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Emir Sader

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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Para onde vai a América Latina?

Futuro do continente vai depender de que seus governos consigam romper com o predomínio, ainda sobrevivente, do capital especulativo nas suas economias

Encontro da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

O século XX latino-americano pode ser dividido em três períodos históricos: a) o que vai da crise de 1929, com economias primário-exportadoras, sistemas políticos oligárquicos e subordinação completa à hegemonia norte-americana no plano internacional, com alguns elementos novos, como o surgimento de partidos socialistas e comunistas; b) o período que vai de 1930 a 1973, com o ciclo econômico de crescimento mais longo da história do continente, com fortalecimento dos Estados nacionais e das forças populares; c) o período que vai de 1973 até o final do século, marcado por ditaduras militares, governos neoliberais e retrocessos em todos os planos. Foram períodos radicalmente distintos, correspondendo a três correlações de forças internas aos países e a três formas distintas de inserção internacional do continente.

No primeiro período, a vigência do modelo primário-exportador tornava hegemônicos na economia os produtores agrícolas ou mineiros e os exportadores, que se valiam do Estado para realizar seus interesses no mercado internacional. Isto resultava em Estados restritos em sua abrangência, que atendiam praticamente apenas aos interesses dos setores dominantes, sem maior ação para organizar políticas mais amplas de alianças.

Esses Estados se impunham basicamente pela força, pela fraude e pela repressão direta. As sociedades latino-americanas eram basicamente rurais ou mineiras, com a grande maioria da população concentrada no campo.

A economia e a própria ocupação territorial eram voltadas para a exportação, para o exterior, vivendo em função das demandas externas, que comandavam os ciclos da exploração econômica. Os processos políticos e eleitorais eram basicamente viciados, para perpetuar no poder as elites tradicionais. Em muitos países houve regimes ditatoriais por períodos muito prolongados, sendo a participação popular restrita ou praticamente inexistente.

O período seguinte foi, até recentemente, o mais importante da história econômica, social, política e cultural do continente. A reação à crise de 1929 conduziu a processos de industrialização substitutiva de importações, com intensificação dos processos de urbanização, construção de Estados nacionais, de projetos e líderes nacionalistas, de sindicatos, que mudaram radicalmente a fisionomia das sociedades latino-americanas.

Algumas se desenvolveram economicamente mais (Argentina, Brasil, México), outras o fizeram de forma intermediária (Chile, Uruguai, Colômbia, Peru, Equador, Venezuela), enquanto as demais se mantiveram em situação similar à do período anterior, com baixo nível de urbanização e de industrialização.

Foi um período em que a correlação de forças entre as classes sociais foi alterada de maneira significativa a favor das classes populares, que passaram a participar de governos, por meio de alianças políticas, conseguiram grandes conquistas trabalhistas e direitos sociais em geral, protagonizaram grandes mobilizações e campanhas públicas, construíram partidos e organizações sindicais, com grande apoio popular.

O terceiro período histórico do século XX foi o resultado dos grandes enfrentamentos provocados pelo período anterior e um correlato das imensas transformações no plano internacional das décadas finais do século XX, com o fim da Guerra Fria e consolidação da hegemonia dos Estados Unidos no mundo, assim como o surgimento fulminante do modelo neoliberal como hegemônico no mundo.

Para a América Latina, representou a instalação da maior quantidade de governos neoliberais e nas suas modalidades mais radicais. O período seguinte já corresponde ao século XXI, com a excepcional particularidade do surgimento de um conjunto de governos antineoliberais, como reação precisamente a essa circunstância extremamente negativa vivida pelo continente no final do século XX.

O continente pôde, assim, ser a única região do mundo com governos antineoliberais, tornando-se o elo mais frágil da cadeia neoliberal. De forma que o novo século se anunciava como um século predominantemente progressista no continente.

Hoje, já na terceira década do século, como se projeta o futuro do continente? Em princípio, com a continuidade desse fenômeno, protagonizado agora pelo México, pelo Brasil, pelo Uruguai, pela Colômbia, por Honduras, com governos antineoliberais.

Mas o futuro do continente vai depender de que seus governos consigam romper com o predomínio, ainda sobrevivente, do capital especulativo nas suas economias. Consigam superar e deslocar esse capital, para dar lugar a um novo ciclo longo expansivo da economia, com centralidade dos setores produtivos, geradores de bens, de emprego e de bem-estar social. Do futuro de países como o México, o Brasil, a Argentina, depende esse futuro.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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