A diplomacia brasileira diante do tarifaço de Trump: entre o discurso e a realidade
Brasil responde ao tarifaço de Trump com diplomacia cautelosa, reforça laços com BRICS e diversifica parcerias globais para reduzir dependência dos EUA
A resposta oficial do governo brasileiro às tarifas de 50% impostas por Donald Trump tem seguido um roteiro diplomático previsível: pedidos constantes para "abrir conversações" e afirmações categóricas sobre a soberania nacional. O vice-presidente Geraldo Alckmin tem liderado reuniões com empresas americanas e enviado cartas confidenciais aos Estados Unidos, "enumerando um conjunto de itens que se poderia avançar no acordo comercial", sempre reiterando que "o Brasil está aberto ao diálogo". Essa postura calculadamente não confrontativa baseia-se no entendimento de que as próprias tarifas acabarão pesando politicamente contra Trump, uma vez que podem significar aumento do preço de produtos do cotidiano para os norte-americanos e já provocaram reação até mesmo de empresas americanas como Amazon, Coca-Cola, GM e Caterpillar, que declararam apoio ao Brasil para reverter as medidas.
Essa estratégia diplomática tem o efeito colateral de "acalmar" setores da elite brasileira historicamente submissos aos Estados Unidos, criando a impressão de que o governo Lula realmente prioriza a negociação com Washington e "mantém a porta aberta". Ao evitar retaliações diretas e enfatizar o diálogo, o Planalto consegue neutralizar críticas de grupos empresariais e políticos que sempre defenderam um alinhamento automático com os EUA, fazendo-os acreditar que a diplomacia brasileira ainda orbita em torno da relação bilateral com os americanos. Essa percepção é reforçada pelas constantes declarações públicas de disponibilidade para o entendimento e pela participação ativa de representantes do setor privado nas discussões sobre possíveis soluções.
A realidade, contudo, é bem diferente. Embora o Brasil efetivamente mantenha canais abertos de negociação com Washington, não está esperando por Trump nem pelos Estados Unidos para redefinir sua inserção internacional. Nos bastidores, o país vem acelerando drasticamente sua aproximação com os BRICS e diversificando parcerias comerciais numa velocidade sem precedentes. Com o Brasil assumindo a presidência do BRICS em 2025, a estratégia real é consolidar uma rede de relacionamentos que reduza estruturalmente a dependência do mercado americano, transformando as tarifas de Trump em uma oportunidade histórica para reorientar definitivamente a política externa brasileira.
China: o parceiro estratégico central
Com a China, foram assinados 37 novos acordos bilaterais em 2025, incluindo cooperação em inteligência artificial, agricultura familiar moderna e economia digital. O destaque é o acordo de swap cambial entre os bancos centrais dos dois países, que permite comércio direto sem a necessidade de usar o dólar, simbolizando a busca por autonomia financeira em relação ao sistema monetário americano. As relações Brasil-China vivem "um momento de fortalecimento sem precedentes", com o comércio bilateral de US$ 136,3 bilhões em 2024, consolidando a China como alternativa concreta ao mercado americano para as exportações brasileiras.
Rússia: diálogo econômico permanente
O Brasil oficializou memorando de entendimento com a Rússia para criar mecanismos permanentes de diálogo econômico e financeiro, estabelecendo canais estáveis de cooperação em fóruns multilaterais como BRICS e G20. Apesar das sanções ocidentais à Rússia, o Brasil mantém uma postura pragmática, priorizando seus interesses comerciais e energéticos, especialmente em projetos de infraestrutura e cooperação tecnológica que reduzam a dependência de fornecedores americanos e europeus.
Índia: parceria em ascensão
A Índia representa uma das apostas mais promissoras da diversificação brasileira. Durante a visita do primeiro-ministro Modi, em julho de 2025, foram selados novos acordos em segurança, energia e transformação digital, com o comércio bilateral totalizando US$ 12 bilhões em 2024 e crescimento de 24% nos primeiros cinco meses de 2025. Lula defendeu a ampliação do Acordo MERCOSUL-Índia, destacando que "apenas 14% das exportações brasileiras para a Índia estão cobertas pelo acordo", indicando o enorme potencial ainda inexplorado nessa parceria.
África do Sul: portal para o continente africano
Embora as informações específicas sobre novos acordos com a África do Sul sejam limitadas, o país mantém seu papel estratégico como porta de entrada do Brasil no continente africano. A África do Sul funciona como plataforma para expandir relações comerciais com toda a região subsaariana, aproveitando laços históricos e culturais para desenvolver mercados alternativos aos tradicionais parceiros ocidentais.
União Europeia: o acordo estratégico
Economistas defendem a urgência da aprovação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia como estratégia para amenizar o impacto das tarifas americanas. Há expectativas de que esse acordo possa criar um "efeito dominó", incentivando outras negociações e reposicionando o Brasil como parceiro confiável no comércio internacional. A UE representa não apenas um mercado alternativo aos EUA, mas também uma fonte de tecnologia e investimentos para setores estratégicos da economia brasileira.
Países árabes: a nova fronteira comercial
A Câmara de Comércio Árabe-Brasileira apresentou ao governo federal um plano estratégico para redirecionar produtos brasileiros afetados pelo tarifaço americano para países árabes. Em 2024, as exportações brasileiras aos 22 países árabes atingiram US$ 23,68 bilhões, um recorde histórico. O plano prevê retomada e aceleração de acordos de livre comércio com países como Marrocos, Palestina e Líbano, aproveitando alíquotas de importação que variam de 0% a 30%, com a maioria dos produtos sendo taxada entre 5% e 6%.
Conclusão: a política externa finalmente sob comando
Essa movimentação diplomática intensa revela que, pela primeira vez no terceiro mandato de Lula, a política externa parece seguir exatamente as diretrizes presidenciais, sem as hesitações e contradições que marcaram períodos anteriores. Os "ecos" bolsonaristas que ainda ecoavam no Itamaraty parecem ter finalmente se envergonhado e se calado diante da demonstração clara de que uma política externa independente não apenas é possível, mas traz resultados concretos. A resposta às tarifas de Trump tornou-se, paradoxalmente, a oportunidade que o Brasil precisava para demonstrar que sua diplomacia pode ser ao mesmo tempo respeitosa com os EUA e totalmente autônoma em relação aos interesses americanos, consolidando uma inserção internacional verdadeiramente soberana.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.