A PGR provou a culpa de Bolsonaro?
Provas e confissões mostram que Bolsonaro articulou um golpe e deve ser condenado para preservar a democracia
“Nenhuma democracia se sustenta se não contar com efetivos meios para se contrapor a atos orientados à sua decomposição belicosa, ultrajante dos meios dispostos pela ortodoxia constitucional para dirigir o seu exercício e para gerir a transição do poder político” - Paulo Gonet
A pergunta que todo democrata genuíno deve fazer hoje é: a PGR provou a culpa de Bolsonaro e de sua horda?
Honestamente, penso que sim.
Acompanhei o desenvolvimento do processo, li muitas peças e assisti às sustentações orais das defesas e, sendo elas o melhor que cada defesa pode fazer, é possível afirmar, com convicção, que Gonet desincumbiu-se de sua tarefa, qual seja: provar que Jair Messias Bolsonaro e sua horda cometeram os crimes dos quais são acusados, pois as defesas não trouxeram questões processuais ou substantivas capazes de desconstituir a denúncia.
Vejamos.
A lei prevê punição para a “tentativa de golpe”, ou seja, no direito positivo há previsão para punição de ataques contra a democracia; o crime já ocorre no momento da tentativa.
Nesses casos, atua o Código Penal, no capítulo “Dos Crimes contra as Instituições Democráticas”, prometendo castigo a atos de:
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.
Da mesma forma, é cominada pena para atos caracterizadores de tentativa de golpe de Estado, consistente em:
Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído.
Ou, como disse o Procurador-Geral: “Punir a tentativa frustrada de ruptura com a ordem democrática estabelecida é imperativo de estabilização do próprio regime...”, pois trata-se de “elemento dissuasório contra o ânimo por aventuras golpistas e expõe a tenacidade e a determinação da cidadania pela continuidade da vida pública inspirada no protagonismo dos direitos fundamentais e na constância das escolhas essenciais de modo de convivência política”.
Não são narrativas. Bolsonaro e os seus, desde 2018, perpetraram insistentes campanhas de informações falsas sobre o processo eleitoral, sobre as urnas e sobre os magistrados que o dirigiam, uma espécie de vacina para o caso de perderem a eleição em 2022.
Há prova farta de que Bolsonaro buscou manter-se no poder mesmo perdendo a eleição, buscou usurpar o poder. Não podemos esquecer de seu discurso golpista de 7 de setembro de 2021.
Após a derrota em 2022, ele, então comandante maior das Forças Armadas, reuniu os mais altos militares das três Forças para dar-lhes a conhecer seus planos. Ele sequer negou isso, seja em juízo, seja em diversas entrevistas, tentando apenas normalizar sua conhecida e reconhecida prática golpista. Há prova de que o então Ministro de Estado da Defesa convocou os comandantes militares para revelar-lhes a estratégia do golpe.
Frise-se: eles foram convocados para aderirem ao movimento golpista já estruturado. Há provas documentais e testemunhais, há até confissão.
Aos comandantes foram apresentadas minutas de decretos que previam providências para dar ares de normalidade, constitucionalidade e legalidade ao golpe de Estado. É sempre assim: em 1891, Deodoro da Fonseca, quando fechou o Congresso e suspendeu a Constituição, assinou decretos; e a infame ditadura de 1964, da mesma forma, dava legalidade ao arbítrio por meio de atos institucionais.
O golpe de Estado estava em marcha desde a eleição de Bolsonaro em 2018. Escrevi muito sobre isso ao longo dos últimos sete anos: o desejo de Bolsonaro era prosseguir à frente do governo do país.
Quando perdeu a eleição, deu andamento ao golpe para impedir a posse de Lula. Havia um plano para matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes, plano que um dos réus-generais confessou existir e confessou ter escrito.
Ou seja, independentemente da delação do tenente-coronel Cid, a Polícia Federal amealhou provas de todas as espécies e os réus, para ajudar a PGR, confessaram muitos crimes.
Há contundentes provas de que o então comandante da Marinha aderiu ao “convite” do golpe. Contudo, como os comandantes da Aeronáutica e do Exército não aderiram, coube a Braga Neto, o “zero dois” do golpe, dar início “à campanha ignóbil determinada pelo militar, candidato à Vice-Presidência, para destruir o ânimo legalista demonstrado pelos comandantes da Aeronáutica e do Exército, ao se afastarem das etapas decisivas do levante”. Há fartos documentos sobre isso: ligações telefônicas, prints de conversas de WhatsApp, além de testemunhas.
Essa campanha de Braga Neto pela adesão dos comandantes dessas duas Forças prosseguiu, por meio da pressão difamatória de grupos sociais e de carta pública de militares invocando comportamento insurrecionista das tropas. Tal campanha ganhou corpo com os acampamentos incentivados, mantidos pelos réus e financiados por seus ricos apoiadores.
À frente de instalações militares, aconteciam acampamentos e manifestações com faixas e discursos inflamados. Pedia-se a “intervenção militar”, ou seja, um golpe.
Passados mais alguns meses, os incautos e os vis seduzidos pelo discurso e pelas mentiras de Bolsonaro, Braga Neto, Heleno, Zambelli e outros tantos passaram à ação física.
O momento culminante se deu em 8 de janeiro de 2023, com a tomada dos prédios que sediam os Poderes, com articulada destruição física do patrimônio público e histórico nacional. Contudo, antes de 8 de janeiro, já haviam ocorrido ações de violência.
Em 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula e Alckmin, o país assistiu às “velhinhas com bíblias na mão” invadindo a sede da Polícia Federal em Brasília e, em atos típicos de terrorismo, atearem fogo em automóveis e ônibus na capital do país.
Em 24 de dezembro, a polícia desarmou um ataque a bomba nas proximidades do aeroporto de Brasília, instalada em um caminhão repleto de combustível, destinado à explosão.
A instauração do caos era considerada etapa necessária para alcançar a adesão dos comandantes do Exército e da Aeronáutica. Aliás, a balbúrdia começou em 1º de novembro — financiada por empresários do agro —, logo após a vitória de Lula, com as “greves” de caminhoneiros que tentavam paralisar estradas.
Tudo isso foi urdido por Bolsonaro e sua quadrilha. Há fartas provas.
Por essas e muitas outras razões, a condenação é necessária e justa. É a única forma de pacificação e de fortalecimento institucional.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.