro "Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil". Editor da newsletter "Noticiário Comentado" (paulohenriquearantes.substack.com)

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Algo está errado quando o dono de hospital lucra tanto quanto o banqueiro

Nenhum setor reflete tão dramaticamente a desigualdade capitalista quanto o da saúde

Sala de hospital (Foto: Reuters / Kai Pfaffenbach)

Nenhum setor reflete tão dramaticamente a desigualdade capitalista quanto o da saúde, até porque os efeitos da disparidade custam vidas no curto prazo. Não é novidade que a saúde, no Brasil, tornou-se mercadoria, cujo consumo é caro e uma verdadeira mina de ouro para empresários que poderiam estar no ramo de calçados, alimentos processados ou no mercado financeiro. O subfinanciamento do sistema público enche-lhes os bolsos.

Este jornalista já ouviu o dono de uma operadora de plano de saúde referir-se aos conveniados como “rica massa pobre”. Nenhuma frase poderia descrever com mais precisão esse modelo de exploração.

Cafonérrima, a última lista Forbes de bilionários brasileiros incluiu, entre os 10 mais afortunados, o dono da Rede D’Or de hospitais, o médico-empresário Jorge Neval Moll Filho. Criado em 1977, o grupo cresceu 119% entre 2024 e 2025, acrescentando mais R$ 16 bilhões ao seu valor de mercado. O patrimônio pessoal de Moll alcançou R$ 30,4 bilhões.

Parabéns ao dono da Rede D’Or pelo talento em transformar serviços médicos em fortuna, mas algo está errado quando um direito universal rende a uma só pessoa o mesmo que bancos e fundos de investimento rendem aos seus acionistas majoritários.

“Isso ilustra bem a forma como a saúde tem se tornado uma mercadoria no Brasil, uma mercadoria de acesso cada vez mais restrito. E reforça a importância do SUS como um sistema universal para oferecer serviços para todos, pelo menos os básicos”, afirma o advogado Fernando Aith, professor titular da Faculdade de Saúde Pública da USP.

A absurda fortuna de Moll reflete a financeirização do sistema de saúde brasileiro, área altamente lucrativa, embora os donos de grandes redes de hospitais e de operadoras de saúde vivam reclamando da “insustentabilidade” do setor. Trata-se de evidente chororô, como atesta o índice de reajuste do seu convênio médico, caro leitor, prezada leitora.

“Os custos da medicina privada acabam sendo em parte financiados pelo próprio setor público, por conta das restituições do Imposto de Renda e alguns benefícios fiscais relacionados a gastos em saúde, principalmente nessas entidades que acabam se credenciando como filantrópicas e ficando isentas de vários tributos”, aponta Aith.

O setor, frisa o advogado, deveria tratar a saúde como um direito de todos e um dever do Estado, como está na Constituição, mediante a priorização e o financiamento adequado de um sistema público universal, “a preço de custo, vamos dizer assim”. A saúde, contudo, “tem se tornado cada vez mais objeto de investimentos financeiros que visam somente ao lucro, inclusive com alta volatilidade e pouca manutenção e continuidade dos serviços”.

Personifica-se em Jorge Moll a verdade de que o sistema privado de saúde, altamente tecnológico, de ponta, caríssimo e acessível a 5% da população brasileira, é excessivamente lucrativo e funciona em detrimento dos outros 95% dos brasileiros. Suga recursos, coopta mão de obra qualificada e não dá a contrapartida social necessária.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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