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Marcelo Zero

É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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A volta do terror nuclear

Decisão dos EUA de retomar testes atômicos reacende a corrida nuclear e ameaça décadas de estabilidade global

Explosão de bomba de hidrogênio (Foto: Departamento de Energia dos EUA/Reuters)

No auge da Guerra Fria, em 1986, o mundo tinha 64 mil ogivas nucleares.

Contudo, hoje em dia, segundo a ONU, o planeta teria cerca de 13 mil ogivas.

Mesmo assim, essas ogivas seriam suficientes para destruir as 100 maiores áreas metropolitanas do mundo e, por via direta e indireta (colapso das agriculturas e economias mundiais), provocar a morte de entre 60% e 90% da população do planeta.

A diminuição dessas ogivas deu-se no contexto pós-Guerra Fria, com os tratados Start I, Start II e New Start.

No campo da proibição de testes, os limites começaram a ser impostos pelos efeitos do fallout nuclear. Os testes feitos pelos EUA no atol de Bikini, na Oceania, chegaram a provocar fallouts nucleares na Cidade do México, na Austrália e até mesmo na Índia.

Em um caso extremo, bases dos EUA nessa região tiveram de ser evacuadas às pressas, e centenas de pessoas precisaram ser hospitalizadas.

Dessa forma, chegou-se, em 1963, a um tratado que limitava os testes nucleares ao subsolo (testes apenas subterrâneos).

Mas, após a Guerra Fria, foi firmado, em 1996, o Comprehensive Nuclear-Test-Ban Treaty, o qual bania todo e qualquer teste nuclear. Tal tratado foi assinado por 185 países, mas não entrou em vigor, uma vez que não foi ratificado por alguns países-chave, como EUA, Rússia, China, Coreia do Norte, Egito, Índia, Paquistão etc.

De qualquer modo, o tratado introduziu, tacitamente, a norma internacional de que os testes nucleares não deveriam mais ser realizados.

Assim, há mais de 30 anos, EUA, Rússia e China não realizam testes nucleares.

Antes desse tratado, haviam sido realizados mais de 2 mil testes nucleares; após ele, apenas 10.

Trump, no entanto, anunciou recentemente que os EUA vão retomar, após mais de três décadas, novos testes nucleares.

O presidente dos EUA alega, como justificativa, que os “outros estão fazendo”, o que é, como todos sabem, uma grosseira mentira.

Ademais, testes nucleares reais podem ser substituídos, com vantagens, por simulações em supercomputadores, muito mais baratas e seguras.

Não há, portanto, escusas técnicas para tal retomada, após mais de três décadas.

O motivo é puramente geopolítico: o velho afã de flexionar os músculos e demonstrar força.

A Rússia apresentou recentemente duas grandes armas que assustaram muito os especialistas em defesa dos EUA e da OTAN: o míssil de cruzeiro de propulsão nuclear Burevestnik e o veículo submarino não tripulado (UUV) de propulsão nuclear Poseidon.

Ambos, devido à propulsão nuclear, têm alcance praticamente ilimitado e são muito difíceis de serem detectados pelos sistemas antimísseis convencionais. Somados aos mísseis hipersônicos, tornam as defesas dos EUA e da OTAN muito vulneráveis em caso de conflito nuclear.

Esses recentes investimentos estratégicos da Rússia — mísseis hipersônicos, drones de última geração, mísseis de cruzeiro nucleares e veículos submarinos não tripulados nucleares — ocorreram, frise-se, por causa do conflito na Ucrânia e pela insistência do Ocidente em continuar a apoiar uma guerra que tem um óbvio potencial para se expandir e se intensificar.

Ora, voltar a fazer testes nucleares não vai neutralizar essas novas armas e, ademais, dependendo da forma como sejam feitos, poderá criar perigo para muitos países, como já ocorreu no passado.

O pior cenário seria o da nuclearização do espaço sideral, algo que os EUA ensaiam desde a época de Reagan, com seu projeto Star Wars.

O fato é que a ameaça de Trump, em conjunto com a persistência do conflito na Ucrânia, volta a trazer ao planeta um temor e um perigo que estavam relativamente controlados. A velha corrida nuclear pode se reiniciar.

Como disse Oppenheimer, citando o Bhagavad Gita, após o primeiro teste nuclear: “Agora me tornei a Morte, o destruidor dos mundos".

Trump, que sonha com o Prêmio Nobel da Paz, pode se tornar o terrível Vishnu citado por Oppenheimer.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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