A perversidade e a inutilidade da guerra de Netanyahu
"O Irã sempre demonstrou moderação e racionalidade, nesse aspecto", afirma Marcelo Zero
A guerra iniciada pelo governo de extrema-direita de Netanyahu contra o Irã, além de perversa e extremamente perigosa para o Oriente Médio e o mundo, é inútil.
Netanyahu, como se sabe, tem dois grandes objetivos com essa agressão: acabar com o programa nuclear iraniano e estimular uma mudança de regime no Irã.
Acabar com o programa nuclear iraniano, além de ser algo ilegal, sobre o prisma do Tratado De Não-proliferação de Armas Nucleares (TNP) e de outros instrumentos de direito internacional público, é, do ponto de vista técnico, algo praticamente impossível de ser alcançado com bombardeios, mesmo com a eventual ajuda dos EUA.A bomba que os EUA dispõem para penetrar em estruturas subterrâneas (a GBU-57 series MOP -Massive Ordinance Penetrator) tem limitações que o Irã levou em conta, quando construiu suas novas instalações nucleares. Essa bomba, revestida de aço muito resistente e muito pesada (cerca de 13, 6 toneladas) é capaz de penetrar cerca de 60 metros de terra ou 18 metros de concreto com resistência à compressão de 5.000 psi (34 MPa).Acontece que as novas instalações de Fordow e Natanz estão a mais de 80 metros de profundidade e usam um concreto com resistência à compressão de 30.000 psi (210 Mpa). Ou seja, é um concreto seis vezes mais resistente à compressão que um concreto protendido normal.
Ademais, há outro fator, que, segundo os técnicos, dificultaria ainda mais as ações dessas bombas.
A penetração máxima da GBU-57 só é alcançada em uma trajetória perfeitamente perpendicular, que dissipa menos a energia cinética da bomba.
Ora, os engenheiros iranianos, com a possível ajuda de chineses, teriam construído estruturas adiamantadas, as quais provocariam o desvio das trajetórias das bombas de penetração em ângulos diagonais diversos, o que não só limita a penetração, como também torna muito difícil o possível uso cumulativo das bombas para se alcançar a profundidade almejada.
Ademais, o Irã armazenou centrífugas e urânio em pontos muito diversos de seu território, o que significa que, mesmo ante a improvável total destruição de Fordow e Natanz, sobrariam muitos elementos para o Irã reconstruir seu programa nuclear.
Conspira também contra essa estratégia de destruir o programa iraniano com bombardeios o grave perigo de uma contaminação radioativa que extrapolaria o território iraniano.
Frise-se que o Irã poderia construir uma bomba atômica com o plutônio de seu reator nuclear de Bushehr. Contudo, a destruição desse reator provocaria uma tragédia histórica no Oriente Médio. Seria um novo Chernobyl.
Assim, o desmantelamento total do programa nuclear iraniano não poderia ser alcançado somente com uma guerra aérea, mas exigiria uma guerra de ocupação, com muitas tropas em solo contra o Irã, algo que Israel não é capaz de fazer e que Trump, obviamente, não deseja fazer.
A mesma lógica aplica-se ao objetivo de se promover uma mudança de regime no Irã.
Não adianta Israel assassinar as principais lideranças iranianas com seus bombardeios muito precisos.
Os EUA só conseguiram promover mudanças de regime, como nos casos do Iraque e da Líbia, por exemplo, com sangrentas e custosas guerras de ocupação, as quais contaram com o apoio de grandes dissidências internas. Mesmo assim, tais mudanças de regime provocaram o caos e a destruição desses países e tiveram um custo humano altíssimo.
Do ponto de vista geopolítico, foram um fracasso. No caso do Afeganistão, os EUA devolveram o poder, de forma humilhante, aos Talibãs! Gastaram US$ 2,5 trilhões por nada. Trump sabe disso. Foi ele quem ordenou a retirada, a qual foi apenas concretizada por Biden.
No caso do Irã, um país com 92 milhões de habitantes, membro do BRICS, o custo seria muito maior e poderia incendiar todo o Oriente Médio. O Irã tem forças armadas com quase 1 milhão de homens. Não seria um passeio.
Embora exista uma oposição ao regime iraniano, ela não tem escala popular suficiente para insuflar uma mudança de regime, ainda mais no contexto de uma brutal agressão externa promovida por “inimigos históricos.” A tendência é a dos iranianos “cerrarem fileiras”, em defesa de seu país.
Caso o aiatolá Khamenei seja assassinado, como chegou a ameaçar Trump, haveria a insurreição de cerca de 200 milhões de xiitas. E a guerra se estenderia também ao Iraque, que tem maioria xiita, e possivelmente também ao Líbano, à Síria, ao Iêmen e ao Azerbaijão.
O ideal, portanto, é persistir em negociações razoáveis, que respeitem o direito do Irã de ter um programa nuclear para fins pacíficos, algo que é assegurado a esse país, assim como a qualquer outro país membro do TNP, como o Brasil, por exemplo. O Irã sempre demonstrou moderação e racionalidade, nesse aspecto.
Hegel dizia que se há uma lição que a História nos ensina é a de que os homens nada aprendem com ela.
Trump e Netanyahu que o digam.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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