Abin Paralela espionou professora chinesa da UnB 102 vezes em dois meses, revela PF

Uma das mais respeitadas professoras da Universidade de Brasília (UnB), a chinesa naturalizada brasileira Chang Chung Yu Dorea foi monitorada 102 vezes pela chamada Abin Paralela, segundo informações reveladas pela Agência Metrópoles e confirmadas em relatório da Polícia Federal. A espionagem, realizada entre julho e agosto de 2020, utilizou indevidamente uma credencial compartilhada por quatro servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Chang integra uma lista de pelo menos 12 moradores do Distrito Federal que foram alvos de monitoramento ilegal, segundo documentos que tiveram o sigilo suspenso pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira (18/6). A decisão ocorre após a constatação de vazamentos seletivos do conteúdo da investigação, que apura o uso de sistemas de rastreamento sem respaldo judicial.

Com mais de 40 anos dedicados à universidade, Chang é uma referência na área de matemática aplicada. Publicou mais de 60 artigos em revistas científicas internacionais, coordenou o Programa de Pós-Graduação em Matemática da UnB por 13 anos e recebeu, em 2018, o título de Professora Emérita da instituição. Também atuou como pesquisadora sênior do CNPq e participou de projetos nacionais e internacionais com foco em estatísticas estocásticas, cadeias de Markov e algoritmos de risco.

O relatório da PF destaca que não houve qualquer operação subsequente ao intenso monitoramento da docente. As consultas, segundo a investigação, foram realizadas por meio do software israelense FirstMile, que permite o rastreamento de localização de indivíduos com base em dados de torres de telecomunicação.

Além de Chang, a lista de espionados inclui professores da rede pública, servidores do governo federal e do Judiciário, jornalistas e até candidatos a cargos eletivos. Uma servidora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), por exemplo, foi rastreada 398 vezes entre 2019 e 2021, sem que qualquer operação fosse registrada.

A Polícia Federal conclui que as ações da chamada Abin Paralela configuram grave desvio institucional. “A circunstância indica monitoramento contínuo em relação ao servidor público por questões de ordem política e em represálias ao exercício de seu cargo”, apontou o relatório ao se referir ao caso do analista do Ibama.

A seguir, a lista completa dos moradores do DF espionados pela Abin, segundo a PF:

•  Ademar Lourenço Martins Rodrigues – técnico da DPU e jornalista do IFB
•  Chang Chung Yu Dorea – professora da Universidade de Brasília
•  Elizândio de Aquino Marinho – professor de educação básica do GDF
•  Evandro de Araujo Paula – assessor de imprensa de Bia Kicis
•  Hugo Ferreira Netto Loss – analista ambiental do Ibama
•  Maria Raquel Piracicaba Peixoto – funcionária da Secretaria de Cultura do DF
•  Nicole Giamberardino Fabre – advogada
•  Sérgio Eduardo Soares Allen – servidor da Secretaria de Desenvolvimento Social do DF
•  Simone Maria Barros Pimentel – candidata a deputada distrital em 2022
•  Tânia Povoa Lustosa – analista aposentada do Senado
•  Thaís Lopes Rocha – professora de História da rede pública do DF
•  Uma servidora do TJDFT – não identificada no relatório público

As investigações seguem sob responsabilidade do STF, com expectativa de novos desdobramentos e responsabilizações.