A Primavera da esperança pelas vozes do povo e da maior liderança política do Sul Global
“No futuro que o Brasil vislumbra, não há espaço para a reedição de rivalidades ideológicas ou esferas de influência” — Luiz Inácio Lula da Silva
No dia 21 de setembro, a indignação do povo brasileiro foi escoada pelas ruas e avenidas do país durante as gigantes manifestações progressistas. Palavras de ordem — “sem anistia”, “não à PEC da bandidagem”, “o Brasil é nosso”, “prisão para Bolsonaro”, “fim da escala 6x1”, “isenção do imposto para quem ganha até cinco mil reais”, “taxação dos super-ricos” — foram repetidas incansavelmente pelas vozes de um povo cansado das pautas destrutivas em torno de interesses marginais, corporativistas ilegais, antiéticos e imorais em máxima potência.
O recado foi dado. No entanto, os descalabros não cessam. A anatomia desastrosa do Congresso, com maioria de parlamentares absolutamente incapazes de pensar políticas públicas que produzam o desenvolvimento sustentável do país, tem marcado a atuação desse poder, envolvido pela ascensão da extrema-direita fascista — o bolsonarismo, que já definha — e por um centrão sem escrúpulos. Essa súcia foi, em parte, freada por ora, mas é perniciosa. A estagnação dessa onda sombria na política brasileira só arrefecerá, ao menos em seu tamanho, com o voto consciente nas eleições de 2026 para a Presidência da República, para o Congresso Nacional, para os governos e assembleias legislativas estaduais.
Os eleitores precisam extirpar os outsiders bolsonaristas da política, os candidatos do centrão, alguns em investigação pela Polícia Federal por fortes suspeitas de envolvimento com o crime organizado, e os asseclas do fascismo da extrema-direita, falsos combatentes da corrupção.
O povo precisará estar atento aos fetiches utilizados pelos mecanismos de dominação nacional e internacional, interessados, por meio da mídia corporativa patrocinada, na monetização das desinformações nas redes sociais. Vale lembrar que, em 2017, no 6º Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores, Lula afirmou que o partido precisaria retornar às bases. Acentuo que a aproximação das bases, além das da esquerda, deve ser estendida à totalidade das bases de todos os matizes ideológicos, por meio das redes sociais e também presencialmente. Esse processo não pode acontecer somente no período que antecede as eleições.
Apesar dos sobressaltos causados pela oposição corrosiva e desqualificada da extrema-direita bolsonarista e dos partidos chantagistas do centrão aos projetos do Executivo, vislumbram-se mudanças significativas no status de desenvolvimento sustentável do país. O governo Lula conseguiu recolocar o Brasil no rumo do crescimento econômico, com inflação controlada, geração de empregos e recuperação do poder de compra do povo. Nas áreas sociais, programas foram ampliados e fortalecidos, garantindo segurança alimentar a milhões de brasileiros e tirando novamente o país do vergonhoso mapa da fome. Além disso, investimentos em educação, saúde, trabalho, transição energética e infraestrutura estratégica consolidam um projeto de desenvolvimento que alia justiça social à responsabilidade ambiental, mesmo sob constante sabotagem daqueles que preferem ver o país à deriva a reconhecer avanços concretos.
A título de exemplo, nesta semana, os partidos de oposição, liderados por seus caciques, estão impondo o avanço do projeto de lei de redução de penas aos golpistas, sobretudo para livrar Bolsonaro do peso de sua justa condenação, em detrimento da aprovação de propostas de melhoria de vida para grande parte da população brasileira, como a isenção do imposto de renda e a taxação dos super-ricos.
O presidente do Brasil, frente aos constantes ataques ameaçadores à soberania do país pelo governo do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com sanções tarifárias arbitrárias e retaliações intimidadoras e ilegais a membros da Justiça brasileira e seus familiares, fez um discurso memorável na Organização das Nações Unidas (ONU), reconhecido pelos demais países como o maior estadista do mundo dos últimos tempos.
Em palavras incisivas, declarou que “a nossa democracia e soberania são inegociáveis”. Seu pronunciamento foi expressivo em várias dimensões importantes: destacou que, pela primeira vez em mais de cinco séculos de história, um ex-mandatário do país foi responsabilizado por atentar contra a democracia; ressaltou que todo o processo foi conduzido com rigor — da investigação ao julgamento — assegurando ao réu todas as garantias de defesa, algo que regimes autoritários jamais concedem às suas vítimas; salientou a busca prioritária da paz, com o fim dos conflitos bélicos, destacando a guerra em Gaza e advertindo que “o povo palestino corre o risco de desaparecer. Só sobreviverá com um Estado independente e integrado à comunidade internacional”; fez referência ao povo judeu, ao dizer: “expresso minha admiração aos judeus que, dentro e fora de Israel, se opõem a essa punição coletiva”; mencionou suas expectativas sobre a prevalência de um mundo livre em que as relações entre as nações ocorram num plano de igualdade e respeito às suas soberanias; fez a defesa inquestionável sobre a mudança climática e o papel de cada continente nessa realidade, sublinhando que a “COP 30, em Belém, será a COP da verdade. Será o momento de os líderes mundiais provarem a seriedade de seu compromisso com o planeta”; fez menção à nova ordem mundial, ao enfatizar que “o século 21 será cada vez mais multipolar. Para se manter pacífico, não pode deixar de ser multilateral”; de modo relevante, ainda afirmou que “medidas unilaterais transformam em letra morta princípios basilares como a cláusula de nação mais favorecida”; solicitou a refundação da Organização Mundial do Comércio; lembrou a humanidade de duas grandes personalidades que perdemos — o ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, e o Papa Francisco — reforçando que, se estivessem entre nós, diriam: “que o autoritarismo, a degradação ambiental e a desigualdade não são inexoráveis, que os únicos derrotados são os que cruzam os braços, resignados, que podemos vencer os falsos profetas e oligarcas que exploram o medo e monetizam o ódio, e que o amanhã é feito de escolhas diárias, sendo preciso coragem para agir e transformá-lo”.
