A toga rasgada
Luiz Fux, mal na toga, apalpa o tecido para sentir se ele continua íntegro
Ele costumava entrar no recinto do Supremo, pimpão, vaidoso do próprio sucesso, a espinha erguida, os cabelos escondendo metade da testa. Era “Vossa Excelência” pra cá; “Excelência” pra lá... Punitivista, não flexibilizava os rigores da severidade, quando podia, nas suas condenações. Foi assim com Lula, na fase das perseguições políticas durante a Lava Jato. Entrevistas? Jamais! Mas o tempo passou. De repente, nos julgamentos do golpe de 8 de janeiro, com os réus de alta patente e um ex-presidente da República, de punitivista se transformou em garantista. Sem avisar ninguém, absolveu Jair Bolsonaro e seus comparsas, destacando apenas o mordomo para colocar atrás das grades.
Inadvertidamente, de início com discrição e, em seguida, com ostentação, notou-se que vestia uma touca rasgada. Estaria tomado por problemas de consciência, depois da dosimetria pesada que concedeu aos bagrinhos, os vândalos do quebra-quebra na Praça dos Três Poderes?... Ou o colheu um processo de contaminação, como um vírus de cepa nova, passando a lhe circular pela mente? Ou, finalmente, enfraquecido pelas hesitações, tomou-se de amores pelos bolsonaristas, agora na defensiva? Vale a pena recordar que o ministro presidia o Tribunal por ocasião das ameaças de invasão pelo então mandatário, obcecado contra as instituições da Justiça. Por pouco não pernoitou na sede do STF, imaginando protegê-la, se preciso, com o próprio corpo.
Claro que as pessoas mudam. Como assinalava Camões: “Mudam-se os tempos, muda-se a vontade, muda-se o ser, muda-se a confiança; todo o mundo é composto de mudança”. Um juiz só não deve mudar premido pelas circunstâncias; de outra maneira, perde a capacidade de cumprir suas tarefas. Mais bizarro e inaceitável é quando as alterações de humor, de confiança ou de orientação intelectual ocorrem durante um processo em curso, como neste caso. Cabe ao magistrado declarar-se impedido e abdicar de suas funções. Isso não se dando, nota-se que a toga já não lhe cai no perfil.
O pior é quando, ao longo dos dias, a nova dinâmica de comportamento modifica a vontade de membros da Alta Corte, tida como superior às demais e sólida para refletir sobre importantes dilemas do país. Ali convergem contradições, polêmicas e doutrinas que necessitam de avaliação jurisdicional para acalmar e determinar os destinos da sociedade. É dose suficiente de responsabilidade para impedir que vulnerabilidades individuais perturbem ou tumultuem prognósticos para o presente e o futuro.
Desafios de extrema gravidade aguardam integrantes das duas turmas, dependendo de soluções. Luiz Fux, mal na toga, apalpa o tecido para sentir se ele continua íntegro. Com as digitais comprometidas, não logra defender-se das impressões indistintas. Assalta-o uma vontade de sair correndo, fugir, abandonar o grupo e refugiar-se alhures. Mostra-se impossível, no entanto, salvar uma biografia traída.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



