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Jair de Souza

Economista formado pela UFRJ, mestre em linguística também pela UFRJ

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A força onipotente do ódio de classe

'Pessoas são capazes de atuar como típicos de animais selvagens.Tomemos, por exemplo, o patriarca do bolsonarismo'

Jair Bolsonaro (Foto: Reuters)

Várias agências de sondagem de opinião acabam de divulgar enquetes que refletem as reações públicas em relação com as recentes condenações dos líderes da organização criminosa que arquitetou a tentativa de golpe de Estado que culminou nos atos vandálicos de 8 de janeiro de 2023.

Embora os números apresentados sejam, de certa forma, alvissareiros, já que indicam uma não aceitação majoritária da proposta de anistia para os golpistas condenados, também há neles motivos para causar-nos apreensão. Como entender que cerca de 40% dos sondados ainda demonstrem condescendência e identificação com o líder da organização criminosa, mesmo após as revelações de detalhes incontestáveis de seu envolvimento nos planos para violar o desejo expressado por via do voto pela maioria dos brasileiros e, inclusive, com as tramas que visavam assassinar o atual presidente, seu vice e o presidente do TSE?

No entanto, cada vez vai ficando mais evidente que existe uma explicação simples que, ao longo da história e por todo lado, revela e elucida o que dá embasamento ao tipo de fenômeno social com o qual estamos nos deparando neste caso. E a resposta pode ser resumida na expressão “ódio de classe”.

Sem dúvidas, todos nós, quase que sem exceção, já pudemos sentir em algum momento a incomensurável força impulsionadora do ódio. Quem nunca passou por experiências em que sensatez e ponderação fossem deixadas de lado porque o ódio que nos movia nos levava a desconsiderar o uso da razão e da lógica? Sim, o ódio tem a capacidade de se sobrepor a outros sentimentos. Por isso, quando estão dominadas pela fúria do rancor, as pessoas são capazes de atuar de modo equivalente ao que costumamos considerar como típicos de animais selvagens.

Além disso, em termos coletivos, não há ódio que consiga se impor com tanta virulência como o ódio de classe. Por isso, ao instilar em certas camadas da população a ojeriza contra os mais pobres, as classes dominantes sabem que os que foram por elas insuflados estarão dispostos a cometer as maiores crueldades imagináveis contra os alvos de sua bronca. E, pelas mesmas razões, serão capazes de ignorar ou considerar irrelevantes toda e qualquer sordidez cometida por alguém de seu campo de identificação contra gente tida como inimiga.

Tomemos, por exemplo, o patriarca do bolsonarismo. Por que alguém tão tosco, tão bruto, tão ignorante, tão troglodita, tão preconceituoso, tão sórdido e tão perverso é bem aceito por certos cidadãos que gostam de se apresentar como a elite moral e cultural da nação? Será que essa gente, apesar de todos os seus recursos, não se dá conta das características de podridão inerentes ao citado patriarca? Evidentemente, não é por não poderem detectar tais mazelas que essas pessoas se mantêm fieis a ele. Na verdade, o apoio que lhe dão se deve exatamente ao fato de que são essas características monstruosas o que oferece às classes dominantes a convicção de que ele não hesitará em passar por cima de ninguém para defender os interesses delas.

Porém, como, numericamente falando, as elites econômicas não passam de um punhadinho de pessoas, é de fundamental importância que obtenham respaldo político entre as outras camadas sociais para que venham em seu apoio. Com este propósito, exercem um forte trabalho de cunho ideológico para atrair setores significativos da classe média, assim como também de parcelas expressivas dos trabalhadores mais humildes.

Uma vez mais, a ferramenta mais eficaz para que as classes dominantes tenham êxito em sua empreitada de jogar povo contra povo é a instigação do ódio de classe. Assim, pessoas da classe média são induzidas a ver nos mais pobres os inimigos que atravancam seu caminho rumo a uma vida melhor. Ao mesmo tempo, é preciso fazer que outros pobres sintam que sua saída do estado de penúria se dará com um completo afastamento de sua identificação com as aspirações de classe dos trabalhadores. Seu desejo deve ser o de tornar-se membro das classes dominantes. Para isso, o primeiro passo é livrar-se de toda e qualquer vinculação sentimental com os demais pobres.

Quando o ódio já está sedimentado entre um grupo de pessoas, a verdade e a mentira deixam de ter valor por si mesmas. O importante é saber o que pode favorecer a aniquilação daqueles a quem odiamos. Se a difusão de uma mentira contribuir para este processo, bem-vinda seja a mentira. Se a verdade puder impedir a realização de nosso objetivo de aniquilação, nada mais justo do que ignorá-la. Em outras palavras, o mal pode vir a ser o bem, e o bem pode significar o mal, dependendo de que contribua ou atrapalhe nosso empenho por eliminar o objeto de nosso ódio.

Foi a partir da assimilação deste pensamento que se tornou possível passar a referir-se a Lula como a expressão máxima da corrupção, e ao patriarca do bolsonarismo como o símbolo da pulcritude moral. Não importa que Lula tenha sido acusado e condenado sem provas por haver recebido benfeitorias de uma empreiteira em um apartamento que nem era dele, estimado em um valor de mercado de 1,7 milhão de reais; ao passo que o patriarca do bolsonarismo surrupiou descaradamente joias provenientes da Arábia Saudita que valiam, pelo menos, dez vezes mais do que o badalado triplex, ou seja DEZESSETE MILHÕES de reais.

É com base nesta mesma filosofia que os bolsonaristas se autoclassificavam como os campeões da defesa nacional, indo a todo momento para as ruas vestidos com a camiseta da seleção e enrolados na bandeira do Brasil. Não importa para nada o fato de que agora os próceres bolsonaristas estejam trabalhando descaradamente juntos com o governo dos Estados Unidos para prejudicar a economia nacional, enquanto que as manifestações do bolsonarismo se caracterizam por estender bandeiras gigantes dos Estados Unidos, além das do sionismo israelense.

O deus do bolsonarismo é o deus dos empresários pastores, que não tem absolutamente nada a ver com o Deus de Jesus. Estes falsos pastores odeiam a Jesus tanto ou mais do que odeiam o povo trabalhador. Por isso, são os principais responsáveis por levar a mensagem de ódio, a mensagem da maldade para o seio das comunidades mais carentes, para instigar pobres contra pobres. Os pastores picaretas usam traiçoeiramente o nome de Jesus para praticar a obra da maldade, ou seja, a obra do diabo.

Portanto, mesmo que minoritária em relação ao conjunto, esta persistente adesão ao bolsonarismo tem por base o enorme ódio de classe que os setores privilegiados da sociedade nutrem contra as maiorias trabalhadoras, especialmente contra os mais pobres. E este ódio contra os pobres é tão intenso que é capaz de justificar tudo. É um sentimento tão maldoso e doentio que pode induzir uma pessoa com escolaridade de nível superior a dar mais valor a um Raul Gil do que a Paulo Freire. É um ódio tão furibundo que leva alguns a debocharem de centenas de milhares de pessoas que morreram por falta de atenção na COVID-19, ao passo que acha desumano fazer o chefe da organização criminosa que articulou a tentativa de golpe de Estado cumprir a sentença penal que lhe coube.

Em vista do acima exposto, não podemos nos esquecer de que, nas sociedades em que existem classes que exploram o trabalho da maioria, a luta de classes também estará inevitavelmente presente. É esta luta de classes que faz brotar o ódio contra os mais pobres. Como lutadores sociais do campo popular, nossa obrigação é tomar o lado do povo trabalhador para impedir que as classes dominantes nos contaminem com seu ódio doentio.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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