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      Carlos Lima

      Economista, empregado da CAIXA, dirigente sindical da CTB-RJ e do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro e Organizador do Núcleo do RJ do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (CES)

      7 artigos

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      A tautologia como método: o viés da The Economist contra Lula

      Por trás da crítica a Lula, a The Economist expõe seu verdadeiro desconforto: um Brasil que não se ajoelha diante do império financeiro

      Lula (Foto: Ricardo Stuckert)

      Por trás da crítica a Lula, a The Economist expõe seu verdadeiro desconforto: um Brasil que não se ajoelha diante do império financeiro, que denuncia o genocídio em Gaza, enfrenta o rentismo interno e ousa sonhar com soberania. A revista finge analisar, mas apenas repete as ordens de sempre — em inglês britânico.

      Na edição de 29 de junho de 2025, a revista britânica The Economist publicou um artigo sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, longe de oferecer uma análise isenta e qualificada, recorre a construções circulares, suposições ideológicas e tautologias disfarçadas de crítica. À primeira vista, o texto parece sofisticado: menciona diplomacia, popularidade, economia. Mas, sob leitura atenta, revela-se mais como um instrumento de propaganda do status quo neoliberal do que uma reflexão jornalística honesta sobre o Brasil e seu projeto de país.

      O que é tautologia — e por que importa?

      Tautologia é um vício lógico em que uma proposição serve para reafirmar a si mesma, sem recorrer a argumentos externos. Por exemplo: “Lula não é um bom líder porque não lidera bem.” Essa frase não explica nada: ela apenas repete a mesma ideia com palavras diferentes. A The Economist emprega esse artifício com frequência. Ao afirmar que Lula está “perdendo relevância global” porque “não se alinhou ao Ocidente”, a revista está apenas reafirmando seu ponto de partida — o de que a relevância internacional se mede pelo grau de alinhamento aos Estados Unidos e à Europa Ocidental. Assim, qualquer tentativa de autonomia ou multipolaridade é previamente rotulada como “fracasso”, sem ser verdadeiramente analisada.

      A política externa como alvo: autonomia vira “isolamento”

      A crítica mais insistente da matéria é à política externa brasileira. Segundo a Economist, o Brasil de Lula está “isolado” porque não acompanha as posições das democracias liberais. Essa afirmação ignora deliberadamente que o Brasil tem sido protagonista em diversos fóruns multilaterais, como o G20, os BRICS+, a ONU e o TPI, onde atua em favor da paz, da cooperação Sul-Sul, do desenvolvimento sustentável e da defesa dos direitos humanos. O Brasil não está isolado — está apenas em outro campo geopolítico: o da soberania.A crítica torna-se ainda mais reveladora quando silencia diante da postura corajosa do governo Lula no que diz respeito ao genocídio em curso em Gaza, praticado por Israel contra o povo palestino. O governo brasileiro foi uma das poucas vozes firmes no Ocidente a denunciar os massacres, a exigir cessar-fogo imediato e a defender o direito internacional. Para a Economist, no entanto, esse tipo de firmeza ética equivale a “relevância reduzida” — como se o único caminho legítimo fosse se calar diante da barbárie para preservar “prestígio internacional”.

      A popularidade em queda como espelho da decepção

      A matéria afirma que Lula perdeu apoio popular e que isso comprova que ele “decepcionou sua base”. É mais uma tautologia: define-se a decepção pela queda de popularidade e, depois, essa queda é usada para justificar a decepção. Nenhuma tentativa é feita de compreender as causas reais. O artigo ignora, por exemplo, a atuação de um Congresso dominado por forças neoliberais e conservadoras, que bloqueia sistematicamente as iniciativas do Executivo. Esquece a sabotagem de setores do empresariado, os efeitos da inflação global sobre alimentos e combustíveis, e o bombardeio midiático diário contra o governo. Desconsidera o “descrédito fabricado” alimentado por insistentes pesquisas eleitorais desde a posse de Lula, assunto tratado por mim em outro artigo.

      Mesmo com esse cerco, o governo Lula entregou avanços importantes: retomada do investimento público, ganho real do salário mínimo, queda do desemprego, recuperação da indústria naval e ferroviária, fortalecimento de estatais estratégicas como Petrobras e BNDES, e uma reforma tributária que aponta para a progressividade. Mas tudo isso é ignorado. A revista prefere medir o sucesso do governo com base apenas em pesquisas de opinião e julgá-lo por expectativas não contextualizadas.

      Um padrão impossível: o líder perfeito que não existe

      O texto da Economist constrói um padrão impossível de ser atendido: Lula deveria ser popular mesmo enfrentando um Congresso hostil; deveria entregar crescimento acelerado mesmo com herança fiscal desastrosa; deveria liderar globalmente mesmo não se submetendo aos ditames da Casa Branca; deveria agradar ao mercado sem cortar políticas sociais. Ou seja, o presidente brasileiro só seria reconhecido como eficiente se abdicasse de seus compromissos populares e aceitasse os limites do receituário liberal.

      O contraste é gritante: os Estados Unidos são governados por Donald Trump, um presidente autoritário, negacionista e nacionalista, que ameaça instituições democráticas e empurra o mundo para o belicismo e a ultrafinanceirização. Emmanuel Macron enfrenta protestos constantes e repressão violenta na França. Olaf Scholz preside uma Alemanha em recessão, fragilizada pela desindustrialização e pela ascensão da extrema-direita. Mas nenhum desses líderes é acusado de irrelevância — porque permanecem alinhados ao núcleo do capitalismo imperial.

      A ideologia por trás da crítica

      O uso de tautologias, silenciamentos e critérios duplos não é inocente. A The Economist expressa o pensamento dominante das elites financeiras anglo-saxãs, que veem com desconfiança qualquer projeto de desenvolvimento autônomo, soberano e popular. Sua crítica não é à governabilidade do Brasil, mas ao fato de que o Brasil tenta escapar de seu papel subordinado na ordem internacional. A matéria não tolera a possibilidade de que o país atue por conta própria, fale em nome do Sul Global e recuse a cartilha do neoliberalismo.Trata-se de uma operação ideológica. O método da Economist é apresentar como falha o que é, na verdade, resistência. O que ela chama de “ineficiência” é, muitas vezes, resultado de uma disputa concreta por soberania. O que ela chama de “isolamento” é o custo de não se curvar aos interesses geopolíticos do capital financeiro internacional. O que ela chama de “populismo” é, frequentemente, política social voltada à maioria.

      Entre a tautologia e a disputa por rumos

      A crítica da The Economist a Lula, ao Brasil e à sua diplomacia, revela mais sobre os interesses que ela representa do que sobre a realidade brasileira. É uma tentativa de impor limites ao possível, de dizer o que um país periférico pode ou não fazer, sob o risco de ser declarado “irrelevante”. Usa-se a linguagem do jornalismo analítico, mas com ferramentas de controle simbólico.

      Contra esse tipo de narrativa, é necessário afirmar com convicção: o Brasil tem o direito de traçar seu próprio caminho, com soberania, justiça social, desenvolvimento produtivo e solidariedade internacional. A crítica honesta é bem-vinda. Mas a crítica tautológica, enviesada e ideologicamente orientada, deve ser desmascarada — porque ela não busca esclarecer, e sim domar.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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