Pedro Benedito Maciel Neto avatar

Pedro Benedito Maciel Neto

Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.

192 artigos

HOME > blog

7 de Setembro e seus significados

As disputas em torno do 7 de setembro revelam um país dividido entre soberania popular, justiça social e projetos golpistas

Ato extremista na paulista (Foto: Reprodução)

Escrevo estas reflexões logo após o “7 de setembro”.

Nos últimos trinta anos, o dia 7 de setembro passou a ter duas manifestações importantes: de um lado, o desfile tradicional, que busca realçar a soberania e atrair famílias para celebrar a independência. Este ano, com o lema “Brasil Soberano”, o Desfile Cívico-Militar de 7 de setembro foi realizado com um público total estimado em 45 mil pessoas em toda a Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF). Se o número de pessoas for esse mesmo, foi um sucesso, em comparação aos dois anos anteriores.

Paralelamente, tem-se “O Grito dos Excluídos”, um conjunto de manifestações populares que ocorrem desde 1995, ao longo da Semana da Pátria, culminando no dia 7 de setembro. Essas manifestações têm como objetivo abrir caminhos aos excluídos da sociedade, denunciar os mecanismos de exclusão e propor alternativas para uma sociedade mais inclusiva.

A origem do “Grito” está na “Segunda Semana Social Brasileira”, promovida pela Pastoral Social da CNBB, realizada entre 1993 e 1994. Embora a iniciativa esteja diretamente ligada à CNBB, desde o início diversos organismos participam do movimento: as igrejas do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, movimentos sociais, organizações e entidades envolvidas com a temática da justiça social. As manifestações são variadas: celebrações, atos públicos, romarias, caminhadas, seminários e debates, teatro, música, dança e feiras de economia solidária.

A partir de 2023, surgiu outra manifestação, convocada e financiada pelo pastor Silas Malafaia e frequentada por personalidades da extrema-direita. Nela, a extrema-direita faz uma miscelânea: mistura um tipo estranho de patriotismo, que eleva as bandeiras de Israel e dos EUA ao mesmo patamar da bandeira nacional; acrescenta pregação neopentecostal; discurso de ódio ao governo e a ministros do STF e TSE; e adota uma pauta muito específica, qual seja: a anistia a Bolsonaro, sua horda e aqueles que ele próprio chama de “malucos”.

Temos que escolher de que lado estamos.

Escolho o lado da soberania nacional, previsto no artigo 1º, I da Constituição Federal. Coloco-me também ao lado da CNBB, na luta necessária por justiça social, e me oponho à pauta dessa anistia, imoral e inconstitucional.

Fato é que, na semana em que o STF busca dar cumprimento à lei, assistimos à banda congressual de extrema-direita tentando aprovar uma anistia inconstitucional, e ainda é possível sentir o império estadunidense tentando interferir em nossas instituições.

Mas o que é tudo isso?

Penso que vivemos em estado de golpe de Estado desde 2013 e que nem o governo, nem o Congresso, nem o Judiciário, nem a sociedade civil sabem como evitá-lo. Penso que testemunhamos uma nova modalidade de golpe que, assim como as “guerras perpétuas”, não tem prazo para terminar, não usa tanques de guerra ou soldados, mas sim desinformação nas redes, com apoio de parte da mídia, de institutos, associações, vozes maldosas que envenenam a sociedade e de uma parcela do pior Congresso da história da República.

Esse “golpe perpétuo” começou após a visita de Biden, então vice-presidente de Obama, à presidente Dilma em 2013. Ele queria o pré-sal, e ela disse não.

Depois da visita de Biden, “coincidentemente”, seguiram-se: as “marchas de junho”; o chilique do Aécio; as “pautas-bomba” de Cunha; a Lava Jato; o afastamento de Dilma; a condenação e prisão, sem trânsito em julgado, de Lula; a vitória de Bolsonaro; a venda do pré-sal, das refinarias, da BR Distribuidora, da Eletrobras, de recebíveis do Banco do Brasil, da Sabesp, etc., tudo em nome de uma falsa eficiência.

O que Trump faz é continuar o “golpe perpétuo”.