Em contrapartida, o patético e prepotente tom do discurso de Trump na ONU — em diversos aspectos com argumentos falaciosos e indubitavelmente cínicos sobre o suposto papel de seu governo em favor da paz, suas críticas severas à própria ONU, somadas ao autoenaltecimento inverídico e doentio de sua gestão — apenas ratificam a obviedade de uma personalidade egocêntrica, autocrática e megalomaníaca, em meio à sua enlouquecida pretensão de se projetar como imperador do mundo. Na contramão das irrefutáveis preocupações apresentadas pelos demais países, respaldadas por fartas comprovações científicas sobre a crise climática e os riscos da falta de imunização contra doenças, Trump manteve-se fiel à sua essência negacionista e anticientífica diante da emergência climática e da imunização pelas vacinas. Seu pronunciamento, longo e cansativo, reuniu disparates e impropérios ao longo de 57 minutos de inverdades.
Quanto à declaração de Trump de ter apreciado o encontro com o presidente Lula, ainda que por apenas 39 segundos frente a frente, e à frase que viralizou sobre ter “rolado uma química” entre eles, avalio tal impressão com cautela diante da intempestividade ciclotímica de Trump. No entanto, a conjuntura estadunidense lhe impõe limites: a desaceleração crescente da economia americana, agravada por suas medidas erráticas; a pressão de empresários que acumulam prejuízos com o tarifaço despropositado sobre produtos brasileiros exportados aos EUA; a pior avaliação de popularidade de um governo na história presidencial americana; e a perspectiva de perda da maioria republicana no Congresso. Esses fatores, em conjunto, condicionam Trump à necessidade de buscar canais de negociação com o Brasil. É necessário registrar que, ao contrário de outros governantes, Trump enfrentará a expertise de um hábil e experiente negociador que passou a vida enfrentando vigorosos impasses em meio a relações de poder acentuadamente desiguais.
Lula, com sessenta anos de práticas negociais exitosas, certamente não cairá nas palavras sedutoras e inventivas de um autocrata delirante de uma potência em declínio no mundo, diante da nova ordem global. Lula perseverará na defesa dos interesses do Brasil contra as investidas transgressoras de Trump. Essa “química com o Lula” anunciada pelo presidente americano, em sua torpe, mas insidiosa fala na ONU, se revelará em “toma lá, dá cá”, principalmente pela cobiça aos minerais críticos e estratégicos do Brasil, as chamadas terras raras, e pela defesa dos interesses das Big Techs.
Quanto aos minerais, o ministro Fernando Haddad já havia mencionado que a imposição das sanções tarifárias pelo governo estadunidense ao Brasil estaria relacionada ao interesse nesses recursos naturais, imprescindíveis na produção de elementos de tecnologia digital, energia limpa, equipamentos de imagem, defesa aeroespacial, entre outros usos.
Teremos que aguardar os próximos movimentos, que se materializarão em tratativas diplomáticas para definições da pauta e da formatação do encontro entre o presidente Lula e Trump, no modo presencial ou online.
No plano nacional, assistimos a mudanças circunstanciais após a alteração na correlação de forças pela manifestação do povo nas ruas no último domingo. Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente despreparado e oscilante da Câmara dos Deputados, fez alguns recuos estratégicos. Barrou a nomeação de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) como líder da minoria e também anunciou que vai pautar, na próxima semana, a proposta do governo que isentará de impostos quem ganha até cinco mil reais.
No entanto, Motta continuou em seu processo de definhamento e fragilidade moral ao reafirmar sua defesa da PEC da blindagem — morta e arquivada definitivamente no Senado pelo repúdio uníssono do povo e pela iniciativa de alguns senadores que, desde a aprovação na Câmara, a consideraram imoral e inconstitucional. Houve tentativas de acréscimo de emendas para salvar a PEC, lideradas pelo senador Sergio Moro (União Brasil-PR), o ex-paladino da anticorrupção, que teve de recuar diante de seus colegas contrários à proposta e dos demais que precisaram engoli-la para não queimar suas imagens perante o povo.
Outra notícia promissora desta semana diz respeito à instauração de processo pelo Conselho de Ética da Câmara contra Eduardo Bolsonaro por quebra de decoro parlamentar. A representação feita pelo Partido dos Trabalhadores (PT) pediu a perda do mandato, pelo fato de o deputado estar usando sua estadia nos Estados Unidos para se dedicar “de forma reiterada a difamar instituições do Estado brasileiro” (Fonte: Agência Brasil).
Frente aos inexoráveis movimentos dialéticos, as disputas por hegemonia econômica, tecnológica e geopolítica têm intensificado as tensões, sobretudo com a decadente supremacia dos Estados Unidos. O estilo agressivo e arrogante do presidente Donald Trump denuncia as intenções do imperialismo americano diante da emergência de novas lideranças globais, como a China e, cada vez mais, o próprio Brasil. Nesse cenário, Lula desponta como um estadista de relevância histórica, capaz de conduzir o país em meio a crises internacionais e disputas internas, transformando obstáculos em oportunidade de afirmação da soberania nacional.
De um lado, a ofensiva da extrema-direita, do centrão oportunista e de um imperialismo em visível declínio; de outro, um povo que voltou a ocupar as ruas, consciente de seu papel histórico, ao lado de um governo que recoloca o país na trilha do crescimento econômico, da inclusão social e do protagonismo internacional. Esses movimentos delinearam a esperança de uma nova primavera, anunciada ainda em sua véspera.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.