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Beatriz Bevilaqua

Beatriz Bevilaqua é apresentadora na TV 247 e especialista em tecnologia e inovação

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A China que vi com meus próprios olhos e suas lições para o mundo

Em uma viagem pela China, relato como o país alia tecnologia limpa, organização social e memória milenar e por que o Brasil deve se inspirar

A China que vi com meus próprios olhos e suas lições para o mundo (Foto: Acervo pessoal )

Em um mundo que arde em crises climáticas, guerras e retrocessos negacionistas, testemunhar de perto a ascensão de uma nação que ousa pensar em futuro coletivo é, antes de tudo, um sopro de esperança. O que define o futuro de um país? Talvez a resposta esteja justamente nos pequenos detalhes do cotidiano: na limpeza das ruas, na segurança de caminhar sozinha à noite, na disciplina de uma sociedade que investe no bem comum, e na forma como um povo preserva sua história milenar sem abrir mão da inovação que o projeta para as próximas décadas.

Fui selecionada para representar o Brasil em um grupo internacional de jornalistas convidados a percorrer a “Nova Rota da Seda”, em um programa oficial de intercâmbio cultural e midiático promovido pelo governo chinês. Essa jornada me levou de Pequim a Kunming e Xi’an, atravessando não apenas distâncias geográficas, mas também temporais: da China milenar de templos e danças tradicionais à potência tecnológica que lidera em energia limpa, inteligência artificial e mobilidade elétrica.

O que vi, vivi e senti nessa viagem foi muito além de números e estatísticas. Foi um mergulho em uma sociedade organizada e colaborativa, que em muitos aspectos já habita o futuro que nós, brasileiros, ainda sonhamos alcançar.

Entre Confúcio e os robôs

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A filosofia de Confúcio ainda pulsa no cotidiano chinês, refletida na disciplina, no respeito e no senso de coletividade. Mas, ao lado desse legado milenar, o país aposta de forma decidida na inovação.

Em Pequim, vi crianças jogando futebol com robôs como se fosse a coisa mais natural do mundo. Em Xi’an, conheci estações de metrô autônomas e inteligentes, um feito que só se sustenta graças a investimentos de longo prazo. Já na BYD, gigante da mobilidade elétrica, impressiona a escala: em 2024, a empresa ultrapassou a marca de 4 milhões de veículos elétricos vendidos no mundo.

A cada esquina, um contraste: templos budistas com desejos pendurados ao lado de prédios sustentáveis cobertos de energia solar. Casas milenares que, da janela, revelam torres tecnológicas autossuficientes. É essa convivência entre passado e futuro que faz da China algo tão singular.

Em Kunming, a chamada “cidade da eterna primavera”, presenciei um dos exemplos mais inspiradores de recuperação ambiental que já conheci. O lago Dianchi, antes um dos mais poluídos da China, hoje é um símbolo da integração entre ciência, tecnologia e natureza.

A estratégia foi múltipla: dragagem de sedimentos, uso de bactérias e plantas aquáticas para reduzir a poluição, sensores e inteligência artificial para monitorar em tempo real. Mais do que uma obra de engenharia, foi uma construção coletiva, envolvendo governos locais, cientistas e comunidades.

O resultado é visível: águas mais limpas, biodiversidade em recuperação, vida renascendo onde antes havia degradação. Não pude deixar de pensar no Brasil, em nossos rios mortos e em nossas cidades marcadas pelo abandono. Se a China consegue, por que aceitamos tão pouco de nossos próprios governantes?

Pequenos detalhes, grandes diferenças

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Viajar também é enfrentar estranhamentos. Confesso que senti falta do nosso arroz com feijão diário e do tempero brasileiro. Tive dificuldade de me adaptar aos banheiros em que é preciso agachar, que não possuem assento sanitário, apenas um buraco no chão. Curiosamente, essa posição é considerada mais anatômica e benéfica para o corpo, fortalecendo os músculos e facilitando o trânsito intestinal. Estranhei também ver tantas pessoas fumando nas ruas.

Mas esses pequenos desafios se diluíram diante da experiência de tomar chá quente em cada intervalo, de provar uma sopa inesquecível que preparei eu mesma com os ingredientes selecionados pelos chineses, e de caminhar sem medo pelas ruas iluminadas de Xi’an e Pequim. Vi um senhor de 70 anos com flexibilidade invejável, reflexo de uma rotina de alimentação saudável e movimento constante. Em nenhuma das cidades visitei moradores de rua, um contraste marcante com a realidade do Brasil e dos Estados Unidos.

Até mesmo o modo como lidam com os animais desconstrói mitos ocidentais. Existe a ideia de que a maioria dos chineses come cachorro, mas vi muitos animais sendo cuidados como membros da família, inclusive em carrinhos especiais. A China é, na verdade, o segundo maior mercado pet do mundo, atrás apenas dos EUA e à frente do Brasil.

Uma sociedade colaborativa

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Visitar os aeroportos chineses foi outra experiência reveladora. Pequim, Xi’an, Kunming são estruturas monumentais, impecavelmente organizadas, onde arte e tecnologia se encontram. No aeroporto de Kunming, por exemplo, há até um dinossauro exposto, lembrando que a modernidade convive com a história e a curiosidade científica.

Esse cuidado se repete em toda parte: ruas limpas, sinalização clara, transporte público acessível, revitalização de áreas urbanas degradadas. Em Pequim, por exemplo, o centro histórico foi recuperado e se tornou referência mundial em urbanismo. Como não comparar com São Paulo e tantas cidades brasileiras que abandonaram seus centros à própria sorte?

O que mais me marcou, talvez, foi a cultura da colaboração. A sociedade chinesa parece se mover não pelo individualismo competitivo que predomina no Ocidente, mas pela noção de que cada gesto contribui para o coletivo. Isso se expressa na educação, na disciplina do trabalho, na forma como o espaço público é cuidado. Não vi uma única pichação durante toda a viagem.

Não significa ausência de desafios: há barreiras de idioma, há bloqueios de aplicativos que dificultam a vida do estrangeiro, há choques culturais inevitáveis. Mas existe uma predisposição humana à colaboração que suaviza essas barreiras.

O Brasil diante do espelho

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Registrei de dentro de uma casa milenar prédios altamente tecnológicos e autossustentáveis(Photo: Acervo pessoal )


De volta ao Brasil, ainda digerindo essa experiência, a pergunta que me faço é inevitável: o que podemos aprender com a China?

Temos riquezas naturais incomparáveis, uma diversidade cultural vibrante, uma juventude criativa. Mas seguimos reféns do improviso, da lógica do curto prazo, do descaso com a coletividade.

A China investe mais de 2,5% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, lidera o mundo em patentes e em produção de engenheiros, e se firma como potência global não somente pela força militar, mas pelo investimento em ciência, inovação e sustentabilidade.

Talvez o maior segredo da China seja simples: um povo que conhece profundamente sua história consegue escrever com confiança o seu futuro. E talvez esteja aí a lição mais urgente para nós, brasileiros.

VEJA ALGUMAS IMAGENS QUE REGISTREI NA VIAGEM:

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* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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