Um pouco de história...

Quando nasci, em janeiro de 1964, o presidente era João Goulart, do PTB. Menos de dois meses e meio depois, com apoio irrestrito dos EUA, ocorreu um golpe de Estado, o famoso “Golpe de 64”, que apeou Jango do poder e estabeleceu, por vinte e um anos, um governo ditatorial, servil aos interesses dos EUA.

O golpe de 1964 é continuação do golpe de 1945, dos quase golpes de 1954 e 1955 e do golpe de 1961.

Golpes são planejados e financiados por instituições e entidades que buscam normalizar o absurdo. Sempre há articulações que antecedem os golpes de Estado; conspirações que corroem as instituições e estruturas do país; essas articulações contam com apoio de entidades e da mídia.

Atualmente estão “por aí” os famosos institutos liberais, Mises e Millenium, por exemplo. Nos anos 1960, as atividades e articulações conspiratórias contra a democracia contavam com o diligente apoio do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), dirigido pelo general Golbery do Couto e Silva, um dos próceres da ditadura militar. O IPES tinha por objetivo criar uma realidade ficcional, estabelecer o senso comum de que era necessário deter “o avanço do comunismo soviético no Ocidente” e depor o presidente “corrupto” e “comunista” João Goulart (segundo artigo de José Serra no Estadão em 9 de janeiro de 2014, nunca houve risco comunista no Brasil).

O IPES, à época, exatamente como o Mises e o Millenium hoje, recebia recursos, direta ou indiretamente, da CIA para criar instabilidade sociopolítica, um cenário de caos que justificasse o golpe.

Incautos da classe média apoiaram o golpe de 1964, para alegria da nossa elite, que é patrimonialista, entreguista, antidemocrática e mentirosa. Elite assistida por uma burocracia ciosa da manutenção e ampliação de seus privilégios, em contraste com o povo brasileiro, generoso, trabalhador e sempre lutador contra injustiças e outras tantas maldades.

Sobre os golpes...

Não foi o povo que deu o golpe de 1889, foi a elite agrária, vingativa e ressentida, que patrocinou a substituição da monarquia por uma república de coronéis.

Depois do golpe de 1889, ocorreram outros tantos. Em seguida, veio o “Golpe de Três de Novembro”, patrocinado pelo então presidente Deodoro da Fonseca, que dissolveu o Congresso e instaurou um estado de sítio. Tudo muito “legal”, tinha até “minuta de golpe”, os decretos assinados.

O povo não foi consultado sobre a decisão de Deodoro em suspender a Constituição e os direitos individuais e políticos. Simplesmente o Exército cercou o Senado, garantindo ampla e “espontânea” adesão ao golpe, e os “subversivos”, como de praxe, foram presos.

Após a renúncia de Deodoro, Floriano deu um golpe de Estado para manter-se na presidência.

Vigente até 1930, a “política do café com leite” foi caracterizada pela alternância no poder entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais, até que Getúlio Vargas, também representante da elite, derrotado nas eleições de 1930, deu um golpe de Estado e assumiu o poder. Ele ainda deu outro golpe em 1937 e foi golpeado em 1945.

Todos esses golpes ocorreram pela direita e para atender interesses da elite ou parte dela, sempre com apoio do Exército e sem participação popular.

A semente do golpe de 1964 foi plantada em 1950. Parte das oligarquias não queria Getúlio presidente, e só não aconteceu em 1954 porque Vargas suicidou-se e, transformado em mártir, adiou a sanha dos golpistas.

Os golpes no século XXI não utilizam mais tanques e baionetas, mas a manipulação de argumentos jurídicos e políticos, pelas redes sociais. Os golpistas dão de ombros à soberania nacional e à democracia, sempre com o diligente concurso de uma imprensa vil.

Creio que o Brasil só não assistirá a outro golpe de Estado se Lula, pessoalmente, articular-se com diligência e inteligência com os BRICS, a União Europeia, todo o Sul Global e, principalmente, com o povo brasileiro.

Lanço ao debate a questão do “golpe eterno”.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

Carregando anúncios...