A conjuntura desigual imposta pela hegemonia da extrema-direita. A resistência é possível?
É preciso paciência e resistência
A ideologia cloroquina, o marco da negação da ciência no Brasil! Bolsonaro negligenciou 714 mil mortes na pandemia, fez um governo desastroso, sem entregas, sem nada digno de nota, terceirizou o orçamento da União, entregando-o ao Centrão. Ele fazia questão de brigar com a mídia todos os dias, um governo fortemente marcado pela IDEOLOGIA, que tratava os que discordavam internamente como “comunistas”, entreguista do patrimônio público, que teve zero de visibilidade internacional. Com tudo isso, mesmo assim, quase se reelegeu (e não só pelos bilhões da farra final). Ademais, nem tem como se falar da “falha de comunicação do PT”, mas como explicar isso racionalmente?
Uma ideologia que NEGA tudo, se diz CONTRA o SISTEMA (mesmo estando dentro dele) é muito mais difícil de ser combatida do que qualquer outra. Não é algo racional: são formulações simples, mesmo as mais absurdas, que se sustentam por si mesmas. Claro que isso levou a uma maioria sólida da extrema-direita nos parlamentos (Senado, Câmara Federal, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais), nos executivos estaduais e municipais de todo o país, no Judiciário (ainda reflexos da Lava Jato) e no meio jurídico, além da força numerosa da sua base de sustentação: os evangélicos pentecostais, que atendem ao chamado para irem às ruas defender “deus” e seu “messias” (nada mais fajuto).
É importante entender que há uma hegemonia construída mundialmente. O ascenso do nazifascismo levou 15 anos (1919-1933), nada muito diferente do que agora (2008-2020). Naquele outro período, depois da Primeira Guerra Mundial; no novo, a crise que derrubou Wall Street (2005-2008) foi o que liberou as forças dos esgotos, usando como argumento o fracasso da democracia e da política, tornando-as culpadas pela queda da economia e pela perda dos sonhos e ganhos da população (o que em parte é verdade). Entretanto, a lógica dessa concepção política é a negação das instituições, da política, da democracia, transformando-se em um processo destrutivo. Mais ainda: com o crescimento explosivo das redes sociais, o cenário tornou-se disruptivo.
Então, por essa visão, é preciso paciência e resistência.
Nesta realidade paralela, de um mundo em negação de si mesmo, da ciência, dos valores civilizatórios, surgem figuras distópicas (opressivas, autoritárias e totalitárias) e elas ganham enorme relevância. Personagens saídos dos guetos políticos ou até de revistas em quadrinhos, líderes ordinários, fakes, passam a ter grande influência e vencem eleições, causando estragos poucas vezes vistos na história, num assombroso cenário de combate político e ideológico contra caricaturas humanas, cínicos e messiânicos, misturando religião, poder, supremacia racial, com rupturas sociais e modelos de sociedades plurais em que há diversidade de ideias e de comportamentos.
Há uma mitificação de líderes que os torna imunes a qualquer enquadramento legal, responsabilidade por seus atos, por piores que sejam, são aceitos e tolerados. Quem ousa impor limites jurídicos e sociais é atacado e ameaçado. Exemplo é a tolerância com o comportamento de alta traição do Brasil cometido por Eduardo Bolsonaro, que, mesmo sendo deputado federal por São Paulo, mudou-se para os EUA e de lá comanda uma guerra particular contra o seu país. Na verdade, apenas em defesa do seu pai e do clã criminoso, miliciano, que os mantém no poder e na liderança de um grupo fascista.
Tudo isso em nome de um conceito vago, a “Liberdade”, que simbolicamente virou pano de fundo para todo tipo de comportamento “antissistema”. A liberdade de mentir, usar as redes sociais para espalhar fake news, sendo monetizados pelas big techs, o que fez enriquecer uma gama de imbecis e idiotas, quase todos com ideologia autoritária e que cometem graves crimes contra a honra, contra a economia, ataques às mulheres, aos LGBTs, aos negros, aos pobres, o uso de pornografia (inclusive infantil). Claro, tudo isso feito em nome de deus (sabe-se lá qual) e da tal liberdade de expressão, contra qualquer “censura” ou freio legal.
É esse o caldo de cultura da hegemonia dominante que avançou de forma avassaladora no mundo e no Brasil. Aqui ainda houve a derrota eleitoral em 2022 e a tentativa de golpe após as eleições de 2022. A tenacidade do ministro Alexandre de Moraes e da segunda turma do STF, combinada com a política de recuperação feita pelo governo de frente ampla comandado por Lula, é que seguraram o CAOS. Nessa quadra francamente reacionária, com todos os cuidados, o próprio PT, que muitas vezes se guia pelo medo do que a mídia corporativa vai falar, das manchetes, dos arautos da Faria Lima, consegue ser fundamental para a resistência local e ter repercussão mundial, em especial nas posições de defesa do Brasil frente ao tarifaço e ao achaque de Trump.
A defesa da soberania nacional frente aos ataques e ameaças de Trump (o Coringa de Gotham City) tem limites justamente em um problema real: a hegemonia neofascista torna a percepção turva, o estado de negação é enorme em pelo menos 1/3 da população, o que se refletiu na recente pesquisa do Datafolha, em que 35% culparam o governo Lula pelo tarifaço. A sondagem, percebe-se, foi bem manietada para obter o resultado desejado, inclusive para liberar a Faria Lima a atacar os planos de ação do governo Lula para defesa do país. Nada é coincidência, até mesmo para esconder as denúncias públicas feitas por Lula ao associar o tarifaço ao clã Bolsonaro, mesmo com a família aos berros atacando o Brasil.
A disputa é ideológica, das mais ferozes do Brasil. Importante é apoiar as iniciativas do governo, não se deixar cair na narrativa midiática e bolsonarista, tergiversar sobre o óbvio, muito menos deixar de reconhecer os enormes esforços para manter o país de pé e resistente, ainda que haja uma clara vantagem hegemônica para a extrema-direita. O trabalho será de longo prazo, difícil demais, com avanços pequenos, com recuos, empates, sem que se espere uma vitória decisiva para amanhã ou uma derrota acachapante. É luta diária, árdua e sem trégua, contra uma conjuntura extremamente complexa e com poucos aliados.
O MEDO é o maior inimigo do campo que defende a democracia.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.