Gleide Andrade avatar

Gleide Andrade

Secretária Nacional de Finanças e Planejamento do PT

6 artigos

HOME > blog

A importância da canonização de Carlo Acutis e Pier Frassati para o fortalecimento da democracia no mundo

A canonização dos dois santos italianos revela que a fé autêntica, quando vivida como compromisso social, é força vital para a democracia e a justiça no mundo

Carlo Acutis (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

A relação entre fé e democracia encontra, na história cristã recente, expressões paradigmáticas que transcendem épocas e contextos. Entre os protagonistas dessa condição, destaca-se Pier Giorgio Frassati, leigo italiano nascido em 1901, cuja breve trajetória foi marcada por uma intensa sublimidade aliada ao engajamento social e político. Em pleno ascenso do fascismo na Itália, Frassati transformou sua vivência cristã em resistência ética, contrapondo-se à lógica autoritária e à instrumentalização da fé pelo poder. Seu testemunho reafirma que a religiosidade autêntica não se isola em devoções privadas, mas se manifesta na defesa da dignidade humana, da justiça social e da liberdade — valores estruturantes da experiência democrática.

Frassati vivenciou a fé como prática pública. Atuou junto a operários, visitou famílias em condições de vulnerabilidade e participou de associações católicas comprometidas com a transformação social. Em um período em que a Igreja vivia tensões internas diante do autoritarismo político, sua opção pelos empobrecidos e seu repúdio à violência fascista revelaram uma teologia encarnada: uma religiosidade que se faz ética da solidariedade e fundamento de resistência civil. A fé, em Frassati, torna-se um horizonte de emancipação, capaz de inspirar uma concepção de democracia que ultrapassa o mero formalismo institucional.

Essa herança encontra continuidade simbólica em Carlo Acutis, jovem italiano da “geração digital”. Enquanto Frassati confrontou o fascismo de sua época, Acutis enfrentou, em outro registro, o desafio da indiferença e da fragmentação contemporânea. Utilizou a internet como espaço de conexões, comunhão e cuidado, transformando a tecnologia em instrumento de construção do bem comum. Sua sensibilidade, expressa no zelo humano pelos que estão segregados em condições de vulnerabilidade social, traduz uma verdadeira pedagogia da presença e da escuta, dimensão ética essencial à vitalidade da vida democrática.

Em 7 de setembro de 2025, Frassati, juntamente com Carlo Acutis, foi canonizado pelo Papa Leão XIV, em cerimônia realizada na Praça de São Pedro. A coincidência histórica de suas canonizações tem profundo simbolismo: une o santo que enfrentou o fascismo e viveu a caridade nas periferias operárias ao jovem que, na era digital, fez da tecnologia um meio de solidariedade e evangelização. Embora separados por quase um século, Frassati e Acutis convergem em uma mesma pedagogia espiritual e social: a fé vivida como compromisso e expressão da fraternidade. A correspondência entre os dois santos evidencia que a espiritualidade cristã, quando orientada pela compaixão e pela justiça, constitui um recurso civilizatório. Em tempos distintos, ambos exprimem a mesma perspectiva ética: a fé deve gerar compromisso, e o compromisso deve traduzir-se em práticas que promovam a justiça e a dignidade. O primeiro encarna a resistência frente à tirania; o segundo, a esperança diante da desumanização digital. Esses novos santos revelam que a religião não se separa da política enquanto cuidado do bem comum — um dos alicerces do Magistério Social da Igreja.

No contexto brasileiro recente, marcado por tensões antidemocráticas e pela indiferença em relação aos empobrecidos, a tradição de fé engajada na luta por justiça social adquire renovada relevância e encontra expressão na atuação do padre Júlio Lancellotti. Sua presença ativa ao lado da população em situação de rua é continuidade concreta do testemunho de Frassati e do ideal de Acutis. Lancellotti traduz em gestos cotidianos a mesma espiritualidade da resistência profética: acolher, proteger e denunciar. Como Frassati, enfrenta estruturas de exclusão; como Acutis, comunica pela palavra e pelo gesto um evangelho social que humaniza e convoca à responsabilidade coletiva.

A fé, quando posta a serviço da democracia, converte-se em força ética capaz de sustentar a vida pública e encantar o espaço político. Frassati e Acutis reforçaram que o cristianismo é incompatível com o autoritarismo, a indiferença e as desigualdades sociais. Essa transcendência, quando vivida como compromisso com os que sofrem, torna-se fundamento de um projeto pautado pela solidariedade e pelo reconhecimento da dignidade de cada indivíduo.

Assim, entre o santo que resistiu ao fascismo e o jovem da era digital, delineia-se uma mesma mensagem: a fé só é plena quando faz da esperança ações concretas e públicas, e a democracia só se renova quando se alimenta do compromisso social com o outro, através da compaixão, da solidariedade e da justiça para todos.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.