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Jair de Souza

Economista formado pela UFRJ, mestre em linguística também pela UFRJ

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A disputa ideológica se trava nas bases populares

Sem enfrentar o bolsonarismo neopentecostal, a esquerda seguirá em desvantagem na disputa de consciências

Durante a Caminhada do Dois de Julho, a população saiu às ruas em massa junto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para defender a taxação dos super-ricos - Salvador-BA - 02/07/2025 (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Mais uma vez, queria trazer à tona uma preocupação que já me aventurei a abordar em diversas outras oportunidades. Refiro-me à disputa ideológica junto às camadas populares, para que estas assumam um papel decisivo e determinante no processo político do país.

Embora o quadro de deterioração das condições de vida no Brasil tenha nos deixado evidente que não se vislumbra outra saída para nossa catástrofe social fora do socialismo, está sendo muito mais difícil identificar quais setores do campo popular estão aptos a encabeçar o processo de lutas com esse objetivo.

Em meu entender, a principal dificuldade quanto a esse aspecto deriva das características que vêm prevalecendo na evolução do funcionamento das economias capitalistas nas últimas décadas, com um irrefreável avanço da digitalização, seja no efetivo processo de produção, seja nas demais atividades correlatas.

Para os que, como eu, buscamos analisar o panorama desde uma ótica marxista, vinha sendo mais ou menos fácil visualizar na classe operária fabril o setor preponderante na condução das lutas. Essa compreensão provinha quase que naturalmente da tendência prevalecente no capitalismo até bem pouco tempo atrás. É que o desenvolvimento da produção levava diretamente à reunião de grandes números de trabalhadores, em enormes plantas industriais, onde cada um podia perceber-se e sentir-se como parte integrante de um coletivo, que atuava dentro de um espírito complementar e solidário.

Portanto, não era nada de outro mundo para esses trabalhadores saltar dessa percepção vivida em seu dia a dia para o reconhecimento da importância de construir uma sociedade em que a coletividade também fosse a prioridade, ou seja, uma sociedade socialista.

Contudo, com a crescente intensificação do emprego da informática nas atividades econômicas de modo geral, as características da classe trabalhadora também estão sofrendo fortes alterações. O operariado industrial perdeu muito de sua expressividade numérica e, atualmente, quase não existem aquelas plantas fabris onde dezenas de milhares de operários trabalhavam lado a lado.

Em contrapartida, uma significativa parcela de trabalhadores deixou de ser assalariada para ingressar na chamada “uberização”, na condição de autônomos, com a consequente perda da maioria daqueles direitos que haviam sido conquistados ao longo de séculos de lutas de seus antecessores.

Em consequência de todos esses fatores surgidos em função da acentuada informatização de nossa economia, inverteu-se a tendência que vinha predominando desde os primórdios da Revolução Industrial. Agora, em vez de serem aglomerados em plantas cada vez mais numerosas, os trabalhadores estão sendo induzidos a buscar alternativas isoladas de sobrevivência econômica.

Além dos impactos referentes à diminuição de sua capacidade de resistência diante dos grandes capitalistas, essa nova tendência gera enormes problemas de caráter ideológico. Ao ter de se adaptar a uma situação em que se vê de modo isolado em relação ao conjunto, cada trabalhador se torna um alvo mais facilmente atingível por visões ideológicas que apregoam e promovem o individualismo como solução de vida.

E os agentes ideológicos que servem aos interesses dos grandes exploradores operam nesse ambiente, sabendo que a realidade circundante obscurece a visão dos trabalhadores e reduz sua consciência sobre a relevância da unidade de forças para conquistar mudanças. O objetivo desses serviçais das classes dominantes não é outro senão manter as massas de explorados sem capacidade de reagir e encontrar saídas do estado de completa submissão em que se encontram.

No Brasil, o trabalho ideológico em favor do imperialismo estadunidense e do grande capital tem em sua linha de frente as chamadas igrejas neopentecostais. Apesar de serem inimigas mortais de tudo o que o legado de vida de Jesus significa, essas mal chamadas igrejas se apropriam de seu nome para fazer a defesa de toda a podridão da extrema direita que caracteriza o nazismo-fascismo-bolsonarismo. Por isso, não há como travar a luta por justiça social para a maioria dos trabalhadores sem fazer o enfrentamento ideológico com o neonazismo-bolsonarismo neopentecostal.

Nas novas condições surgidas do capitalismo da era da informatização, enormes contingentes de trabalhadores foram relegados à sua solidão em seus locais precários de moradia. Como essas pessoas se encontram em situação de grande vulnerabilidade e se veem sozinhas diante de seu sofrimento, essas igrejas do grande capital se aproveitam para atraí-las para propostas do mais perverso individualismo e egoísmo. Por isso, as organizações políticas que pretendem representar os interesses profundos do povo trabalhador não podem continuar deixando o campo livre para a atuação dessas correntes pseudo-religiosas de extrema direita.

Ainda que o trabalho militante junto aos operários em suas fábricas continue sendo correto e necessário, precisamos entender que há muitíssimos outros trabalhadores em condições bem diferentes do ambiente fabril. É nosso dever ir a seu encontro ali onde eles podem ser encontrados, ou seja, junto a seus locais de moradia. É isso o que os ideólogos do grande capital estão fazendo por meio das tais igrejas neopentecostais. Evidentemente, também temos de reforçar junto a eles nossa convicção de que nossa meta é a construção do socialismo!


* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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