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Ricardo Nêggo Tom

Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

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A morte é um projeto universal do reino de Edir Macedo

A sua frieza e desumanidade diante do suicídio de um pastor de sua igreja, revela a verdadeira face de um monstro, critica Ricardo Nêggo Tom

Edir Macedo pede que Deus remova quem se opõe a Jair Bolsonaro (Foto: Divulgação)

O ano era mil novecentos e noventa e alguma coisa, e eu estava apaixonado por uma menina que me convidou para ir ao Maracanã num certo dia de domingo. A paixão aumentou ao imaginar que ela também era apaixonada por futebol como eu. Só que não. Ao invés de estar me convidando para ver o Flamengo, que naquela época tinha Romário vestindo a camisa 11 da Gávea, a minha então amada queria assistir a um culto da Igreja Universal onde Edir Macedo era o camisa 10 da vigarice e da picaretagem. Que bola fora! Apaixonado, lá fui eu ver de perto o que, até então, só tinha ouvido falar pelas bocas miúdas que maldiziam o já midiático pastor. E não é que elas tinham razão? O homem era muito pior do que eu poderia imaginar.

Me lembro como se fosse hoje, quando Macedo subiu ao palco montado no centro do gramado para dar o pontapé inicial ao seu jogo sujo de desfaçatez e alienação, sob um esquema tático onde Jesus ficava na frente fazendo o “pivô”, para que ele pudesse flutuar pelo campo inteiro com liberdade para invadir a área do adversário, digo, dos fiéis. Ao perceber que começava a chover, ele ergueu as mãos para o céu e disse ao público que aquela chuva era um sinal da presença do espírito santo naquele lugar, e que todos ali deveriam se sentir abençoados. Houve um delírio nas arquibancadas como se a torcida estivesse comemorando um gol feito por Jesus. A partir daí, o espetáculo estava garantido.

Apesar de meio sonolento, eu observava atentamente as pessoas ao meu lado se vertendo em lágrimas e incorporações um tanto quanto esquisitas. Tudo isso sob o olhar atento de obreiros e obreiras prontos para pegar os demônios que embarcaram no corpo daqueles fiéis. Eu queria rir, mas minha então namorada me aconselhou a não o fazer porque eu poderia ser confundido com um possuído, e ter exorcizado o espírito de riso que me tomava o corpo naquele momento. Me mantive sério até o momento em que Macedo pediu para que os fiéis entregassem tudo o que eles tinham de melhor consigo, em nome da fé. E tudo era recolhido em sacos de embornal com a logo da igreja. Relógios, anéis, brincos, pulseiras, cordões, óculos, tudo isso ia sendo entregue a “Jesus” em troca de cura, libertação e prosperidade. Meninos, meninas e menines, eu vi.

Se fosse durante uma partida de futebol, Nelson Rodrigues diria que o “sobrenatural de Almeida” entraria em campo para operar um milagre. Mas como eu estava assistindo a um culto ao charlatanismo, eu via que Edir Macedo tinha incorporado um espírito de engano, e que os deuses do futebol que residiam no Maracanã deveriam castigá-lo por profanar o maior templo do esporte no mundo. Que nada! De lá pra cá, tudo piorou. O Maracanã, o futebol brasileiro, e, obviamente, Edir Macedo. Tanto, que o empresário da fé acaba de protagonizar um vídeo onde debocha do suicídio cometido por um pastor de sua igreja/empresa, e diz que não tem tempo a perder com quem já morreu. Até porque, morto não paga dízimo e nem dá lucro. Lucas de Castro Menino, de 35 anos, atuava em uma das filiais da IURD na Bolívia e, segundo relatos da esposa, enfrentava graves problemas de depressão, inclusive ignorados pela direção da igreja, segundo relatos da esposa do pastor.

Segundo Edir Macedo, “esse homem nunca foi pastor. Ele só tinha o título de pastor”, o que deveria fazer qualquer um que tenha neurônios questioná-lo com relação a suposta unção de Deus atribuída a todos os pastores da Universal. Mas como os seus seguidores não raciocinam mesmo – e Macedo tem absoluta certeza disso – ele segue exercendo sobre eles um reinado tão absurdo quanto as palavras que saíram de sua boca para comentar um episódio trágico e profundamente triste. Se dirigindo aos fiéis ele diz: “Ontem nós tomamos conhecimento que um pastor da Igreja Universal se matou. Nós sentimos, mas o que eu vou fazer? Vou ficar chorando a morte da bezerra? Não! Eu vou continuar com a minha fé, indo em frente. Mas aqueles que vivem uma fé emotiva, naquela fé de ‘a minha graça te basta’, aquela fé de nhem nhem nhem nhem, aquela fé sentimental, que são os fracos, os doentes, os enfermos crônicos que nós temos espalhados nas igrejas por todo o mundo, estes fracos querem que eu dê uma satisfação, sobre o que acho do suicídio desse pastor”.

É possível que aqueles que ainda continuarão a seguir Edir Macedo após essa fala repugnante, não conheçam a Bíblia que vivem carregando a tiracolo. Se conhecessem, saberiam o que está escrito em Mateus 9:12, quando Jesus disse que "os sãos não precisam de médico, mas sim os doentes. Vão e aprendam o que significa: 'Misericórdia quero, e não sacrifício'. Porque eu não vim chamar justos, mas pecadores". Quem procura uma igreja está doente de alguma forma, ou assim se sente. Seja da alma, do corpo, da mente, ou do bolso. E Jesus se colocou à disposição dos doentes que Macedo despreza e chama de “fracos”, para fortalecê-los e aliviar as suas dores. O que também deveria ser feito por aqueles que se dizem seus representantes na terra. Mas Jesus não é o exemplo que Macedo segue. Aliás, o dono da IURD já questionava o primeiro milagre atribuído a Jesus, defendendo que ele poderia ter feito coisa melhor do que transformar água em vinho.

Em outro trecho do vídeo, Macedo - ao contrário do bom pastor que dá a vida por suas ovelhas, como está escrito em João 10 : 11-15 - demonstra toda sua falta de empatia pelas ovelhas cuja lã ele arranca para garantir a riqueza que desfruta: “Se matou? Problema dele. É problema dele com Deus, não é comigo. Eu não sei porque ele fez isso, e nem quero saber. Eu só quero saber daqueles que estão vivos. Morreu, acabou! Minha mãe morreu, acabou. Enterra e acabou. Vamos em frente. Não vou ficar chorando o leite derramado. Eu sou assim. Quem quiser me aceitar, amém, quem não quiser, paciência. Se você está na Igreja Universal e não gosta dessa mensagem, vai embora. Vai para outra igreja, vai para onde você quiser. Agora, não venha encher o saco.”, disparou o vendilhão da fé, ativando o “foda-se” ungido, e mandando fiéis insatisfeitos com sua desumanidade para o quinto dos infernos.

Em João, 11:35, é possível ler que Jesus, ao saber da morte de Lázaro, chorou sentindo profundamente a perda. Já Edir Macedo não apenas ignora, como ainda tripudia do falecimento de um ex-funcionário. Um crápula como pastor e patrão. Explorador da miséria alheia, o inventor do “pare de sofrer” já acumulou grana o suficiente para não precisar mais do dízimo de qualquer um. Por isso, ele manda às favas aqueles que discordarem do seu ímpeto diabólico. Um ponto a ser abordado nessa questão, é o fato de Macedo tentar desassociar o pastor falecido do produto que a sua empresa vende. Afinal, ele vende Jesus como o autor da fé de seus fiéis, e se um de seus consultores morre mesmo fazendo uso desse “produto”, é preciso fazer os clientes acreditarem que ele não estava fazendo o uso correto dele. Só os desatentos caíram nessa armadilha, a começar por aqueles que ainda não perceberam que Macedo usa óculos, o mesmo acessório que ele mandou os fiéis jogarem fora em nome da fé que enxergam sem eles, naquela fatídica manhã no Maracanã, em mil novecentos e noventa demônios que o inspiravam naquele dia.

Edir Macedo é um monstro sem escrúpulos. Um sujeito que aconselhou seus fiéis a não tomarem vacina durante a pandemia, mas foi se vacinar às escondidas nos EUA. Diga-se de passagem, as falas de Macedo lembram muito a daquele pastor de gados que, enquanto deixava de comprar vacina para os cidadãos do seu país, fazia piada com as milhares de mortes decorrentes de sua omissão administrativa. O “morreu, acabou” de Macedo, é o “E daí?” de Bolsonaro. O seu “não vou ficar chorando a morte da bezerra”, é o “vão ficar chorando até quando?” do homem que hoje está em prisão domiciliar pedindo anistia pelos seus crimes. Seria utópico demais acreditar que Macedo um dia possa ser preso pelo charlatanismo que pratica há quatro décadas neste país, uma vez que o seu poderio se amplia na política através do partido que ele fundou, o Republicanos. O mesmo partido de Tarcísio de Freitas, o queridinho da Faria Lima que aparelhou as forças de segurança do Estado que governa, com a Igreja Universal de Edir Macedo. O descaso de Macedo com a morte alheia, talvez se explique no número de assassinatos cometidos pela PM de São Paulo, sob as orientações espirituais da sua igreja. Se a vida é um projeto de Deus, a morte é um projeto universal do reino de Edir Macedo.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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