“Agroecologia familiar será a única capaz de lidar com as mudanças climáticas”, diz especialista

Beatriz Bevilaqua, 247 - A relação entre agricultura familiar e agroecologia vai muito além da simples produção de alimentos sem agrotóxicos. Trata-se de um modelo de resistência econômica, social e ambiental, centrado na vida, na biodiversidade e na sobrevivência dos povos do campo. Quem afirma isso é a agrônoma Beth Cardoso, com mais de três décadas de atuação com agricultores familiares. "Agroecologia familiar será a única capaz de lidar com as mudanças climáticas", sentencia.

A especialista tem uma trajetória que passa por experiências no Mato Grosso, na Zona da Mata mineira, no Ministério do Desenvolvimento Agrário e, atualmente, na Oikos, em São Tomé e Príncipe. Apesar de ter crescido em ambiente urbano, sua formação e atuação profissional sempre estiveram ligadas ao campo. "Desde que eu cheguei à universidade, compreendi que não era o agronegócio que iria salvar o país. Aquela agricultura mecanizada, poluente, que expulsa as pessoas do campo, não era a saída. A alternativa real era a agricultura familiar, com base na agroecologia", lembra.

A crítica ao modelo hegemônico do agronegócio é contundente. Segundo ela, esse sistema é insustentável em todos os sentidos: econômico, ambiental e social. "Essa agricultura é extremamente dependente de petróleo. Se o petróleo acaba, acaba a produção. Sem falar que precisa de enormes subsídios para funcionar. A agricultura familiar, mesmo sem apoio, segue produzindo alimentos."

Para Beth, o Brasil possui todas as condições climáticas e geográficas para ser autossuficiente em produção de alimentos, mas optou por um modelo exportador. "Produzir soja, eucalipto, milho para ração não é comida no prato. Isso é commodity. Comida de verdade vem da agricultura familiar”, enfatiza. 

O protagonismo feminino é também outro eixo de sua atuação. Ela desenvolveu uma “Caderneta Agroecológica” que serviu de instrumento político-pedagógico para registrar a produção das mulheres agricultoras. O objetivo é valorizar o trabalho que, muitas vezes, não é monetizado, mas que é essencial para o sustento das famílias e comunidades. "Eu sempre digo que o que faz a agricultura familiar existir até hoje é a produção para o próprio consumo, e isso é responsabilidade das mulheres."

Além disso, Beth participou da construção da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e da Marcha das Margaridas, onde atuou como parte da coordenação nacional. "As mulheres eram invisibilizadas. Mas elas sempre estiveram ali, produzindo alimento, cuidando da terra, das sementes, das crianças. A caderneta nos ajudou a dar visibilidade a esse trabalho."

Atualmente, ela está em São Tomé e Príncipe, levando essa experiência para outro continente. Mesmo de longe, acompanha os impactos da crise climática no Brasil. "Essa mudança climática é resultado direto da ação humana. A monocultura, o desmatamento, a ausência de árvores, tudo isso contribui para as enchentes, as ondas de calor, a degradação do solo."

Diante desse cenário, ela reforça a importância de investir em modelos sustentáveis, e a agroecologia familiar é a alternativa mais concreta e eficaz. "A agricultura do futuro é aquela que respeita a natureza, que se baseia na biodiversidade, que produz comida de verdade". 

Assista a entrevista na íntegra: