A guerra de Trump: do Irã à Venezuela?
Na caracterização da liderança venezuelana, autoridades estadunidenses recorrem a uma retórica que mistura acusações políticas e criminais
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou, na sexta-feira, uma ordem executiva instruindo o secretário de Defesa, Pete Hegseth, a tomar todas as medidas necessárias para garantir que o nome do Departamento de Defesa seja “permanentemente alterado para Departamento de Guerra”.
A justificativa de Trump para restaurar a antiga denominação do órgão (utilizada até 1949) é que o nome atual seria “muito defensivo, e queremos ser ofensivos também”. Segundo comunicado da Casa Branca, a nova designação permitirá que os Estados Unidos imponham “a paz pela força” e “garantam que o mundo volte a respeitar os Estados Unidos”.
O presidente já havia substituído a denominação Golfo do México por “Golfo da América” e restaurado os nomes originais de bases militares — que haviam sido alterados após protestos contra sua conotação racista. Entretanto, essa última medida parece ser a mais indicativa da direção geral do governo Trump e também a mais perigosa.
A adoção do termo “defesa” pelos Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial, foi uma resposta pragmática ao risco de novas guerras mundiais em meio à proliferação de armas nucleares, que poderiam levar à aniquilação da humanidade e do planeta. Assim, retornar ao termo “Ministério da Guerra” e propor ideias como “impor a paz pela força”, no cenário global atual, soa como um alerta para perigos iminentes.
Um dos acontecimentos mais significativos nesse sentido é o aumento da presença militar estadunidense na costa da Venezuela, considerada pelo presidente Nicolás Maduro “a maior ameaça que nosso continente testemunhou em um século”. De acordo com ele, a Marinha dos EUA posicionou oito navios de guerra na região, “transportando 1.200 mísseis”.
Segundo a agência Associated Press, mais três navios de assalto anfíbio devem chegar ao local, reforçando uma força que incluirá 4.000 marinheiros e fuzileiros navais. Na última terça-feira, tropas estadunidense atacaram uma embarcação proveniente da Venezuela, resultando, segundo Trump, na morte de 11 supostos terroristas. Embora o ataque tenha sido classificado como uma operação contra o “cartel de drogas”, o governo dos EUA não esconde seus objetivos políticos mais amplos.
Essa intenção ficou clara na declaração do secretário de Defesa estadunidense, feita na última quarta-feira, quando afirmou que a decisão sobre uma eventual mudança de regime na Venezuela caberia ao presidente Trump, acrescentando que os Estados Unidos estão “totalmente preparados”.
Na caracterização da liderança venezuelana, autoridades estadunidenses recorrem a uma retórica que mistura acusações políticas e criminais. Maduro, segundo a definição do governo Trump, seria um “líder de cartel de drogas”. Por essa razão, Washington ofereceu uma recompensa de até US$ 50 milhões por sua captura.
A tendência de nomear os Estados Unidos como “Departamento de Defesa” e a escalada sem precedentes na costa da América Latina são consistentes com o grande ataque lançado por Washington, em conjunto com Israel, contra o Irã em 13 de junho. Isso levou o vice-ministro das Relações Exteriores iraniano, Saeed Khatibzadeh, a afirmar, na sexta-feira, que “a possibilidade de uma guerra entre o Irã e o regime sionista é muito alta”.
Tudo isso também é consistente com a coordenação política e militar com Israel no atual ataque a Gaza e com a cumplicidade em relação aos planos do governo israelense na Cisjordânia, por meio da implementação do plano E1 e do anúncio de medidas para anexar 82% do território ocupado. Além disso, alinha-se aos esforços incansáveis para enfraquecer e punir a Autoridade Palestina, impedir que seus altos funcionários ingressem nos Estados Unidos para participar da reunião da Assembleia Geral da ONU e combater o movimento global pelo reconhecimento do Estado Palestino.
Mudar o nome do Departamento de Defesa dos EUA, substituir a designação “Golfo do México” por outra denominação ou rotular Maduro como “líder de gangue terrorista” não são questões puramente “linguísticas”; ao contrário, representam provavelmente um prelúdio para uma mudança perigosa na política global.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.